Cinema
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Por — Rio de Janeiro

“A realidade às vezes supera a ficção com muita facilidade”, afirma o cineasta Cleisson Vidal. Foi assim com a trajetória de PC Farias, “o homem que abalou a República”, foi assim com os rapazes do Clube da Esquina, que se conheceram por acaso pelas ruas de Belo Horizonte e produziram, juntos, músicas cultuadas mundo afora. A partir desta quinta-feira (28), essas histórias reais podem ser vistas, nos cinemas, em “Morcego negro”, de Vidal e Chaim Litewski, e “Nada será como antes — A música do Clube da Esquina”, de Ana Rieper. Além deles, também estreiam “Jango no exílio”, de Pedro Isaías Lucas, e “Ascensão e queda — John Galliano”, de Kevin Macdonald, que acompanha o percurso do controverso estilista britânico, da faculdade em Londres ao comando da Dior.

À nova safra de documentários, se junta, a partir de quarta-feira, a 29ª edição do festival internacional gratuito “É Tudo Verdade”, que exibe 77 filmes de 34 países, no Rio e em São Paulo, incluindo “Luiz Melodia — no coração do Brasil”, de Alessandra Dorgan, e “Verissimo”, de Angelo Defanti.

— O documentário contemporâneo pode ser tão sedutor quanto o cinema de ficção, senão mais — defende Amir Labaki, diretor-fundador do festival, que vê o público se diversificando e aumentando, ano após ano. — Quando começamos, lá em 1996, exibindo apenas 28 filmes, existia um estigma de o documentário ser didático e menos interessante. Hoje, isso está esquecido.

Sonhos não envelhecem

O documentário "Nada será como antes — A música do Clube da Esquina" tem depoimentos dos artistas e imagens de arquivo — Foto: Divulgação/Juvenal Pereira
O documentário "Nada será como antes — A música do Clube da Esquina" tem depoimentos dos artistas e imagens de arquivo — Foto: Divulgação/Juvenal Pereira

O filme sobre a trupe de músicos mineiros (integrante da Sessão Vitrine Petrobras) nasceu de uma conversa entre dois amigos — Ana e José Roberto Borges, filho de Márcio Borges e sobrinho de Lô Borges —, para falar de música, é claro, mas, principalmente, de amizade.

— Claro que o Milton (Nascimento) e o Lô (Borges) são figuras centrais, mas quis trazer a perspectiva de que se trata de um movimento coletivo, que só existe por causa de todos aqueles artistas geniais — afirma Ana.

Para a diretora, o movimento criado há mais de 50 anos continua fazendo sucesso pois é atemporal:

— O Marcinho (Borges) fala: “Não queríamos mudar a música, queríamos mudar o mundo”. E acredito que eles conseguiram. É uma arte refinada e pop, que toca em aspectos humanos da existência. Isso não sai de moda.

Em certo momento no filme, Ana e a equipe fazem coro em “Para Lennon e McCartney” (“Eu sou da América do Sul, eu sei vocês não vão saber...”).

— É absurdo pensar que a equipe cante junto com os artistas, porque estávamos ali para ouvi-los. Mas fomos contagiados por aquela música irresistível, e acho que esse prazer transpareceu (no filme). Ao contrário de atrapalhar, ajudou a cena a ganhar potência.

Relações de poder

PC Farias — Foto: Divulgação
PC Farias — Foto: Divulgação

Assim como a música, outro tema muito recorrente em documentários é a política — só esta semana, entram dois em cartaz. Às vésperas dos 60 anos do golpe militar, “Jango no exílio” faz um retrato dos 12 anos em que o ex-presidente João Goulart (1919—1976) viveu no Paraguai e na Argentina, onde morreu, durante a ditadura. Já “Morcego Negro” se debruça sobre a história do empresário PC Farias, tesoureiro e chefe de campanha do ex-presidente Fernando Collor, que foi assassinado em 1996.

Em um trabalho investigativo, Vidal e Litewski ouviram cerca de cem pessoas e foram atrás de documentos na Itália, nos Estados Unidos e na Suíça, em um processo de dez anos de pesquisa que resultou em uma série de novidades sobre casos envolvendo PC.

