A Polícia Civil está passando esta semana pela quinta mudança de comando nos últimos quatro anos. Além do secretário, todos os subsecretários e diretores estão sendo trocados. Enquanto os nomes se revezam na cúpula da segurança e a violência avança, quem precisa registrar um crime chega a esperar seis horas para ser atendido. Nos primeiros sete meses deste ano, o número de ocorrências nas delegacias do estado cresceu 28% em relação ao mesmo período de 2023.
A 35ª DP (Campo Grande) foi a delegacia que recebeu mais ocorrências no estado de janeiro a julho — uma média de 86 por dia, a maior quantidade desde 2003. O movimento é tão grande que há até quem desista de esperar. A esteticista Bruna Cotta, de 26 anos, foi assaltada no dia 24 de agosto. Levaram o seu celular. Dois ou três dias depois, ela fez o registro on-line e, ontem, voltou à 35ª DP para dar prosseguimento aos trâmites, mas disse que não havia policial sequer para dar informações. Ela acabou indo embora.
— Quando cheguei, não tinha ninguém no balcão. Então pedi informação para as pessoas que já estavam aguardando o atendimento, e elas me disseram que era só escrever meu nome numa folha e esperar — contou Bruna. — Cheguei a colocar o meu nome, mas eu era o número 70 e pouco. Não ia esperar esse tempo todo, então desisti.
‘Grande fluxo’
Em nota, a Polícia Civil afirma garantir que a informação relatada por Bruna não procede. “Não existe delegacia sem agente. O que pode ter ocorrido é um grande fluxo de pessoas”, diz o texto.
O mesmo aconteceu com a operadora de caixa Thaisa Nascimento, de 34 anos, que foi três dias seguidos à delegacia para registrar um roubo de carro. O crime aconteceu na madrugada de 5 de agosto, uma segunda-feira. No mesmo dia, ela fez o registro on-line. Na terça, como agendado, foi à 35ª DP e esperou seis horas — das 11h às 17h — até que desistiu. Voltou no quarta em outro horário, às 17h. Saiu da delegacia às 2h, mais uma vez sem resolver. No dia seguinte, já exausta, conseguiu o registro:
— Já se passaram quatro dias desde o roubo. Eles já devem ter desmanchado meu carro inteiro a essa altura do campeonato. Fora que levaram meus documentos, e estou morrendo de medo de fazerem algo. É desanimador passar por isso — lamentou ela, que foi atendida pelos policiais após mais seis horas de espera. No total, Thaisa passou 21 horas na delegacia.
A aposentada Vera Lúcia, de 66 anos, também precisou ir dois dias à delegacia para registrar o roubo que sofreu. Ela estava saindo do banco com o pagamento de sua aposentadoria quando foi abordada por duas mulheres, que levaram sua bolsa.
— Fiquei muito nervosa, minhas pernas tremiam. Depois que elas fugiram, eu só chorava. O pessoal do banco conversou comigo, e eu vim direto para a delegacia. Fiquei cinco horas esperando, mas não fui atendida. Eles não estão ligando nem para os idosos, porque nem prioridade tem — disse ela.
Mais de 352 mil pessoas moram na área atendida pela 35ª DP, que fez 18.226 registros nos primeiros sete meses. Em todo o estado, foram 535.106 no mesmo período. Esse número representa um aumento de 88% em um período de 21 anos.
Nova delegacia
Um policial civil que trabalha na delegacia de Campo Grande e pediu para não ser identificado afirmou que nem o fim do déficit de efetivo resolveria o problema. Ele defende que a melhor solução para a região seria a criação de uma nova delegacia, dividindo a área atual em duas, separadas pela linha do trem:
— Mesmo com mais policiais, não há como suprir a demanda que a delegacia recebe de registros de ocorrência on-line. Tem dia que chegam cerca de 150. Como vamos olhar todos, atender a população, realizar as diligências e ter efetividade nas nossas investigações? Cada procedimento demanda diversas ações dos policiais. E quantos inquéritos é possível tocar de uma só vez?
Como a 35ª DP também é uma central de flagrantes, o atendimento à população é interrompido para priorizar os policiais militares, que precisam voltar para as ruas. Numa tentativa de fazer todos os registros, alguns agentes orientam as mulheres a procurarem a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) da Zona Oeste. Mas muitas que não conhecem a região não se arriscam a se locomover quase 17 quilômetros até Guaratiba, onde fica a especializada. Há um projeto de construção de uma Deam perto da 35ª DP, mas as obras avançaram pouco desde o seu início, em agosto do ano passado.
Em nota, a Polícia Civil afirmou que está suprindo o déficit de policiais para, posteriormente, planejar a construção de novas delegacias. Ao todo, 1.741 vagas foram autorizadas pelo governo para ampliar os quadros, sendo que 800 já foram preenchidas.
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