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Marília preparava superturnê com Maiara e Maraisa: 'Não precisamos mais de nicho (feminejo). Estamos de igual para igual com os homens'

Em entrevista em julho, cantora rejeitou rótulo e disse que, em vez de universitário, agora fazem ‘sertanejo pós-graduado’
Maiara, Marília Mendonça (ao centro) e Maraísa: cantoras sertanejas formam o trio Patroas Foto: Divulgação
Maiara, Marília Mendonça (ao centro) e Maraísa: cantoras sertanejas formam o trio Patroas Foto: Divulgação

Marília Mendonça e as irmãs Maiara e Maraisa dão risada ao lembrar que se conheceram num spa de emagrecimento. Na ocasião, há cerca de oito anos, as cantoras trocaram reclamações sobre uma feijoada light e dividiram chocolates que levavam escondidos nas bolsas. A pequena dose de açúcar foi ingrediente indispensável, brinca Marília , para fermentar um “processo criativo” entre elas.

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Desde que compuseram, durante o tal encontro no spa, a primeira letra a seis mãos (“No dia do seu casamento”), elas não se desgrudaram. As artistas, que vivem em Goiânia, se comparam às personagens Lindinha, Docinho e Florzinha, do desenho animado “Meninas superpoderosas”, para mostrar que mulheres de temperamentos opostos podem não só “pensar melhor juntas”, como frisa Maiara, mas também transformar uma amizade em fonte de renda promissora que atende pelo nome de as Patroas.

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Em julho deste ano, o trio fez uma live com transmissão pelo YouTube . A apresentação misturou sucessos antigos e nove músicas inéditas, que serão a base da turnê planejada para 2022.

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— Aqui ninguém é boba. Não deixaríamos de lado projetos individuais se não víssemos uma grandiosidade financeira (na parceria) . As três juntas são muito maiores do que cada uma no seu quadrado. E a amizade é natural. Às vezes temos que nos aguentar, mas não forçamos para ser sociáveis — graceja Marília, que tem 26 anos, mais de 35 milhões de seguidores só no Instagram e em 2020 comandou a live mais vista no mundo , com 3,3 milhões de acessos. — Ainda estou aprendendo o que significam esses números. Mas, ao mesmo tempo, é bom não ter a dimensão exata, para não parar de sonhar.

Fenômeno popular

Maiara, gêmea de Maraisa , de 33 anos, interrompe Marília para dizer que “não é qualquer bosta” sentar ao lado da colega, fenômeno popular conhecido como Rainha da Sofrência. Desde que ficaram amigas, entre os compromissos individuais de cada uma, elas queimaram mais alguns quilos; celebraram o nascimento de Léo, de 1 ano, filho de Marília e Murilo Huff; tornaram-se sócias de uma marca de cerveja; viram crescer o engajamento em suas redes sociais; e lançaram, em 2020, o disco “Patroas”, com 19 faixas.

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Mas só agora, cinco anos depois de explodirem , separadamente, na indústria fonográfica, elas dizem que se sentem, enfim, maduras. Apesar de arrebanharem plateias gigantescas de Norte a Sul do país, sabem que são vistas (e ouvidas) com desdém por muita gente. Mas isso já não é uma dor de cabeça.

— O sertanejo sempre foi visto como brega, na pior definição do termo, ou como um estilo de gente sem cultura que não entende das coisas. Para as mulheres, o estereótipo é ainda pior, pois há a questão da imagem. Mas hoje sei que adoro ser brega — diz Marília. — A gente vem agora com o sertanejo pós-graduado. Não é mais “sertanejo universitário”, que remete a algo que está aprendendo. Queremos mostrar nosso orgulho.

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O posicionamento se reflete na safra de letras inéditas. Numa delas, Marília Mendonça e Maiara e Maraisa cantam: “Meu coração fez um fã-clube só pra você/ Ô, meu amor, eu vim aqui só pra te ver”. É um exemplo de música “menos combativa”, como elas gostam de falar, algo que figura, pela primeira vez, no repertório do trio. Entenda por isso uma canção que não trata de fossas, traições, porres e vinganças amorosas, temas recorrentes no trabalho das três.

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— Falar sobre a mulher que se deu bem no relacionamento e diz coisas bonitas é uma coisa que fizemos de forma muito sutil até agora — reconhece Maraisa, ponderando, no entanto, que adúlteros e traídas continuarão a protagonizar várias canções. — Não tem como fugir disso. A gente canta a verdade. Às vezes nem passamos pela situação (que estamos cantando) , mas conhecemos alguém que viveu exatamente aquilo. E isso traz vários gatilhos na gente.

Maiara, Marília Mendonça (ao centro) e Maraisa: trio de cantoras sertanejas consolida parceria como 'As Patroas' Foto: Divulgação
Maiara, Marília Mendonça (ao centro) e Maraisa: trio de cantoras sertanejas consolida parceria como 'As Patroas' Foto: Divulgação

Marília Mendonça diz que já perdeu a conta de quantas mulheres entraram em seu camarim para revelar que abandonaram os maridos incentivadas pelo hit “Infiel”. Mas as sertanejas frisam que não fazem música feminina. E mais: não curtem o termo “feminejo” , subgênero musical em que mulheres tomam a palavra para narrar sua versão de causos de amor.

— Não precisamos mais de um nicho. Estamos no ranking de igual para igual com os homens — explica Marília.

As Patroas movimentaram a web ao publicar um vídeo (veja abaixo) em que cantam a letra inédita “Você não manda em mim”, que aborda a violência contra a mulher. A música teve o lançamento antecipado ao público após o caso da agressão de DJ Ivis a Pamella Holanda.

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— A gente sempre quis falar sobre assuntos que chocam. Somos mulheres jogadas numa selva. Por isso, temos essa postura bem combativa — salienta Marília. — Sabemos identificar quando algo não está indo para o lado certo. O máximo que cheguei a ser agredida, e isso me fez muito mal, foi um dedo na cara. Queremos que mais mulheres sejam encorajadas com a nossa arte.

Ao mesmo tempo, preferem evitar temas ligados à política. As três admitem que sentem receio em se posicionar nessa área. Em 2018, Marília e sua família receberam ameaças depois que ela aderiu à campanha “#EleNão”, contra o então candidato à presidência Jair Bolsonaro (sem partido). À época, a cantora pediu desculpa e retirou o post da internet.

— Não queria que fosse assim, porque somos todos cidadãos e, de acordo com a lei, temos os mesmos direitos e deveres — lamenta Marília. — Já sofri muito. As pessoas realmente não estão preparadas para ouvir opiniões diferentes. Prefiro me retirar de alguns assuntos. Se penso de determinada forma, sou enquadrada num lado. Mas cancelamento não é um medo. O medo é de perder a paz e passar a me questionar sobre coisas que tenho certeza. E também de deixar de ter a minha própria opinião, porque só vejo pessoas com opiniões contrárias.

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O produtor das sertanejas avisa que é preciso encerrar o papo, pois a agenda das três está apertada. “Ai, eu falo muito”, Marília ri. Há tempo para uma questão breve: afinal, o que fazem as Patroas em seus tempos livres? Elas respondem juntas. Maraisa acorda às 8h para malhar. Maiara pinta aquarelas e é “viciada em leituras”, hábito que Marília também cultiva. De repente, Maraisa solta uma gargalhada:

— Marília está lendo “50 tons de cinza” — ela dispara.

Ao que Marília rebate:

— Comprei esse só para aprender inglês... Gosto de ler o que me confronta.