Cinema
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Por — Rio de Janeiro

Há uma cena que sintetiza a proposta de "Orlando, minha biografia política", esse filme singular assinado pelo filósofo e escritor trans Paul B. Preciado: aquela em que “Orlando”, livro de Virginia Woolf, é levado para a sala de cirurgia. Lá recortam com bisturi palavras e fotos, substituindo-as por outras. Preciado faz exatamente uma operação desse livro ao articular a jornada do/a personagem-título no contexto em que foi concebido/a pela escritora com a abordagem da sexualidade nos dias de hoje. Para tanto, não se debruça sobre o livro de Woolf de maneira submissa. Ao contrário, estabelece um diálogo livre, norteado por aproximações e distanciamentos em relação à obra.

A mudança de sexo na trajetória de Orlando não surge desvinculada da subjetividade (“ser trans não é acordar num corpo de mulher”). Diante dessa percepção, Preciado reúne na tela pessoas trans e não binárias — “os milhares de Orlandos no mundo contemporâneo”. A passagem dos anos trouxe avanços inegáveis. Enquanto Woolf viveu numa época marcada pela repressão sexual, Preciado, nascido quase nove décadas depois, concretizou a transição de gênero.

O diretor sugere uma conjugação entre dois movimentos de abertura: o do corpo — não mais submetido a categorizações pré-fixadas — e o da obra (literária, no caso), dissecada a partir de uma perspectiva atual. Trechos do livro são, inclusive, lidos ao longo da projeção, iniciativa que conecta cinema e literatura, proporcionando ao espectador a experiência da escuta. É pouco provável que alguém saia indiferente da sessão.

Bonequinho aplaude.

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