Uma fiscalização da secretaria de Ordem Pública impediu neste domingo a realização de uma roda de samba na Feira da Glória, na Zona Sul do Rio. Segundo a pasta, os estabelecimentos que realizavam o samba não possuíam autorização para esse tipo de evento. Os agentes foram ao local após reclamações de moradores sobre a apresentação. A prefeitura ainda afirma que "os responsáveis pela organização do samba podem solicitar autorização para a sua realização com a subsecretaria de eventos ou por meio da secretaria de Cultura".
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Reordenamento
De janeiro ao fim de junho, 103 mil pessoas visitaram a Feira da Glória, revela estudo exclusivo feito para O GLOBO pela Setur. Deste total, 5,6% são turistas de fora da Região Metropolitana. O ti-ti-ti que a feira provoca é comprovado pelos números e resulta em cenas como a do último domingo: uma multidão resistiu a deixar o samba morrer depois que guardas da Secretaria de Ordem Pública (Seop) interromperam a roda do grupo Sarau da Lapa e pediram a retirada de mesas e cadeiras espalhadas sem permissão por rua e calçadas. Os músicos pararam de tocar, temerosos diante da fiscalização, mas o público segurou o repertório no gogó.
Moradores dos prédios reclamam, sem se referir ao grupo em questão, que o barulho é amplificado por caixas de som nos bares vizinhos e vai além do horário de fim da feira. Enquanto isso, há sambas autorizados — e mais distantes de moradias — nas praças Edson Cortes e Marechal Deodoro. Com esse imbróglio para resolver, a prefeitura quer propor um diálogo entre os adeptos da diversão e a associação de moradores em busca de um consenso que preserve o entretenimento, sem que o sucesso estrondoso da feira desorganize a cidade.
— A gente tem recebido reclamações pontuais de moradores e até de feirantes. Os próprios expositores não estão conseguindo sair da feira com o carro depois que a pista é aberta. Houve um domingo em que um caminhão de lixo não conseguiu entrar na Avenida Augusto Severo para fazer a limpeza — afirma Brenno Carnevale, secretário municipal de Ordem Pública.
Segundo moradores e expositores ouvidos pela reportagem, o caminhão da Comlurb teve dificuldade de passar pela Augusto Severo justamente no local em que pessoas se aglomeravam para curtir a música: no trecho que é o novo point, na parte da avenida mais próxima ao Passeio Público. Produtora do grupo, Dorita Rodrigues dá a sua versão:
— Essa ação foi uma surpresa para a gente. Como ficamos vinculados a um bar, o dono diz que houve um pedido de um morador por um choque de ordem porque havia mesas em excesso. Tentei conversar com o fiscal da feira, e ele disse que o problema são as barracas que ficam até tarde.
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Espaços disputados
A feira tem início às 8h, e o período determinado para que os expositores desmontem suas estruturas é entre 14h e 15h, segundo a prefeitura. Porém, na prática, enquanto há público para consumir, há vendedores que permanecem, irregularmente. Outra questão apontada é a superlotação. Alguns expositores chegam e montam a barraca “onde dá”. Com isso, há ocupação de locais improváveis: das calçadas à faixa de pedestres da esquina.
— Num domingo desses, tinha uma pastelaria no ponto de ônibus — dedura o porteiro de um edifício.
Duas empresas que alugam tabuleiros dividem o território na Augusto Severo. De um número de mais de 350 barracas na via, cerca de 290, segundo a prefeitura, têm autorização.
Esta semana, está prevista uma reunião entre a Seop, com sua coordenação de feiras, e integrantes da associação de moradores. Um dos planos é reordenar o espaço, mas sem deixar que a feira perca seu charme e sua diversidade.
— A ideia é tipificar, entender quem está vendendo o quê, onde vai ficar… Porque de fato não dá para tolerar expositor em sinal de trânsito, em portão de garagem, em ponto de ônibus. Vou fazer esse mapeamento no chão e entender onde cada um monta seu ponto. Nosso objetivo é fazer com que o bairro continue recebendo essas pessoas. É bom para a cultura e para a gastronomia, mas é importante manter o mínimo de harmonia com o restante do bairro — frisa o secretário.
Estudo de área
A reunião do poder público com produtores culturais e moradores também deve definir o que pode ser feito para que a Feira da Glória não perca sua efervescência. Érica Ramalho comercializa produtos desde 2018, administra uma conta no Instagram sobre a Feira da Glória com mais de 67 mil seguidores e acompanhou o boom dos últimos anos:
— Depois da pandemia, o público da feira se multiplicou, em comparação com os anos anteriores. Famílias de vários municípios são frequentadoras. As pessoas não vão fazer feira, elas vão passear na feira. Além disso, é um espaço democrático onde muita gente pode trabalhar. Semanalmente, recebo uns dez pedidos de pessoas perguntando como fazem para vender lá. Sempre tenho que explicar que não sou responsável por isso.
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Meire Ferreira, uma das representantes de um grupo de feirantes, conta que tem uma fila de espera para trabalhar na Augusto Severo. Há dois anos, sua lista tinha 120 pessoas. Recentemente, o número subiu para 168 expositores.
— No nosso grupo, tem gente que está na Glória há 40 anos vendendo e que acompanhou as mudanças. Eu mesma estou há 25. A gente expunha na praça, mas tiraram a gente de lá. Depois, fomos para a Morais e Vale, e uns anos atrás voltamos para a Augusto Severo — diz a vendedora de roupas.
No estudo de área planejado, a ideia é analisar se há chances de a feira expandir seu território legalmente ou se restrições serão estabelecidas. Carnevale acrescenta:
— É um espaço público que requer autorização. Isso tem que ser seguido até em respeito aos feirantes que sempre estiveram ali. O mapeamento vai ser importante para a gente entender se serão necessários um aumento espacial, uma redução ou uma divisão de feirantes.
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