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Crítica: 'Nerium Park'

Para crítico, peça tem diálogos pueris, questões formuladas de modo pouco convincente e reviravoltas previsíveis
SC Rodrigo Portella dirige 'Nerium Park', de Josep Maria Miró, com Pri Helena e Rafael Baronesi
SC Rodrigo Portella dirige 'Nerium Park', de Josep Maria Miró, com Pri Helena e Rafael Baronesi

Todas as peças de teatro continuam, de forma mais ou menos consciente, histórias começadas em outras peças, livros, filmes ou notícias de jornal. “Não há nada de novo sobre a terra”, dizia o rei Salomão no livro do Eclesiastes. “Se isso já era verdade no tempo do Velho Testamento, imagina hoje em dia”, escreveu Machado de Assis ainda antes da internet. Descobrir esses parentescos imprevistos entre histórias distantes no tempo e no espaço é uma das alegrias da crítica. E da vida. Uma alegria sem dúvida amplificada quando o parentesco apontado faz sentido para outras pessoas.

Assistindo a “Nerium Park” , peça com texto do catalão Josep Maria Miró e direção de Rodrigo Portella, também diretor de “Tom na fazenda”, espetáculo carioca mais premiado de 2017, o espectador é colocado na posição do fotógrafo vivido por James Stewart em “Janela indiscreta”. O filme de Hitchcock pode ser lido como uma alegoria sobre o ato mesmo de se assistir a um filme, ou a uma peça teatral. O fotógrafo, preso a uma cadeira de rodas por conta de uma perna quebrada, passa os seus dias espiando sorrateiramente os vizinhos. Sua imobilidade, e seu gozo como espião das vidas alheias, reflete o gozo de qualquer pessoa que vê sem ser vista, como um espectador na sala escura. No cenário construído para o filme, Stewart tem diante de si cinco janelas semelhantes a telas de cinema. O fato de estar diante de um dilema pessoal — Grace Kelly, “perfeita demais”, quer se casar com ele, um solteirão convicto — faz com que ele veja as histórias de seus vizinhos como possíveis respostas a uma única questão: o que acontece quando as pessoas se casam?

Malu e Miguel (Pri Helena e Rafael Baronesi) poderiam ser mais um casal de vizinhos espionados por Stewart. Eles acabam de realizar o sonho da casa própria em Nerium Park, um condomínio fechado cujo nome evoca a espirradeira, uma planta ornamental e tóxica chamada cientificamente de Nerium Oleander. Por isso, o novo apartamento do casal, único cenário da peça, é decorado apenas com plantas dispostas em grandes vasos.

Se, a exemplo do que ocorre no filme de Hitchcock, não pudéssemos ouvir as vozes de Malu e Miguel, mas apenas ver os seus corpos em ação, a progressão dramática do espetáculo teria um parentesco com a performance e talvez com a dança-teatro de Pina Bausch. A derrocada de um casamento seria materializada unicamente pela multiplicação inexplicável das plantas tóxicas em cena e pelas tentativas fracassadas dos personagens de se esquivarem ao envenenamento de sua relação.

O problema é que, em “Nerium Park”, a despeito da tentativa da direção de superar cenograficamente o esquematismo da dramaturgia, ouvimos o tempo inteiro as explicações dos protagonistas. Sublinhando didaticamente a mensagem da peça e assim reduzindo a potência expressiva da misteriosa proliferação das plantas em cena, seus diálogos soam pueris, as questões de cunho ético e sociológico que levantam não são formuladas de modo convincente e as reviravoltas do enredo acabam sendo previsíveis.

SERVIÇO:

Onde: Teatro Glaucio Gill — Praça Cardeal Arco-Verde, s/nº (2332-7904). Quando: De sex. a seg., às 20h. Até 10/9. Quanto: R$ 50. Classificação: 16 anos.