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Por Eduardo Graça — São Paulo

RESUMO

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GERADO EM: 02/08/2024 - 11:40

"Livro de Christian Dunker explora o luto na era da pandemia"

O psicanalista Christian Dunker lança um livro sobre o luto, abordando a transformação pessoal e coletiva diante de perdas. Explora a dificuldade contemporânea de lidar com o luto, especialmente evidenciada pela pandemia. O autor destaca a importância de vivenciar e compreender esse processo, que pode ser infinito e desafiador, refletindo sobre o impacto nas relações e na sociedade.

Na introdução de “Lutos finitos e infinitos” o psicanalista Christian Dunker conta episódio curioso de significado central para a ideia do livro. Duas vezes vencedor do Prêmio Jabuti, ele autografava algumas de suas obras em Curitiba quando foi perguntado se era possível acessar o conteúdo da conferência que acabara de fazer. Nenhum problema, havia escrito ensaios sobre o tema. Todos em inglês. “Não os publicou em português?”. O questionamento escancarou o paradoxo para o profissional que havia perdido a mãe um par de anos antes: “estava falando de minha própria experiência de luto, mas não na minha língua materna”.

A partir de memórias pessoais da dor, de exemplos clínicos e de estudos sobre o tema, Dunker escreveu em português claro um impressionante tratado sobre o processo de perdas que nos define e transforma. E que é vivido tanto de forma solitária e individual quanto coletiva, em percursos que podem ou não ter fim, em diversas instâncias. Além da morte, nas perdas concretas de um amor, emprego, casa, ou na abstrata da juventude.

Desafio literário, filosófico e ético, refletir sobre os lutos se mostra especialmente relevante em contexto que inclui as mortes causadas pela pandemia, uma crise de saúde mental de proporções inéditas e a dificuldade contemporânea de se perder, inclusive, diz o professor da USP, “na gramática do amor”. Trechos da conversa seguem abaixo:

Além da inquietação intelectual, o livro também nasceu de experiências pessoais, como a perda de sua mãe?

Tinha escrito um ou dois trabalhos sobre o luto e não tinha me dado de conta de que eu mesmo estava passando por esse processo. Foi uma coisa inconsciente. Como tantas pessoas, estava fazendo coisas um pouco estranhas que são parte do trabalho de luto e só depois você percebe. Minha mãe era costureira, de repente eu poderia ter me pego fazendo um curso de bordado, de crochê, sem me dar conta de que era parte do processo. Depois descobri um segundo elemento: eu queria tanto falar sobre ela, mas já havia passado o tempo que se é esperado que você fale da morte de sua mãe, até mesmo com seu psicanalista. Mas pensei que poderia fazer isso escrevendo o livro. O luto tem uma função transformadora. Para mim, parte dela foi escrever o livro. Para o bem e para o mal.

Como assim?

O livro teve uma versão de 300 páginas, depois 500 e tantas, começou a virar um negócio sem fim. E o editor avisando que precisava lançar. Até que minha filha fez um comentário inesperado: “pai, larga a vó de uma vez, deixa ela ir!”. E é isso, mais um término. Um outro infinito que se vai.

Quem define se o luto tem fim: o indivíduo ou o outro?

Um encontro das duas coisas. Há casos em que trata-se claramente de decisão individual. Mas em outros é como a trajetória do livro. Um luto pode se encerrar com a solução de uma herança, o encontro de um corpo, o reconhecimento de um crime. Ou com o “vamos juntos”, da minha filha, quando alguém te empurra pra fora dele.

Você escreveu o livro quando fomos atravessados pelo luto coletivo da pandemia. Também vivemos, brasileiros, desgraçadamente, o luto das mortes dos corpos majoritariamente negros, vítimas da violência em endereços abandonados pelo poder público. Estamos aprendendo com essas experiências de dor coletiva?

Estamos em processo. Atesta-se um luto em trânsito. No caso da pandemia, somos 3% da população mundial e morreram 10% das vítimas da Covid. Mas estes são só números e há algo problemático ao se tratar do luto coletivo sem singularizar as perdas. Recentemente visitei o Parque da Memória, na margem do Rio da Prata, na Argentina, onde foram jogados adversários políticos da ditadura militar. Lá estão 30 mil nomes. Precisa-se sentir cada vida, uma a uma. No nosso luto cotidiano das vidas desperdiçadas das crianças por balas perdidas experimentamos a morte que cria uma espécie de anestesia, entra em outro registro psíquico. E precisamos muito falar das consequências catastróficas desse luto coletivo recusado.

