Rio

Último sebo a resistir na Praça Tiradentes, Livraria Marins se prepara para fechar as portas

Proprietário aponta o preço dos aluguéis, a concorrência com a internet e a violência na cidade como motivos para passar ponto

Atualmente, cerca de 30 pessoas passam ao longo do dia na Livraria Marins, que tem 60 mil livros
Foto: José Roberto Serra / Agência O Globo
Atualmente, cerca de 30 pessoas passam ao longo do dia na Livraria Marins, que tem 60 mil livros Foto: José Roberto Serra / Agência O Globo

RIO — Em meio a títulos como “A cada dia um novo começo", “Como vender seu peixe na internet" e “Os jovens e a leitura: uma nova perspectiva" — que parecem resumir sua atual fase —, a Livraria Marins, última a resistir na Praça Tiradentes, prepara-se para pôr um ponto final na própria história. Adelbino de Marins Espíndola, seu proprietário, já se mobiliza para passar o ponto. Hoje com 68 anos, o carioca aponta o preço dos aluguéis, a concorrência com a internet e a violência na cidade como alguns dos motivos pelos quais se diz cansado de manter o seu sebo aberto.

— Antes, aqui na praça, eram seis livrarias. Eu sou o único a continuar. O movimento está sempre caindo, e qualquer aumento no aluguel, para um livreiro, já significa muito. Estou conformado, pois, na minha idade, não teria muitas perspectivas nesse mercado. Mas fico triste por aqueles que estão começando — lamenta, referindo-se a seu funcionário, Leandro Cardoso, de 30 anos.

Assim que passarem o ponto — Marins prefere o método boca a boca —, os dois planejam se concentrar na venda dos cerca de 60 mil livros em estoque, 80% usados, pela internet. Para isso, é preciso também conseguir um espaço para depositar a mercadoria. Por ora, as vendas através da Estante Virtual correspondem à metade do faturamento da livraria, que ingressou no portal de vendas de livros novos e usados em 2006. Por dia, ele estima a venda de 10 a 12 livros pelo site.

Marins focará na internet Foto: José Robero Serra / Agência O Globo
Marins focará na internet Foto: José Robero Serra / Agência O Globo

Meio em que Marins pretende concentrar suas vendas, a internet tem registrado números em ascensão nos negócios com livros. Apenas na Estante Virtual, que reúne cerca de 1.350 sebos e livrarias, as vendas foram aproximadamente 25% maiores em todos os meses de 2015, comparados a 2014. Mais de mil livreiros estão na fila de espera para comercializar obras na página, diz o fundador André Garcia.

— Há casos de sebos que abriram em locais onde não há demanda que justifique a existência física depois de comercializar livros virtualmente, na Estante. Para mim, o fechamento de livrarias no Rio é um retrato da situação absurda que são os aluguéis na cidade. Não vejo uma migração das compras para a internet, acho que as vendas virtuais e físicas são complementares. Pelo site, é possível encontrar um livro que a pessoa queria de antemão. Já o sebo físico é um local para garimpar. Lá, o livro acha a pessoa — opina Garcia.

UM RELACIONAMENTO EM EXTINÇÃO

Apesar de se mostrar conformado com a situação, Marins admite que sentirá falta do contato com os clientes. Afinal, lá se vão 50 anos no meio — ele começou aos 18, fazendo pequenos serviços na tradicional Livraria São José, até assumir a filial na Tiradentes que, sem sucesso financeiro, se tornou sua propriedade e se transformou em Livraria Marins, há cerca de 10 anos.

— Hoje recebemos, em média, 30 pessoas por dia. É muito pouco. A presença dos clientes é fundamental para o livreiro, pois eles trazem demandas e informações que contribuem para constituir nosso acervo. Eu, por exemplo, aposto em ter sempre uma boa seleção de clássicos, até pela proximidade com o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) — explica Marins, que em sua trajetória tomou gosto pela leitura de biografias e livros de autoajuda.

‘TEMPO DE IGNORÂNCIA DA LEITURA’

O escritor americano Benjamin Moser também descreve os sebos como lugar de encontros. Na época em que chegou ao Rio, em meados da década de 1990, ele cultivava o hábito de descer Santa Teresa de bonde e andar até a Praça Tiradentes, onde conheceu autores brasileiros.

— Era uma caminhada muito agradável. Eu não conhecia nada de literatura brasileira, e dependia dos livros para explorar os grandes nomes. Naquela área, descobri uma vocação de transmitir essa literatura para fora do Brasil — conta o autor de “Clarice, uma biografia" (Editora Cosac Naify). — Todos dizem que vão para a internet, mas, com isso, fica perdida aquela situação espontânea de você entrar numa loja enquanto está esperando o ônibus e descobrir coisas novas. Lamento o fechamento dos sebos da Praça Tiradentes. É um empobrecimento da região e da vida intelectual da cidade.

O arquiteto e pesquisador Nireu Cavalcanti diz que a proliferação de sebos na região teve início em 1980, possivelmente impulsionada pela proximidade com teatros e com o IFCS, no Largo de São Francisco.

— Foi natural que, em volta de boêmios e intelectuais, surgisse um comércio desse tipo. Lamento hoje assistirmos ao fechamento dessas livrarias. É sinal de que estamos entrando em tempo de ignorância da leitura. O Rio está virando uma cidade de coisas superficiais. O que caracteriza hoje a Praça Tiradentes? Nada — queixa-se Cavalcanti.