Teatro e dança
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Por — Rio de Janeiro

RESUMO

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GERADO EM: 01/08/2024 - 03:30

"Desconstruindo Machismo: Sucesso do Teatro 'King Kong Fran' Provoca Reflexões sobre Gênero e Privilégios"

"King Kong Fran" é um sucesso teatral que desafia o machismo e questões de gênero, atraindo público e polêmica. Com humor ácido, a peça confronta o público masculino, invertendo papéis e provocando reflexões sobre privilégios. A atriz Rafaela Azevedo, criadora da personagem Fran, busca desconstruir estereótipos e promover debates sobre violência contra a mulher. O espetáculo, que já foi visto por quase 100 mil pessoas, provoca desconforto e reflexão, levando homens a confrontarem seu próprio comportamento.

Uma mulher fantasiada de gorila, com a boca propositalmente borrada pelo batom vermelho e um dildo de borracha entre as pernas. É assim que Rafaela Azevedo, de 32 anos, se apresenta no monólogo “King Kong Fran”, que vem lotando plateias e arrancando risadas — às vezes de nervoso — desde a estreia, em 2022. O sucesso no Rio — e nas redes, onde acumula 150 mil seguidores, mais 35 mil da personagem — foi tamanho que a atriz agora se desdobra na ponte aérea para dar conta de duas temporadas simultâneas.

De terça à quinta-feira, ela sobe ao palco do Teatro UOL, em Higienópolis. Nos finais de semana, é a vez do Espaço Ecovilla Ri Happy, no Jardim Botânico, onde fica em cartaz até setembro. E já tem outras datas marcadas no Teatro Casa Grande, no Leblon. Desde que estreou, em novembro de 2022, a peça, que tem direção musical da cantora Letrux, já passou por oito cidades e foi vista por quase 100 mil pessoas.

Atriz lota plateias no Rio e em São Paulo, onde faz temporadas simultâneas, com a provocativa 'King Kong Fran' — Foto: Sarah Leal
Atriz lota plateias no Rio e em São Paulo, onde faz temporadas simultâneas, com a provocativa 'King Kong Fran' — Foto: Sarah Leal

O consolo de 37cm, que faz as vezes de microfone, ajuda a quebrar o clima e dar o tom logo de cara. “Isso aqui dá uma voz... É só ter um desse que todo mundo te escuta”, brinca durante a cena de abertura. Na comédia, Rafaela dá vida à polêmica e provocativa Fran, palhaça criada por ela em 2013. Ácida e irônica, se traveste da figura da mulher-gorila para mergulhar em traumas pessoais, sexualidade e estereótipos femininos. É por meio da tradicional atração circense que ela debocha e reflete sobre machismo estrutural, assédio e violência contra a mulher — inclusive o estupro sofrido aos 21 anos

Ao trocar os papéis de gênero e colocar os homens da plateia em típicas situações de constrangimento vividas por mulheres, causa desconforto entre o público masculino. Piadas de cunho sexual e cantadas invasivas são parte da artilharia.

— Gosto de inverter a realidade para que eles sintam na pele a construção cultural a qual nós mulheres somos submetidas. É um jogo — salienta.

Para completar, ela ainda convida alguns incautos para o palco, onde as afrontas continuam. Ao ver que podem ser tornar a próxima vítima, muitos ficam tensos.

Segundo a atriz — que desenvolveu o texto a partir de improvisos junto a Pedro Brício, com quem divide também a direção do espetáculo —, as provocações têm como objetivo justamente isso, “bater no homem cisgênero hétero”.

— Para mim, os homens que entendem a peça só no fim, quando narro a violência que sofri, são alheios ao mundo. Ou não escutam as mulheres ao próprio redor, ou não saem do conforto de seus privilégios — opina a carioca, palhaça de formação e com diploma também da Casa de Artes de Laranjeiras.

Artista interage com a plateia durante o solo e convida homens para subir ao palco — Foto: Sarah Leal
Artista interage com a plateia durante o solo e convida homens para subir ao palco — Foto: Sarah Leal

Defensora de um humor que zomba de “quem está no poder”, Rafaela relembra uma brincadeira feita com os seguidores, nas plataformas digitais, que serviu como isca ao longo dos primeiros meses de espetáculo para atrair a atenção da parcela masculina.

— A estratégia de divulgação que usei era seduzir os caras no Instagram. Quando eles chegavam ao teatro, viam do que realmente se tratava. A partir daí, desapareceram das sessões e a plateia se tornou quase 90% feminina. Achavam que eu era uma maluquinha da internet — recorda, aos risos.

Com o tempo, o susto e a indignação dos “desavisados” deram lugar a “caras conscientes e curiosos”.

— Quando passei a aparecer na mídia e a dar entrevistas, eles entenderam que eu não sou a Fran. Ela é uma performance. Depois que a peça estourou, a proporção ficou mais equilibrada, com 40% de homens — avalia.

Convidado pela namorada, a roteirista Clara Meirelles, para ver a peça, o oceanógrafo Fred Marins, de 42 anos, sabia que era um espetáculo feminista e que haveria provocações, mas não esperava tanto.

— Ela me disse que eu fui encolhendo na plateia. Me senti no meio de um tiroteio, humor crítico, pesado. Só depois a ficha caiu 100%. Senti muita vergonha de reconhecer tudo aquilo que estava sendo exposto ali, de ter presenciado inúmeras vezes manifestações daquele teor em relação às mulheres ao longo da vida sem nem me dar conta do que estava sendo feito. Foi perturbador, adorei — resume.

Para Clara, na hora parecia que cada um estava vendo uma peça: ela, uma comédia, ele, um show de horror.

— Soltei muitas gargalhadas, um riso sádico, libertador. Era delicioso ver os caras sendo humilhados. O Fred começou a se afundar na cadeira. Vi que, como ele, os homens da plateia estavam incomodados. Bem feito! — diz ela, rindo, antes de acrescentar que o perfil do público não era careta. — Eram homens descontruídões.

Aos 32 anos, Rafaela comemora o sucesso do monólogo que, há quase dois anos, se mantém em cartaz somente com o dinheiro das bilheterias — Foto: Sarah Leal
Aos 32 anos, Rafaela comemora o sucesso do monólogo que, há quase dois anos, se mantém em cartaz somente com o dinheiro das bilheterias — Foto: Sarah Leal

Co-diretor da peça, Pedro Brício diz que esta tem sido uma reação comum.

— Para os homens, a peça é uma percepção de como o patriarcado é violento. Com a inversão do jogo, eles se veem como criaturas ridículas em seus comportamentos machistas. Para as mulheres, me parece uma experiência de absoluto prazer e diversão ao ver os homens em um lugar em que elas estão no dia a dia e poder rir disso, sem medo — declara.

Dos bastidores, Pedro diz que a parceria com Rafaela foi responsável por “dar início a um letramento feminista” e que, ao longo do processo, foi preciso “mais ouvir do que falar”.

— Acho que a Rafa me convidou porque, para ela, era importante ter a contribuição de um homem, já que a gente queria fazer um espetáculo para todo mundo. Eu trouxe um pouco essa perspectiva masculina, de como os homens poderiam se sentir e em que aspectos poderíamos provocar mais— finaliza.

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