Quem tiver a impressão, ao ver os dez minutos iniciais de “Culpa e desejo”, de que já conhece essa história, talvez guarde na memória o impacto do dinamarquês “Rainha de copas” (2017). O primeiro é a refilmagem francesa do segundo. A diretora e roteirista Catherine Breillat (“Romance”) optou por manter as coordenadas da trama original, escrita pela diretora May el-Toukhy e pela roteirista Maren Louise Käehne.
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Mudou, no entanto, a maneira de olhar para o que acontece, à luz da tradição do cinema francês e da predileção de Breillat — que não dirigia desde “Uma relação delicada” (2013) — pelos temas do título brasileiro (no original, o filme se chama “L'été dernier”, o verão passado). O desejo cria um pântano no qual passa a se mover Anne (Léa Drucker), advogada especializada em proteção de adolescentes. Ela é casada com Pierre (Olivier Rabourdin), executivo de grande empresa, e tem duas filhas adotivas. Vida abastada, tranquila, em bela casa de subúrbio.
A dinâmica familiar sofre turbulências quando Pierre decide levar para casa seu filho do primeiro casamento (Samuel Kircher). Por alguns momentos, parece o território de “Precisamos falar sobre o Kevin” (2011) — comportamento juvenil explosivo em loja de cristais da classe média alta. Mas precisaremos falar muito mais sobre Anne: o que faz, o que diz que não faz, e se, no fundo, sente mesmo culpa. A certa altura, ela afirma odiar “normopatas”, pessoas obcecadas pelo que seria o “normal”. Mas não é só ela quem pagará por ser desviante.