RIO — Nenhum dos policiais militares acusados do homicídio e da remoção do cadáver de
Claudia Silva Ferreira
, arrastada por uma viatura da PM por 300 metros na Zona Norte do Rio, foi julgado nem punido pela corporação. Nesta segunda-feira (16), o crime completa
seis anos
. Dois dos PMs que integravam a patrulha se aposentaram depois do homicídio. Já os outros quatro agentes seguem trabalhando nas ruas da Região Metropolitana do Rio.
O processo judicial contra o grupo anda a passos lentos na 3ª Vara Criminal da capital. Somente em março do ano passado — cinco anos após o crime —, foi realizada a primeira audiência do caso, em que foram ouvidas testemunhas de defesa e acusação. A próxima audiência, em que serão ouvidos os réus, está marcada para o próximo dia 25.
Dois dos PMs, o capitão Rodrigo Medeiros Boaventura, que comandava a patrulha, e o sargento Zaqueu de Jesus Pereira Bueno, respondem pelo homicídio de Claudia. Após as audiências, o juiz Alexandre Abrahão Dias Teixeira vai decidir se a dupla vai à júri popular. Já os subtenentes reformados Adir Serrano e Rodney Archanjo, o sargento Alex Sandro da Silva e o cabo Gustavo Ribeiro Meirelles respondem pelo crime de fraude processual, por terem modificado a cena do crime, removendo Claudia, já morta, do Morro da Congonha. Todos respondem ao processo em liberdade.
Filha de Claudia Silva Ferreira, morta na comunidade Congonha, em Madureira,
Foto : Luiz Ackermann / Extra Foto: Luiz Ackermann/15/03/2014
Já a PM nunca puniu os agentes. Desde 2014, não foi aberto nenhum processo administrativo para avaliar se os policiais têm condição de permanecer na corporação. Ao GLOBO, a PM alega que "as medidas administrativas no âmbito da corporação estarão vinculadas ao resultado do julgamento".
No entanto, segundo o Regulamento Disciplinar da PM, os processos judiciais e administrativos correm separadamente. Há diversos casos de processos administrativos abertos sem uma sentença judicial: o sargento reformado Ronnie Lessa, por exemplo, acusado do homicídio da vereadora Marielle Franco, já passa por um Conselho de Disciplina, mesmo sem ter sido condenado.
No passado mês de abril,
nove militares do Exército deram 80 tiros no carro do músico Evaldo dos Santos Rosa, de 51 anos
, na Estrada do Camboatá, em Guadalupe, na Zona Norte do Rio. Ele morreu e seu sogro ficou ferido. Na ocasião, o Exército afirmou, por meio de nota, que os os dois abriram fogo contra a guarnição, “que revidou a injusta agressão”. Na ocasião, o delegado Leonardo Salgado, da Delegacia de Homicídios, disse que "tudo indica" que os militares do Exército atiraram ao confundirem o carro com o de assaltantes.
Carro foi alvo de 111 tiros em Costa Barros; cinco morreram
Cena de crime foi alterada no Morro da Providência
Foto: Reprodução
Em outubro de 2015, moradores do Morro da Proviência, no Centro do Rio, registraram o momento em que
cinco policiais militares alteraram a cena de um crime que haviam acabado de cometer
. Durante ação na comunidade, os PMs mataram Eduardo Felipe Santos Victor, de 17 anos. No vídeo, um dos policiais dispara para o alto e coloca a arma na mão do adolescente morto. Ele dá dois tiros para garantir as marcas de pólvora na pele. Feita a simulação, o policial larga a mão inerte do suspeito.
Carro de atendente de telemarketing foi alvo de nove disparos de fuzil
Foto: Revista Veja / Reprodução
A atendente de telemarketing Haíssa Vargas Motta morreu no dia 2 de agosto de 2014, em Nilópolis,
após o carro em que estava com outro três amigos ter sido alvo de nove disparos de fuzil
feitos pelo soldado Márcio José Watterlor Alves, que estava em um carro-patrulha com o cabo Delviro Anderson Moreira Ferreira. Um dos tiros a atingiu a jovem nas costas. Em depoimentos a investigadores do caso, os PMs disseram que foram atrás do veículo porque o confundiram com um semelhante, usado por um bando para praticar assaltos.
O desaparecimento de Amarildo Dias de Souza
Foto: Reprodução
O ajudante de pedreiro
Amarildo Dias de Souza, de 42 anos, desapareceu no dia 14 de julho de 2013
, quando foi levado para averiguação por PMs da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha, após uma operação na comunidade. Na época, a UPP era comandada pelo major Edson Raimundo dos Santos. No entanto, policiais militares afirmaram que ele foi liberado depois de ter passado pela unidade. As viaturas estavam com o GPS desligado, o que impossibilitou que a Polícia Civil verificasse a trajetória dos veículos.
