Rio

'Vou olhar nos olhos dele e falar: você foi racista', diz a viúva de Durval Teófilo, morto pelo vizinho, em São Gonçalo

Pela primeira vez, mulher da vítima e o acusado, um sargento da Marinha, estão frente a frente, em audiência no 4ºTribunal do Júri da cidade gonçalense
Durval Teófilo Filho foi morto pelo vizinho quando chegava em casa, em São Gonçalo Foto: Foto: Reprodução / Agência O Globo
Durval Teófilo Filho foi morto pelo vizinho quando chegava em casa, em São Gonçalo Foto: Foto: Reprodução / Agência O Globo

RIO — Pela primeira vez, a viúva de Durval Teófilo Filho, Luziane Ferreira Teófilo, vai estar frente a frente com o vizinho, o sargento da Marinha Aurélio Bezerra, acusado de matar o marido dela, na porta do condomínio onde moravam, no bairro Colubandê, em São Gonçalo, em fevereiro deste ano. Os dois estão na audiência de instrução e julgamento no 4º Tribunal do Júri de São Gonçalo, na tarde desta segunda-feira. Embora Aurélio, que é réu na ação penal, tenha dito à polícia que confundiu o vizinho com um bandido, Luziane não tem dúvidas de que o militar matou seu marido por ser racista:

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— Vou olhar nos olhos dele e falar: você foi racista. Tenho certeza disso. Outros vizinhos já me contaram que Aurélio e meu marido já estiveram em áreas comuns, ao mesmo tempo, como piscina e churrasqueira do condomínio. Só que, ao contrário dele, Durval era alegre, brincalhão, falava com todo mundo. Aurélio era fechado. Então, não tem essa desculpa de legítima defesa. Ele matou o meu marido porque ele era preto. Ele não confundiu o Durval com bandido, pois ele já o conhecia — garante Luziane, minutos antes do início da audiência desta segunda-feira.

A vítima e o autor do disparo eram vizinhos de condomínio, e o militar disse ter efetuado o disparo ao confundir Durval com um ladrão, quando chegava em casa de uma viagem.
A vítima e o autor do disparo eram vizinhos de condomínio, e o militar disse ter efetuado o disparo ao confundir Durval com um ladrão, quando chegava em casa de uma viagem.

Segundo Luziane, desde o dia do crime, em 2 de fevereiro deste ano, ela não conseguiu voltar a morar no condomínio com a filha do casal, de 6 anos. Ao se informar com vizinhos onde o sargento da Marinha morava, ela descobriu que do imóvel do acusado era possível ver o apartamento dela, o que a fez ficar com receio de retornar para casa.

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— Do apartamento dele (Aurélio) é possível ter visão privilegiada de onde moro. Não tenho condições de voltar. Estou na casa de parentes. Aos poucos, explico para a minha filha o que aconteceu com o pai dela. Era o Durval que a colocava para dormir, lia historinhas para ela. A impressão dela é que ele foi viajar, mas volta. Ela está na psicóloga para tentar entender que ele não volta mais — explica Luziane, que só voltou a trabalhar na semana passada.

Durante a audiência, antes de Aurélio, serão ouvidas as testemunhas de acusação e de defesa. A viúva de Durval entrou no caso como assistente de acusação. Indignada, ela disse que lutará por Justiça, sendo a voz de Durval.

— Eu sou a voz do Durval. O racismo não pode continuar impune. Toda a minha força será para trazer Justiça e cuidar da nossa filha. Não tem como não ficar revoltada com a morte do Durval. Desde os 18 anos, quando começamos a namorar, já sabíamos que nunca iríamos nos separar. Ele (Aurélio) calou o homem da minha vida, mas não vai me calar — diz Luziane.

O Globo procurou a defesa de Aurélio, mas, até o momento, não houve retorno. O advogado anterior desistiu de defendê-lo.

A juíza do 4º Tribunal do Júri de São Gonçalo, Juliana Grilo El-Jaick intimou vizinhos e amigos da vítima e do acusado.