O que ele nos causa?

Ele retorna com violência, ressentimento, indignação. Age transversalmente para consolidar uma sociedade que reproduz e multiplica violência na negação do luto.

Qual o lugar do esquecimento na transformação gerada pelo luto?

Há nuances. Um sinal do luto bem realizado é sim um certo tipo de esquecimento. Mas que pode ser transformado em lembrança. Já o apagamento volta, por exemplo, com o enaltecimento de um torturador, com a recusa de se enxergar a realidade passada.

O luto também não é linear, certo? Não tem data para começar ou terminar…

Sim. A imprevisibilidade do luto é especialmente oposta à natureza da contemporaneidade diante da morte, da finitude, do limite humano. Alguns povos indígenas determinam como viver o luto progressivamente: a partir de determinado momento, ninguém mais fala no nome do falecido e uma criança que está chegando será batizada com ele. Negocia-se com os céus, acabou. Nós não. Cada um tem de se virar pra fazer o próprio luto. Se passar de 15 dias de dor preciso tomar um antidepressivo ou vira patológico.

E quando a ordem natural é desafiada, como na perda de um filho?

Um dos pontos de abertura para o luto infinito é o sentimento de injustiça. Há aquele que se revela um ato político, como no caso das avós da Praça de Maio na Argentina, das Mães de Acari, no Rio. O luto infinito dessas mulheres se integra a um monumento vivo: enquanto não se fizer Justiça, não esqueceremos, e, portanto, o luto não termina. Já o luto infinito involuntário pode ser perigoso e inclusive contagioso. Há a formação de sintomas melancólicos, depressivos, retroativos. Um jovem casal que perde um filho e, uma semana depois, decide ter outro, pode estar fazendo um movimento correto, mas no tempo errado. Pode ser uma tentativa de sutura e não de maturação daquela perda. Precisa-se pensar em acolhimento, em escuta. Tratar a depressão, nesses casos, é fazer o luto avançar. No livro, escrevo sobre se romper o trato dos viventes. Quando entre os que se foram, os que estão e os que virão não há mais continuidade. E se repete o presente de um passado tão trágico. Um passado que não passa.

Aumentaram na clínica as falas sobre o luto?

Sim, sem dúvida. Há uma percepção social de que algo está errado na maneira como temos feito o luto. Também se vê uma recuperação literária do luto como potência criativa, com Chimamanda Ngozi Adichie, Paulina Chiziane, e tantos outros autores. Isso atesta a elaboração coletiva pós-Covid-19, mas também o contexto mais vasto de crise de saúde mental. E um dos elementos pelos quais as pessoas conseguem tatear essa crise é a perda. Elas se veem desprovidas de recursos para enfrentar lutos elementares: o do emprego, da saúde, da juventude, da moradia. As experiências de perda entraram em outro registro de contabilidade simbólica. Parece que temos um engasgo com a perda. E isso tem a ver com as dificuldades na gramática do amor.

Como assim?

Vivemos um momento efusivo, quase maníaco, de namorar um, depois outro, de poliamor, de trisal. Mas de repente começou a se cobrar um efeito: peraí, não consegui de fato me desligar do outro. Ele já foi embora há três anos, mas segue me assombrando. Como se a gente tivesse passado por cima dos limites que temos para viver o luto e agora nos debatemos: como se experimenta o luto da perda amorosa?

A pandemia intensificou a sensação de que toda vida está, inevitavelmente, por um triz. É saudável se pensar na própria morte?

Em tese, é sim bastante saudável. Mas depende, claro, de como você pensa nela. O neurótico-obsessivo, que todo o tempo pensa que vai morrer, vive um sofrimento que se traduz em desperdício e obturação da vida. É o pensamento que cria um estado de mortificação, de morto-vivo. Mas pensar na morte como algo determinante do arco que chamamos de vida, que dá valor a ela, em sua extensão não-infinita, é muito bom. É como a gente faz e deve fazer no funeral de uma pessoa querida. Esse pensamento sobre a morte é algo como aquele capítulo doloroso pelo qual temos de passar para ter mais energia. Para saber que vale a pena.

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