Bala perdida mata jovem de 13 anos dentro do colégio, na Pavuna
Foto: Reprodução/Facebook
A jovem Maria Eduarda Alves da Conceição, de 13 anos,
morreu ao ser atingida por uma bala perdida durante a aula de educação física na Escola Municipal Daniel Piza
, na Avenida Professora Sá Lessa, na Pavuna. Um tiro, possivelmente de fuzil, atravessou o caminho da adolescente, durante um confronto entre policiais e traficantes. Um crime anunciado pelas estatísticas. De 2014 a 2015, a escola pública em que Maria Eduarda cursava o ensino fundamental fechou pelo menos 31 vezes vencida pela violência.
Condenados por executar jovem no Sumaré
Foto: Thiago Lontra/22-7-2014 / Agência O Globo
Em 2017, os ex-policiais militares Fábio Magalhães e Vinícius Lima foram condenados a 36 anos e quatro meses de prisão, cada um,
pela morte do adolescente Matheus Alves dos Santos, executado com um tiro de fuzil na cabeça, no Morro do Sumaré
, na Zona Norte do Rio, em junho de 2014. Os dois também foram condenados por ocultação de cadáver e tentativa de homicídio contra outro jovem, que escapou após se fingir de morto e escapar pela mata, depois de ter sido baleado duas vezes.
Chacina na Baixada Fluminense acabou com 29 mortos
Foto: Fernando Quevedo/1-4-2005 / Agência O Globo
Na noite de 31 de março de 2005,
29 pessoas foram assassinadas por policiais à paisana na Baixada Fluminense
. A chacina foi a maior da História do estado do Rio. Agentes armados percorreram o bairro da Posse e a Rua Gama, em Nova Iguaçu, em um Gol prata e abriram fogo contra inocentes que cruzaram o caminho. Depois, já na Rodovia Presidente Dutra, ainda no mesmo município, mataram mais duas pessoas. Ao todo, só em Nova Iguaçu, o grupo executou 17 vítimas.
Menino de 11 anos foi encontrado morto dez dias após sumiço
Chacina da Candelária: oito moradores de rua morreram, entre eles seis menores
Foto: Jorge William/27-7-1993 / Agência O Globo
Na madrugada de 23 de julho de 1993, dois carros pararam em frente à Igreja da Candelária, no Centro do Rio, e seus ocupantes
atiraram em direção a pessoas que dormiam sob uma marquise. Seis menores e dois adultos morreram
. Atingido por quatro tiros, o lavador de carros Wagner dos Santos sobreviveu e se tornou testemunha-chave do processo. O motivo do crime teria sido o apedrejamento de um carro da polícia por menores, no dia anterior. Ameaçado, Wagner mora hoje no exterior. O crime fiicou conhecido como a chacina da Candelária.
Chacina de Vigário Geral deixou 21 mortos também em 1993
Foto: Custódio Coimbra/30-8-1993 / Agência O Globo
Apenas um mês depois da chacina da Candelária, dezenas de homens armados e encapuzados entraram na favela de Vigário Geral, na Zona Norte do Rio, e
assassinaram 21 pessoas inocentes a sangue frio
. Era noite do dia 29 de agosto de 1993. Os criminosos eram policiais militares, que se espalharam pela comunidade atirando contra moradores motivados por vingança, após a morte de quatro PMs baleados por traficantes locais. A matança de moradores, que ficou conhecida como chacina de Vigário Geral, foi notícia no mundo inteiro e chegou a ser julgada na Organização dos Estados Americanos (OEA) como crime contra os direitos humanos.
Cinquenta e dois policiais foram denunciados pelo crime, mas apenas um continua preso
.
Os quatro PMs que seguem na ativa estão lotados em batalhões da Região Metropolitana e não tem qualquer restrição de atuação: podem patrulhar as ruas e até participar de operações. O comandante da patrulha foi promovido desde então: na época do crime, o capitão Rodrigo Boaventura era tenente. Hoje, ele trabalha no 41º BPM (Irajá). Dois dos PMs, o sargento Zaqueu Bueno e o cabo Gustavo Meirelles, trabalham no 7º BPM (São Gonçalo). O sargento Alex Sandro da Silva Alves trabalha no 9º BPM (Rocha Miranda), mesma unidade em que trabalhava na época do crime.
PMs presos pela morte de Claudia Foto: Marcelo Carnaval
O vídeo que mostra Claudia sendo arrastada pela viatura da PM por 350 metros da Estrada Intendente Magalhães foi revelado pelo EXTRA. As imagens mostram a mulher pendurado no para-choque do veículo apenas por um pedaço de roupa. Apesar de alertados por pedestres e motoristas, os PMs não pararam. Antes Claudia havia sido baleada no pescoço e nas costas em meio a uma operação do 9º BPM no Morro da Congonha, onde morava.
A família de Claudia, cansada de conviver com a lembrança da mulher baleada a poucos metros da porta de casa, deixou a favela. O viúvo, Alexandre da Silva, e os filhos da auxiliar de serviços gerais fizeram um acordo com o governo, receberam uma indenização e se mudaram para a Zona Oeste da cidade.