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Rio Show

Crítica: 'Billdog 2'

Continuação da saga teatral sobre um matador de aluguel, espetáculo encenado por Gustavo Rodrigues peca pela ingenuidade
Gustavo Rodrigues e Tauã de Lorena, em cena da peça 'Billdog 2' Foto: Guarim de Lorena / Divulgação
Gustavo Rodrigues e Tauã de Lorena, em cena da peça 'Billdog 2' Foto: Guarim de Lorena / Divulgação

Em “O irlandês”, último filme de Martin Scorsese, Robert De Niro interpreta um soldado da máfia ítalo-americana cuja principal função é cobrar dívidas e executar os rivais de seus patrões. O fato de o filme retratar a vida desse matador de aluguel ao longo de mais de quarenta anos lhe dá uma densidade psicológica rara nesse tipo de obra. Indo além dos clichês dos “filmes de máfia” e do excesso de testosterona dos “filmes de ação”, Scorsese constrói um épico existencialista sobre o embrutecimento causado pelas guerras. Os assassinatos ilegais cometidos pela personagem de De Niro a serviço da máfia são uma extensão das execuções sumárias que o Estado o estimulou a realizar durante a Segunda Guerra Mundial.

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Nesse ponto, a trajetória ficcional de De Niro não é muito diferente da trajetória real do capitão Adriano da Nóbrega . Como a personagem do célebre ator, também ele começou como soldado da Polícia Militar, tendo realizado inúmeras execuções sumárias “em serviço”, ou seja, em nome do Estado; passou a trabalhar como matador de aluguel para diversos braços das máfias locais; e, finalmente, fundou sua própria milícia. Não deixa de haver certa ironia trágica no fato de ele acabar tendo sido executado pelo mesmo Bope onde aperfeiçoou suas técnicas homicidas e sua ética fascista que prega a limpeza social.

Num contexto em que as ligações perigosas entre um temido assassino e a família do atual presidente da República foram convertidas em uma novela de causar inveja ao roteirista do filme de Scorsese, “Billdog 2” a continuação da saga teatral de um matador de aluguel — aparece sob nova luz. A cena se constrói como uma brincadeira heteronormativa de meninos grandes, fãs de blues e rock. A despeito dos litros de suor derramados pelo protagonista Gustavo Rodrigues ao interpretar mais de 40 personagens ao longo da peça, nenhuma das personagens têm motivações minimamente críveis. Menos que personagens, são em verdade tipos embebidos em uma longa história de clichês extraídos de romances policiais “hard-boiled”, filmes noir e, no que diz respeito à bem humorada trilha sonora executada ao vivo por Tauã de Lorena , histórias em quadrinhos.

A costura precária dos episódios e o tom da atuação (dirigida pelo protagonista em parceria com o autor Joe Bone e sob a supervisão de Guilherme Leme Garcia ) nos remetem ao universo das comédias em pé. Nele, importam muito mais os efeitos espalhafatosos e o uso cômico de referências culturais familiares do que qualquer verdade cênica ou social.

Gustavo Rodrigues em cena da peça 'Billdog 2' Foto: Guarim de Lorena / Divulgação
Gustavo Rodrigues em cena da peça 'Billdog 2' Foto: Guarim de Lorena / Divulgação

Um espetáculo apoiado exclusivamente na paródia de clichês da cultura pop certamente não tem como interessar quem busca no teatro novas facetas do humano ou uma visão adulta da vida em sociedade. Em um momento histórico no qual o riso cínico diante dos próprios absurdos se tornou o álibi preferido dos donos do poder, “Billdog 2” talvez até pretenda ser puro entretenimento, mas acaba defendendo posições estéticas e políticas ingênuas e reacionárias.

Centro Cultural Banco do Brasil (Teatro III): Rua Primeiro de Março 66, Centro — 3808-2020. Qua a dom, às 19h30. R$ 30. 65 minutos. Não recomendado para menores de 18 anos. Até 1º de março.