Rio Show

Peça online da Cia Atores de Laura aborda limites entre público e privado

Espetáculo em esquetes, 'Fronteiras invisíveis em processo' apresenta situações em que intimidade e coletividade estão entrelaçadas
Carol Santaroni, em cena da peça 'Fronteiras invisíveis em processo' Foto: Elaine Moreira / Divulgação
Carol Santaroni, em cena da peça 'Fronteiras invisíveis em processo' Foto: Elaine Moreira / Divulgação

RIO — Um casal tenta fazer sexo virtualmente. Lá pelas tantas, um deles diz que se sente tão quente quanto a Floresta Amazônica em chamas, e o desejo de ambos logo se esvai diante desse comentário. Em outro quadro, uma atriz se submete a um teste de elenco e, de repente, ela se transforma numa mulher latino-americana que tenta atravessar o limite entre México e Estados Unidos. De forma implícita ou mais explícita, aspectos de ordem pública e privada se entrelaçam nos mais de 20 esquetes apresentados em “Fronteiras invisíveis em processo”, espetáculo que a Companhia Atores de Laura estreia neste domingo.

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Em temporada virtual até 11 de outubro — com sessões sempre aos domingos, às 20h (ingressos a partir de R$ 10, por meio do Sympla ) —, a montagem dirigida por Daniel Herz e Luis Felipe Sá tenta se equilibrar sobre as linhas tênues que dividem (ou fundem) o ambiente doméstico e a coletividade.

A sobreposição das imagens de um homem insone e da movimentação de peças num tabuleiro do jogo War, que simula uma guerra entre países de todos os continentes, é uma das metáforas mais claras para o pensamento que se propõe em cena — e paramos aqui, para que não haja mais spoiler .

— É aquela ideia de que uma borboleta no Japão pode produzir uma ressaca no Rio de Janeiro — compara Herz. — Nossas insônias e angústias não são só nossas insônias e angústias. Elas não estão voltadas apenas para questões pessoais. Ao contrário: são angústias que também se contaminam e reverberam problemáticas maiores, que estão aí no mundo. O espetáculo passeia por essas fronteiras.

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Criação coletiva do grupo carioca em atividade há 28 anos — e que tem no elenco Charles Fricks, Leandro Castilho, Marcio Fonseca, Paulo Hamilton e Verônica Reis, além das atrizes convidadas Carol Santaroni, Clarissa Pinheiro e Gloria Dinniz —, a dramaturgia parte de experiências e traumas de cada um deles para explorar temas abrangentes. Está aí algo inédito, mais vinculado ao campo da performance, para uma trupe que tem no currículo adaptações tradicionais elogiadas, baseadas em obras de autores como Martins Pena e Molière, além de Cristóvão Tezza.

— Somos muito atraídos pela ideia de ser contadores de histórias. Mas desta vez pensamos: e se nosso ponto de origem não fosse uma história? E se as nossas próprias marcas, dores e alegrias fossem o pontapé para um espetáculo? — explica Herz. — Trabalhamos a partir de nós mesmos, e não de personagens que iríamos criar ou que já existiam na literatura. Nesse processo, percebemos que havia em comum, entre a gente, a ideia de um limite, que não era tão claro, mas estava ali o tempo inteiro: era como se o público e o privado fossem sempre permeáveis.

Cena da peça 'Fronteiras invisíveis em processo', da Cia Atores de Laura Foto: Elaine Moreira / Divulgação
Cena da peça 'Fronteiras invisíveis em processo', da Cia Atores de Laura Foto: Elaine Moreira / Divulgação

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Idealizado antes da pandemia do coronavírus, o projeto foi repensado para o ambiente virtual com a colaboração de Luis Felipe Sá, nome por trás de trabalhos na televisão — e que se arrisca em assinar a direção de uma peça pela primeira vez. Os ensaios com a equipe aconteceram sempre remotamente, pela plataforma Zoom, onde o espetáculo ganha forma. Cada ator transformou a própria casa em cenário.

— Desenvolvemos uma linguagem audiovisual de baixa potência, que aposta no ator e no texto. Não daria para fazer uma recriação naturalista sobre o que é dito. Essa suspensão da descrença está ligada ao teatral — diz Luis Felipe Sá.

De certa maneira, as novas fronteiras do teatro, agora mediado por lentes, também estão sublinhadas na montagem, primeira incursão on-line da companhia.

— Criamos a partir de uma privação, que é a impossibilidade de estarmos juntos em espaços coletivos. E nos apaixonamos pela ideia de superar um problema com um novo potencial criativo — diz Herz. — No teatro, você se debate com essa questão o tempo tempo inteiro. Limitação é a palavra. Sempre foi assim.

  • Serviço: Dom, às 20h. Ingressos a partir de R$ 10 (vendas pelo Sympla ). 65 minutos. 12 anos. Até 11 de outubro.