O poeta chileno Pablo Neruda morreu às 21h45 de 22 de setembro de 1973, 11 dias depois de o general Augusto Pinochet tomar o poder do país, até então comandado pelo presidente Salvador Allende, de quem o escritor era próximo. Quem mandou essa informação para o Brasil foi o fotojornalista Evandro Teixeira, que estava no Chile para cobrir os dias seguintes ao golpe. Da morte de Neruda, na clínica com sua mulher, passando pelo velório em sua casa com poucos amigos (momentos em que Evandro era o único fotógrafo), até o seu sepultamento, com milhares de pessoas que entoavam músicas e trechos de poemas, o que se evidencia através das imagens do brasileiro é uma faísca revolucionária acesa pelo próprio poeta, cuja morte despertou o primeiro de uma série de protestos contrários à repressão militar.
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Essa sequência de registros — talvez a mais importante da carreira de Evandro, segundo o próprio — ocupa a última das três salas da mostra “Evandro Teixeira, Chile, 1973”, aberta nesta quarta-feira (30) no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).
— Entrei na clínica com a câmera escondida. Foi uma sorte. Se chegasse um minuto depois, não conseguiria aquelas fotos — conta o fotógrafo, acrescentando que, logo em seguida, o corpo do poeta foi retirado da sala.
'Evandro Teixeira, Chile, 1973'
Evandro se apresentou à viúva, que pediu que ele a acompanhasse e disse que a sua presença ali era “muito importante”.
— O exército nos acompanhou (ao longo do cortejo fúnebre), mas não fomos atacados. As pessoas gritavam por Neruda, foi uma comoção. Estar ali naquele momento foi uma emoção da porra — relembra Evandro, novamente emocionado.
A exposição, que passou por uma temporada no Instituto Moreira Salles paulista, onde recebeu mais de dez mil pessoas, é um recorte dos menos de dez dias que o fotógrafo ficou em solo chileno, mas simboliza todo o período marcado pela brutalidade e violência no país. Na época, Evandro trabalhava no Jornal do Brasil, onde atuou por 47 anos das quase seis décadas em que esteve na ativa na imprensa carioca.
Nenhuma das fotos que registraram a morte e o velório de Neruda foi publicada no periódico. A única desses dias no Chile que conseguiu driblar a censura brasileira (afinal, em 1973 o país também vivia sob uma ditadura) foi a dos presos no subsolo do Estádio Nacional, em visita organizada pelos próprios militares. O tiro saiu pela culatra, e a visitação, que tinha o intuito de mostrar ao mundo como o governo “cuidava bem” dos estudantes detidos, acabou — através de registros não autorizados de Evandro — desvelando o contrário.
— Naquele momento, acabaram as mentiras deles — conta.
Para o curador Sergio Burgi, o olhar humanista do fotógrafo se reflete nas 190 imagens expostas:
— O tema do Evandro são as pessoas e a sua condição de existência. Ele tem um profundo compromisso com os eventos e em construir uma representação visual significativa para eles.
Brasil
A mostra também tem registros da ditadura brasileira feitos por Evandro, cujo olhar, segundo Burgi, “evoca liberdade” e, em alguns casos, com uma ironia que “desconstrói ideais de poder”. Caso de uma foto feita em 1966, na comemoração dos militares pelo centenário da Batalha de Tuiuti. A lente flagrou duas libélulas nas pontas afiadas de baionetas — e a imagem foi para a capa do Jornal do Brasil com a legenda: “O exército mostra armas de ontem e de hoje”.
— Ele cutucava o poder dos generais com vara curta— conta Burgi.
O curador cita outras imagens emblemáticas do período, como a Passeata dos Cem Mil e a missa do estudante Edson Luís, em 1968, e outra feita na madrugada seguinte ao golpe, no Forte de Copacabana: uma foto noturna que, para Burgi, aponta para os anos seguintes do país.
— Tínhamos que fazer coisas para revelar a brutalidade daquele momento. Foi uma loucura, mas acho que consegui — conclui Evandro.
Programe-se
Onde: CCBB. Quando: Qua a seg, das 9h às 20h. Até 13 de novembro. Classificação: 14 anos. Quanto: Grátis.