No começo da carreira, ela entrava no palco de costas para o público, olhando para os músicos, tamanha a timidez. Lá se vão mais de 20 anos, muitas sessões de terapia, três Grammys Latinos e incontáveis shows mundo afora. Hoje, essa “Novela” particular da paulistana Céu virou álbum (o sexto da carreira), conquistou público e crítica (a APCA o elegeu o quinto melhor álbum brasileiro do ano) e, neste sábado (13), chega ao Circo Voador, no Rio de Janeiro, para dar o pontapé inicial da turnê — que, na próxima semana, já segue para a Europa.
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— No começo, eu era muito “verde”, “matutinha”, e me questionava: “Se sou tímida e introspectiva, por que fui virar artista?” (risos) — relembra Céu em entrevista ao GLOBO, antes de concluir que “não tem nada a ver uma coisa com a outra”. — Muitos artistas são tímidos e acho, inclusive, que a timidez é um princípio ativo para alguém se tornar artista (risos). Com o tempo, fui aprendendo a me despir das camadas que se criam em torno dessa profissão, e ser eu, com todas as minhas vulnerabilidades, que eu amo.
Desde que o disco foi lançado nas plataformas de áudio, no final de abril, Céu tem recebido comentários positivos. Um deles chamou sua atenção.
— Um advogado me escreveu: “Céu, obrigado por você lançar esse disco. Eu voltei a me concentrar”. Tenho recebido umas mensagens interessantes e uma receptividade muito, muito calorosa — conta. — Tem uma palavra que se sobressai na minha relação com o público [que me acompanha], mesmo hoje, em meio a uma rede de ódio, que é “respeito”. Quem gosta, mergulha nos meus trabalhos comigo, e isso é muito bonito. Nos últimos anos, tem acontecido uma conexão, uma fusão com o público nos shows, que parece alquimia. Para mim, que sempre fui “operária” e não me sinto “a última bolacha do pacote”, essa é a máxima que eu posso atingir.
A expectativa para a versão ao vivo de “Novela”, cara a cara com parte dessas pessoas, neste sábado (13), é a melhor possível. Céu não esconde a animação com a estreia no Circo Voador, onde já fez e também assistiu a shows marcantes, como os da Orquestra Imperial, do Planet Hemp e da americana Solange (irmã de Beyoncé).
— Tenho uma paixão pelo Circo. Não sei nem quantos shows já fiz lá. O Circo já tem, por si só, e por toda a sua história, uma magia, e sempre fui acolhida por ele em dias difíceis. Às vezes, o artista vai fazer um show em uma “condição” que não é a que ele quer transmitir, e o Circo sempre me acolheu acima de tudo — conta.
No palco, “Crushinho” (Céu), “Corpo e colo” (parceria de Nando Reis com o pastor Kléber Lucas), “Reescreve” (Céu com Marcos Valle) e mais faixas do álbum novo se juntam a “Malemolência”, “Varanda suspensa”, “Concrete jungle” e mais hits da carreira. Em suma, Céu, em sua versão mais completa, sem ser, como ela mesmo diz, “falastrona” ou “panfletária”.
— Minha grande paixão é a música, é o som. Sempre fiz mais música do que falei e percebo que cada vez mais fui me entendendo dentro desse meu jeito minimalista e vendo que também tem poesia nele — diz. — Quando todo mundo acha que vou fazer alguma coisa, gosto de fazer outra. É o meu lado poeta falando.
Mudanças no mercado
Olhando para trás, Céu também percebe e analisa as mudanças no mercado fonográfico.
— Observo muito as diretrizes do mercado da música. Eu aprendi muito. Estou nele desde 2005, e era muito diferente. Hoje, as coisas estão mudando, e nem acho que chegaram ainda em um lugar estável. Observo que o meu lugar, nessa história toda, é o de ser artista mesmo. Eu vivo as dores e as delícias disso — comenta. — Dores, porque acabo tendo um movimento muito mais de dentro para fora, e um pouco menos de fora para dentro. Fora, sendo o mercado. Acho super válido esse movimento de “dançar a dança do mercado”, mas eu assimilo o mundo lá fora e traduzo o que vou regurgitar dessa assimilação.
Dessa regurgitação, saem as suas composições.
— Componho conforme o que vou sentindo, os desejos das minhas falas... Tem um lado orgânico e outro compromissado com os meus incômodos como artista, como cidadã, como mulher — diz a artista.
O Brasil no centro
Se “Novela” foi gravado em Los Angeles (EUA), produzido pelo americano Adrian Younge (em parceria com Pupillo e a própria Céu), e tem, algumas de suas faixas, os americanos LadyBug Mecca, Frankie Reyes e Loren Oden, além da franco-senegalesa Anaiis, o centro de tudo é mesmo, como revela Céu, o Brasil. Em “Into my novela”, com letra majoritariamente em inglês, ela avisa: “Só vai ingressar na minha novela/Se reconhecer o canto de um sabiá”.
— Para mim, o basal, o primordial, a força motora sempre foi o Brasil. Sempre misturei tudo: reggae, jazz, rap... E a força motriz da história, a raiz, é o Brasil. Para mim, o soul começa aqui. Os reflexos dos movimentos todos que aconteceram no mundo a partir do olhar de quem está no Brasil são tão importantes quanto os movimentos em si — diz Céu. — E, assim, vou tentando contar a minha história.
Nessas tentativas, Céu encontrou, nas novelas, esse “DNA brasileiro”, além da veia das “crônicas cotidianas”. Por isso o nome do álbum.
— A novela tem um código, um DNA muito brasileiro, em todos os aspectos, tanto os positivos quanto os negativos. Eu não sei explicar o que é, mas tem um roteiro, uma coisa escalafobética (risos), o surrealismo latino-americano, questões religiosas, sociais... Parece uma terapia coletiva. É curioso — comenta a artista, que assistiu a “Pantanal”, vê “Renascer” (quando consegue, em meio à vida agitada) e se mostrou surpresa quando soube da produção de “Vale Tudo”, durante a entrevista. — Vai ter de novo? Não estava sabendo. Estou passada. Vai ser incrível.
Programe-se
Onde: Circo Voador, Lapa. Quando: Sábado (13), a partir das 20h. Quanto: R$ 80 (2ºlote, com 1kg de alimento), via Eventim. Show de Abertura: Bruno Berle. Discotecagem: Miguel Arcanjo. Classificação: 18 anos.