Nos idos de 1858, em cenário de altíssima turbulência política, o Papa Pio IX decide que Edgardo Mortara, de família judaica, supostamente batizado pela empregada, “merece” devotar sua vida à Igreja. Com sua suma autoridade, o Pontífice ordena o sequestro do menino de 6 anos, fraturando sua identidade com a separação de pais e irmãos, costumes, substituição do hebraico pelo latim. Com a nova fé, il bambino conseguiria converter toda a família. Assim, iriam juntos para o Reino do Senhor. Esta é a súmula de “O sequestro do Papa”, indução ao erro do título original “Rapito” (“Rapto”). Sem spoiler: o Papa não é o sequestrado.
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Em temporada marcada pela presença de veteranos (Wim Wenders, Nanni Moretti, Aki Kaurismaki, Liliana Cavani e Denys Arcand, entre outros), o enfant-terrible do cinema italiano, Marco Bellocchio, 84 anos, volta a atacar, com punhos cerrados, o campo minado de fontes de opressão — seja política, religiosa, familiar. Contestador e inconformista desde sempre (foi maoista de carteirinha), o diretor continua a cultuar o ponto de vista dos bastidores (como em “Vincere” (sobre Mussolini), “O traidor” (sobre a máfia), “Bom dia, noite” (sobre Aldo Moro), entre dezenas de títulos.
Escândalo de repercussão internacional por volta de 1870, o Caso Mortara, como ficou conhecido, chega às telas com rigor irrepreensível, não só na reconstituição de época, como na austera representação da autoridade inabalável de Pio IX (Paolo Pierobon), beatificado no ano 2000 por João Paulo II. No elenco vigoroso, destaca-se o assombroso astro mirim Enea Sala. Conta-se que Spielberg tinha o mesmo projeto, mas desistiu por não encontrar um ator à altura. Pudera. Ele estava na Itália.
Bonequinho aplaude de pé.