Difícil encontrar pela cidade alguém que use o Jaé, apresentado em julho do ano passado pela prefeitura como novo meio de pagamento de passagens no transporte público municipal do Rio — o que inclui ônibus, BRT, VLT, vans legalizadas e os chamados cabritinhos. A estimativa é que apenas 1% dos embarques sejam feitos hoje com o cartão. Pelo cronograma anunciado à época do lançamento, todos os passageiros já deveriam estar viajando com o Jaé desde fevereiro deste ano. Mas, diante de dificuldades encontradas para a implementação do serviço, o prazo foi adiado em um ano: agora, a nova data passa ser 1º de fevereiro de 2025.
— Houve várias modificações ao longo do projeto. A gente previa que os validadores seriam instalados pelos operadores, mas houve uma mudança sobre isso e a gente assumiu. Hoje 100% dos ônibus, BRTs e VLT estão equipados com os validadores, e cerca de 70% das vans e cabritinhos. Não adiantava a gente correr, estimular o uso e não ter os equipamentos. A nossa preocupação sempre foi fazer com que essa transição fosse a mais tranquila possível para o usuário — disse Maína Celidonio, secretária municipal de Transportes.
O Jaé foi criado para substituir o Riocard, controlado pelos empresários de ônibus. O município alegava que o modelo atual seria uma caixa-preta porque, ao mesmo tempo em que operam a circulação dos ônibus, os donos de empresas controlam a arrecadação, o que poderia facilitar a falta de transparência.
Novos prazos
Por contrato, a empresa vencedora da concessão para operar o Jaé deveria ter assumido 100% das operações na cidade no dia 19 de julho, ou seja, 18 meses após o início da concessão. Nessa data, a prefeitura também deveria ter recebido 50% do valor da outorga, estimado em cerca de R$ 50 milhões. No entanto, o sistema ainda não foi implantado, e o município não recebeu o montante previsto.
— A concessionária pediu uma postergação da outorga. O município ainda não tem uma decisão, isso está sendo analisado juridicamente, esse pleito foi protocolado na semana passada. A Procuradoria Geral do Município está analisando, é um rito administrativo. O jurídico verá à luz do contrato se esse pleito deles é de fato válido ou não — explicou Maína Celidonio.
Hoje a Secretaria municipal de Transportes (SMTR) deve anunciar novos prazos. As empresas, por exemplo, serão orientadas a procurar a concessionária do Jaé a partir de outubro para se informar sobre o cadastramento do vale-transporte de seus funcionários no novo sistema.
No caso do Bilhete Único Intermunicipal (BUI), mesmo ainda sem um acordo entre a prefeitura e o governo do estado para que o Jaé seja aceito em outros modais — como trens, metrô, barcas e ônibus intermunicipais —, o município afirma que a tarifa diferenciada será respeitada. Para ter direito ao benefício, no entanto, o usuário deverá cadastrar biometria facial em uma das 12 lojas do Jaé na cidade a partir de 1º de novembro. Já as integrações intermunicipais exigirão que o usuário use os dois cartões: o Riocard para passar no modal intermunicipal e o Jaé para o transporte do município. Isso enquanto estado e município não se acertam.
Os demais benefícios, como gratuidade para estudantes e PCD, por exemplo, também serão mantidos mediante cadastro via aplicativo e posterior retirada do cartão nas respectivas instituições de ensino ou saúde. No caso de idosos, o benefício é reconhecido automaticamente mediante o número do CPF.
Teste nas ruas
Prazos e análises jurídicas à parte, O GLOBO foi às ruas testar o Jaé na prática, na semana passada. O cartão funcionou bem no primeiro embarque, no Terminal Gentileza, no BRT em direção a Deodoro. Já no VLT o cartão apresentou erro duas vezes antes de registar a passagem. Quando funcionou, o valor de R$ 4,30 foi cobrado duas vezes.
Para consultar o saldo e fazer a recarga, mais problemas. Na máquina instalada na Central do Brasil, o cartão ficou preso por alguns minutos, atrasando a viagem. Já na estação Candelária do VLT, a falta de pontos de recarga do Jaé se mostrou um obstáculo. Ao contrário do RioCard, que tem máquinas na maioria das estações, o novo cartão, por enquanto, só pode ser recarregado em pontos específicos, como o terminal na Central, ou pelo aplicativo.
Cobrança indevida
No retorno ao Terminal Gentileza para seguir viagem novamente pelo BRT, o Jaé apresentou erro três vezes na catraca antes de permitir o ingresso e a integração não foi reconhecida, resultando na cobrança de outra passagem. No VLT, por exemplo, de 15 passageiros abordados pela equipe do GLOBO, nenhum utilizava o Jaé.
— O Riocard é mais prático, até para comprar e recarregar — justificou o segurança Ricardo Jorge.
Em nota, o Jaé informou que analisou o cartão usado na reportagem e “não foi constatado nenhum uso incomum”, mas que “de qualquer forma, será realizada uma verificação mais profunda”.
— A gente tem acompanhado essas falhas, e o que a gente sempre orienta é que o usuário abra um chamado quando isso acontecer para que o Jaé faça a devolução do dinheiro o mais rapidamente possível. Todo sistema tem problemas, a gente está monitorando todos esses casos — disse Maína Celidonio.
Procurada, a Riocard informou que “vai manter 100% da sua operação em funcionamento mesmo após o fim do prazo determinado em edital para o início da atuação exclusiva do cartão Jaé na cidade do Rio, que havia sido estipulada inicialmente para o último dia 19 de julho”. A empresa disse ainda que “vai aguardar um posicionamento oficial da Secretaria municipal de Transportes quanto à evolução do processo de transição entre os dois sistemas de pagamento, a fim de dar início à fase de desmobilização dos serviços”.
Procurado para esclarecer sobre os motivos de ainda não ter sido disponibilizada a integração do Jaé com metrô, barcas e trens, o governo do estado afirmou que está trabalhando para resolver a questão.
"A Secretaria de Estado de Transporte e Mobilidade Urbana esclarece que, por se tratar de um novo sistema, diferente do já praticado, é necessário um minucioso trabalho de ajuste técnico para garantir efetividade nas transações. A pasta está trabalhando junto à Prefeitura do Rio para enfrentar os pontos necessários à integração".
* Estagiário sob supervisão de Rafael Galdo
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