— Hoje em dia, com uma abundância de imagens, é muito fácil fazer um documentário. Mas não basta juntar imagens de arquivo e falar que temos um filme. Tem que trazer algo novo, ir fundo, além do horizonte — defende Litewski.

Entre as descobertas, estão, por exemplo, detalhes da fuga do Brasil, em 1993, depois de ser acusado de ter montado uma rede de tráfico de influências e cometido corrupção no governo Collor.

— PC Farias tinha uma imagem muito estereotipada e jocosa no imaginário das pessoas. Buscamos, então, reconstruir esse sujeito em tons de cinza para tentar entender a sua complexidade, que está ligada à do jogo de poder do país — diz Vidal. — Muitos jovens, depois de verem o filme, falam: “E a gente achando que estava vivendo absurdos nos últimos anos...” (risos). Não que agora seja “bolinho”, mas a História do Brasil é cheia de temperos.

É a realidade que dá um — ou muitos — filme(s).

Programe-se

De quarta-feira e até o dia 14, o festival “É tudo verdade” ocupa salas do Estação Net Botafogo e do Estação Net Rio com sessões gratuitas. Ao todo, entre filmes nacionais e internacionais, curtas e longas, serão exibidos 77 títulos. A seguir, alguns que merecem destaque. A programação completa está no Instagram do festival (@etudoverdadeoficial).

  • “Um filme para Beatrice”. Principal nome feminino do Cinema Novo, a cineasta Helen Solberg tenta responder à seguinte pergunta, feita por uma jornalista italiana: “como vão as mulheres no Brasil?”. Dias 4 e 11.
  • “Fernanda Young — Foge-me ao controle”. Dirigido por Susanna Lira, é um ensaio sobre a vida da escritora e roteirista (1970-2019), conhecida pela fama de provocadora. Dias 11 e 12.

Cena de "Fernanda Young — Foge-me ao controle", documentário que será exibido no festival "É tudo verdade" — Foto: Divulgação
Cena de "Fernanda Young — Foge-me ao controle", documentário que será exibido no festival "É tudo verdade" — Foto: Divulgação

  • “Verissimo”. Os dias que antecedem o aniversário de 80 anos do escritor e cartunista Luis Fernando Verissimo, atualmente com 87 anos, são tema do doc de Angelo Defanti. Dias 9 e 10.
  • “Brizola”. No filme de Marco Abujamra, acompanhamos a vida e a influência política de Leonel Brizola (1922—2004), fundador do PDT e ex-governador do Rio. Dias 7 e 9.
  • “Diamantes”. De Daniela Thomas, Sandra Corveloni e Beto Amaral, o documentário traz três mulheres de São João da Chapada, distrito de Diamantina (MG), falando de si mesmas e da região. Dias 10 e 11.
  • “O competidor”. O longa da britânica Clair Titley, registra a história de Tomoaki Hamatsu, um homem que viveu por 15 meses preso num pequeno quarto, nu, faminto e sozinho, em 1998, sem saber que sua vida estava sendo transmitida para milhões de telespectadores em um reality show. Dias 5 e 12.

Cena de "O competidor", de Clair Titley — Foto: Divulgação
Cena de "O competidor", de Clair Titley — Foto: Divulgação

  • Mulheres em foco. Entre os filmes internacionais, a temática feminina aparece sob diferentes perspectivas. Como em “Copa de 71”, dos britânicos Rachel Ramsay e James Erskine, que resgata a história de uma Copa do Mundo Feminina não oficial, realizada no México(dias 4 e 5), e em “Diários da caixa- preta”, da japonesa Shiori Ito, em que ela retrata sua luta para processar o homem que a estuprou (dias 12 e 13).
  • Mark Cousins. Homenageado com uma retrospectiva, o documentarista e ensaísta britânico, conhecido pela série “A história do cinema: uma odisseia”, vem pela primeira vez ao país para participar de debate após a a sessão de “O cinema tem sido o meu amor: o trabalho e a vida de Lynda Myles”. Dia 11.

Mark Cousins em cena do seu documentário "A História do olhar" — Foto: Divulgação
Mark Cousins em cena do seu documentário "A História do olhar" — Foto: Divulgação
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