Se internar-se em hospital já é ruim, quando a comida é intragável a experiência se torna dantesca. A paciente era minha mãe, mas juntas fizemos o check-in na nossa suíte com vista para um paredão de concreto, no Einstein do Morumbi, em São Paulo, e recebemos nossa primeira refeição servida em bandeja. Era difícil eu enxergar a comida detrás de tantas embalagens plásticas: pãezinhos brancos e jogos de talheres (plásticos) em saquinhos, azeite e vinagre em sachê, suco de caixinha, copos molengas daqueles de bebedouro de escritório.
Tão intragável era minha sopa de mandioquinha — entupida de alho, consistência de papinha infantil! — que não consegui engolir a primeira colherada. O consommé de minha mãe? Carregado no sal e acompanhado do que viriam a ser os primeiros de uma série sem fim de sucos de caixinha. Quando chegou meu jantar — uma kafta dura como sola de sapato com miniporções de molho de hortelã e coalhada seca em potinhos plásticos —, dei um basta e desci para jantar no Arábia próximo à sinagoga do hospital.
Recuperei-me dos desgostos do dia graças aos ótimos babaganouch com pão sírio torrado, coalhada com azeite e zaatar e salada fatouch. Terminei com um deliciosamente cremoso brownie de pistache e um litro de água de coco fresca. Revigorada, fui passear pelos labirínticos corredores. Vi um tapume anunciando a abertura, em breve, de uma filial do bistrô Ça-Va, do chef televisivo Erick Jacquin. Acabei descobrindo um shopping subterrâneo só para funcionários que tinha até supermercado — onde me forni de víveres.
Fui incapaz de engolir o café da manhã, exceto a metade de mamão. Pãozinho seco, café solúvel em copo plástico. Uma enfermeira caridosa me trouxe um café da copa dos funcionários. Alívio! Joguei a toalha: pedi à família que alguém me substituísse e fugi do Einstein — onde já tive o desprazer de dormir dez noites — querendo nunca mais voltar. Comida boa cura. Comida ruim, processada e embalada em plástico faz mal não só à saúde como também à alma.