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Rio

Penúria em Instituto Médico-Legal faz com que seis mil laudos fiquem sem conclusão

Faltam luz, água e limpeza na unidade de Campo Grande
Contrato de limpeza acabou há dois anos Foto: Custódio Coimbra / Agência O Globo
Contrato de limpeza acabou há dois anos Foto: Custódio Coimbra / Agência O Globo

RIO — A luz falta constantemente e não há gerador; a água, quando chega, vem sem força ou de carro-pipa. No hall principal, o chão tem sempre lixo acumulado, prova de que a faxina só acontece uma vez por mês, por obra e graça de uma vaquinha dos funcionários. Há salas desativadas e, na parte externa, azulejos vêm caindo paulatinamente da fachada do prédio inaugurado em 2002 — o destino deles é um amontoado no pátio da edificação, vizinha de um terreno com mato alto e carcaças de carros. É nesse ambiente que trabalham os peritos e técnicos responsáveis pelo Instituto Médico-Legal (IML) de Campo Grande, na Zona Oeste, um dos mais movimentados do Rio.

A situação ali é o retrato fiel do sucateamento da polícia técnico-científica do estado. Bem longe do que se vê em filmes e séries como a famosa “CSI”, em que a análise das provas se mostra fundamental no processo de investigação. O resultado da precariedade estrutural se traduz em números: ali “jazem’’ seis mil laudos de exames histopatológicos sem conclusão, dois mil exames toxicológicos por fazer e 400 pedidos de perícia de informática não atendidos.

Tem mais carência na lista. Há pelo menos cinco anos, o Instituto de Criminalística Carlos Éboli, que já foi referência na área, não tem meios para identificar drogas sintéticas. Dos 2.225 cargos existentes nos quadros, apenas 1.100 estão ocupados. Com um agravante: um terço deles por servidores já com tempo para aposentadoria.

— Quanto chegamos, em março, a situação era de colapso. A polícia técnica funcionava pelo esforço pessoal dos servidores na manutenção e na busca por doações, convênios e outras formas de custeio. Havia desabastecimento em praticamente todos os laboratórios: toxicologia, anatopatologia, química, informática... Desde 2015, as compras regulares de insumos não existiam. Para se ter uma ideia, encontramos um processo de cinco anos atrás para aquisição de luminol (reagente que ajuda a identificar manchas de sangue) ainda em aberto — afirmou a delegada Andrea Menezes, atual diretora geral de Polícia Técnico-Científica do Rio.

SOCORRO COM A LAVA-JATO

Os serviços só não foram suspensos no meio do ano devido a um socorro financeiro de R$ 300 mil liberado pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio. O dinheiro, recuperado com a Lava-Jato, garantiu a compra de insumos. Mesmo assim, segundo Andrea, a situação ainda está muito longe da ideal.

O promotor criminal Marcos Kac, titular da 9ª Promotoria de Justiça da 1ª Central de Inquéritos, destaca a importância da polícia científica. Segundo ele, sem ela, toda investigação fica prejudicada.

— As provas técnicas são imprescindíveis para a investigação penal. É o que dá suporte a uma denúncia formal. Afinal, ninguém pode ser condenado sem prova. Quando há a descoberta de drogas com um indivíduo, você precisa de meios que provem que aquela substancia é ilegal. É um ponto chave para a investigação e a condenação de um criminoso — diz.

Kac critica a penúria da perícia fluminense:

— Nos últimos dez anos, a situação piorou. Até o IML inaugurado em 2009 está caindo aos pedaços. É uma vergonha, o cheiro é insuportável. A gente não sabe como os peritos trabalham naquele ambiente nocivo. Além disso, não há segurança pública sem uma investigação profícua e provas técnico-científicas para a elucidação do fato e a condenação do criminoso.

Iniciada em fevereiro deste ano, a intervenção federal trouxe uma esperança para quem trabalha na área, com o recebimento de um quinhão dos R$ 1,2 bilhão destinados à segurança pública do estado — que devem ser gastos até o dia 31 de dezembro ou voltarão para os cofres da União. Durante meses, foram feitos levantamentos, dois quais saíram 60 processos de compra.

Os diagnósticos relataram a necessidade de reforma nos 19 postos regionais de Polícia Técnico-Científica, de aquisição de equipamentos básicos para a realização de necropsia em todas as unidades e na sede do Instituto Médico-Legal Afrânio Peixoto, no Centro, de reaparelhamento dos serviços de odontologia e de informática, de compra de autoclaves e de reformulação do laboratório de química.

No início da semana, veio a notícia de que, “devido à deficiência processual”, as contratações não vão acontecer.

Em nota, o gabinete da intervenção federal confirmou a suspensão de alguns processos. Segundo a assessoria de comunicação do órgão, até a última sexta-feira foram empenhados 38,8% (R$ 465,6 milhões) do dinheiro destinado à segurança. Entre as aquisições feitas para a polícia técnica estão dez scanners cadavéricos, 21 espectrômetros, cinco cromatógrafos, um comparador espectral, 50 maletas de papiloscopistas, um analisador de DNA e uma plataforma de análise de DNA. Um microcomparador balístico, cujo pregão está agendado para o dia 20, também entrou na lista.

Mas tudo pode piorar. Sem a reforma dos postos, a maioria não terá condições de receber os scanners para necropsia já comprados. O equipamento permitiria a agilização de autópsias e garantiria a descentralização de exames complementares, que hoje só podem ser realizados na sede por conta da falta de estrutura e de insumos.