O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES) assina nesta quarta-feira contrato com um consórcio que vai receber recursos para estimular a visitação a instituições ligadas à cultura negra na área histórica da Pequena África, na Zona Portuária. A boa notícia acontece em meio à decisão da Justiça Federal que, na última sexta-feira, determinou à União que adote medidas urgentes para garantir a preservação do principal marco dessa região da cidade, o Cais do Valongo, reconhecido em 2017 como Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
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O novo contrato — de R$ 20 milhões, sendo metade do BNDES e o restante captado junto à iniciativa privada — não prevê obras no Cais do Valongo. O sítio arqueológico até passou por serviços de revitalização, concluídos há nove meses, mas ainda enfrenta problemas de manutenção e segurança.
A região da Pequena África reúne uma população majoritariamente negra. Nela, estão espaços como o Cemitério dos Pretos Novos, onde eram sepultados africanos recém-desembarcados no Valongo, que morriam antes de serem vendidos, e a Pedra do Sal, considerada um dos berços do samba carioca.
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Com duração de três anos, o contrato Viva Pequena África será celebrado no Espaço Cultural BNDES, no Centro do Rio, com o consórcio que reúne o Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap), a Diáspora Experience Turismo Ltda e o Instituto Feira Preta. O grupo venceu, em novembro do ano passado, edital promovido pelo BNDES. Dos R$ 10 milhões a serem captados, R$ 7 milhões já foram obtidos.
‘Fazer sustentável’
Secretário-executivo do Ceap, Marcelo Santos explica que a primeira iniciativa será mapear as instituições que trabalham com a valorização da memória africana na região. É o caso, por exemplo, do Instituto dos Pretos Novos, da Casa da Tia Ciata e do Afoxé Filhos de Gandhi. As entidades selecionadas receberão obras para a melhoria de seus espaços e o apoio a suas iniciativas.
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— Haverá um programa de desenvolvimento que passa por diversas ações. A mais importante é a de fortalecimento de projetos e de organizações culturais, sociais, civis, sem fins lucrativos, que atuam com a valorização da cultura negra — ressalta Santos.
Segundo ele, o apoio não passará apenas por verba:
— Ofereceremos consultorias, montaremos planos de negócio sustentável para essas organizações. Queremos fortalecer a instituição como um todo. A ideia é que fique como legado uma forma de fazer sustentável, para que elas busquem caminhos próprios no futuro.
Quanto ao Cais do Valongo, a sentença da Justiça Federal é decorrente de ações civis públicas movidas pelo Ministério Público Federal (MPF), devido ao atraso no cumprimento de obrigações pactuadas em 2017 com a Unesco, que reconheceu o sítio como “a mais importante evidência física associada à chegada histórica de africanos escravizados no continente americano”. Os vestígios do cais foram descobertos em 2011, durante as obras do Porto Maravilha.
Além da União, foram condenados o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e a Fundação Cultural Palmares. Nas sentenças, a Justiça sublinhou a necessidade de maior comprometimento do Estado com a memória histórica e a justiça social. “O sítio não apenas evidencia a magnitude do tráfico de escravos no Brasil, mas também serve como um espaço para a reflexão sobre as profundas cicatrizes deixadas pela escravidão e seus efeitos persistentes na sociedade contemporânea, sendo o mais evidente o chamado racismo estrutural”, diz um trecho de uma das sentenças.
Os prazos para o cumprimento de exigências vão de 30 a 180 dias. O mais longo, a contar do fim da revisão do projeto arquitetônico, é para iniciar a implantação do Centro de Referência e Celebração da Herança Africana no prédio histórico de Docas Pedro II.
A revitalização do Valongo, concluída em novembro de 2023, custou R$ 2 milhões. O espaço ganhou sinalização educativa, painéis expositivos e novo guarda-corpo.
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Falta de segurança
Entre os problemas que persistem estão falhas na acessibilidade. As rampas de acesso ao cais apresentam poças d’água, devido à falta de escoamento adequado. Na parte inferior do cais, há carência de painéis com leitura em braile, existindo apenas uma maquete sensorial destinada a pessoas cegas. A falta de segurança é outra questão levantada por quem passa por ali.
— Trabalho perto. Por volta das 17h, dá medo passar pelo cais, principalmente pela falta de policiamento — afirma o mineiro Glaucus Mariano, que se mudou recentemente para o Rio.
O galpão Docas Pedro II, situado em frente ao cais e construído em 1870 pelo engenheiro negro André Rebouças, deveria ter sido transformado em Memorial da Herança Africana até 2019. Mas hoje o prédio tem janelas quebrada, tijolos soltos, sujeira e pichações.
Em nota, o Ministério da Cultura diz que o Valongo está entre as prioridades da pasta e que foi criado o Comitê Gestor do Sítio Arqueológico, um grupo interministerial. “O processo de revitalização, portanto, está em curso, de forma cuidadosa, como o valioso patrimônio requer”, afirma.
‘Pretagonismos’: exposição destaca o protagonismo negro
O negro é o protagonista da exposição que será inaugurada nesta quarta-feira, na reabertura da galeria do Espaço Cultural BNDES, fechada desde a pandemia. “Pretagonismos” — neologismo apropriado de Rodrigo França e Jonathan Raymundo, para ressignificar o domínio que pessoas negras possam ter sobre suas próprias narrativas — vai apresentar 105 obras do acervo do Museu Nacional de Belas Artes (MNBA). Esta será a maior mostra da instituição fora de seu prédio, desde que o espaço começou a ser restaurado no segundo semestre de 2019.
As obras da coletiva são assinadas por 59 artistas, 46 negros e 13 brancos, e todas retratam pessoas negras. A criação mais antiga é datada do período entre 1780 e 1800. A mais recente foi produzida em 2023.
A pintura “Vercingetorix diante de Júlio César”, de 1886, do carioca Firmino Monteiro (1855-1888), será exposta, pela primeira vez, na mostra, como informou Ancelmo Gois, em seu blog, no GLOBO. Apesar de doada ao museu em 1956, por Carmen Murtinho de Almeida, a tela nunca foi exibida e passou por restauro entre em 2021 e 2022.
Na representativa seleção a ser exposta estão “Autorretrato como Tarsila do Amaral”, de Panmela Castro, de 2022; “Autorretrato de Artur Timóteo da Costa”, de 1919; e a singela “Colheita de Flores, de Maria Auxiliadora, de 1972.
— Essa mostra é mais um passo significativo na construção de uma narrativa inclusiva e justa no panorama artístico nacional que, diante das urgências contemporâneas, evidencia fissuras, forçando o olhar para uma noção de beleza e de poética mais integrativa — diz Daniela Matera, diretora do MNBA.
Segundo o museu, o corpo de curadores da mostra — Amauri Dias, Ana Teles da Silva, Cláudia Rocha e Reginaldo Tobias de Oliveira, todos da equipe permanente do MNBA — quer frisar as trajetórias de luta, resiliência, transgressão e heroísmo dos negros em uma sociedade ainda hoje marcada pelo racismo.<EP,1>O público poderá visitar a exposição a partir de quinta-feira, nos dias úteis, das 10h às 19h. A exposição vai até 14 de fevereiro de 2025.
*Estagiário sob supervisão de Sanny Bertoldo
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