Ciência
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Por — Rio de Janeiro

Cientistas criaram pela primeira vez minicérebros em laboratório feitos a partir de tecido fetal humano. Embora não sejam órgãos reais, com o tamanho de um grão de arroz, os pesquisadores afirmam que o modelo abre um caminho inédito para estudar como o cérebro se desenvolve e buscar novas alternativas para tratamento de doenças. O estudo foi conduzido por uma equipe do Centro Princess Máxima de oncologia pediátrica e do Instituto Hubrecht, ambos na Holanda, e publicado na revista científica Cell.

“São uma nova ferramenta inestimável para estudar o desenvolvimento do cérebro humano. Podemos agora estudar mais facilmente como o cérebro em desenvolvimento se expande e observar o papel dos diferentes tipos de células e do seu ambiente. Também poderá ajudar a compreender como os erros nesse processo podem levar a doenças do neurodesenvolvimento, como a microcefalia e o câncer cerebral infantil”, diz Benedetta Artegiani, líder do grupo de pesquisa do Centro Princess Máxima e uma das autoras do trabalho, em comunicado.

Os organoides 3D, também conhecidos como “miniórgãos”, têm sido artifícios utilizados cada vez mais nos últimos 10 anos para simular modelos de órgãos humanos em pesquisas de laboratório. Tratam-se de cópias pequenas – o tamanho varia de menos de um fio de cabelo de espessura a até 5 milímetros – e simplificadas dos órgãos reais.

Quatro imagens ampliadas de partes de diferentes organoides do cérebro fetal humano. — Foto: Divulgação / Princess Máxima Center, Hubrecht Institute/B Artegiani, D Hendriks, H Clevers
Quatro imagens ampliadas de partes de diferentes organoides do cérebro fetal humano. — Foto: Divulgação / Princess Máxima Center, Hubrecht Institute/B Artegiani, D Hendriks, H Clevers

Eles são criados geralmente por meio do cultivo de células-tronco de forma “guiada” pelos cientistas para se diferenciarem e agruparem no que seria o órgão. Embora tenham suas limitações, já que são apenas estruturas muito pequenas, os organoides oferecem um nível de complexidade que permite aos pesquisadores conduzirem trabalhos que antes só podiam ser feitos com animais.

Agora, pela primeira vez, os cientistas holandeses conseguiram desenvolver um organoide de um cérebro que foi cultivado não de células-tronco, mas diretamente do tecido coletado de fetos, o que ampliou ainda mais a sua complexidade. O material foi doado voluntariamente por mulheres que passaram por um aborto entre 12 e 15 semanas.

No estudo, o tecido se auto-organizou no cérebro com uma estrutura complexa de diferentes tipos de células cerebrais e proteínas. Além disso, manteve características da região específica do cérebro da qual o tecido foi originalmente derivado. Segundo os responsáveis pelo trabalho, o novo minicérebro é mais fiel e permite um estudo mais aprofundado do órgão humano do que o possível por meio dos organoides antigos.

“Esses novos organoides derivados de tecidos fetais podem oferecer novas informações sobre o que molda as diferentes regiões do cérebro e o que cria a diversidade celular”, diz Delilah Hendriks, pesquisadora no Instituto Hubrecht que também participou do estudo.

No laboratório, os minicérebros continuaram a crescer por mais de seis meses. Além disso, os cientistas conseguiram multiplicá-los, o que permitiu cultivar diversos organoides semelhantes a partir de uma única amostra de tecido.

Porém, os cientistas reforçam que “é altamente improvável que os FeBOs (Organoides do cérebro fetal humano) possuam consciência ou propriedades perceptivas semelhantes, dada a falta de informações sensoriais, conexões de saída e interações complexas da região cerebral”, segundo escrevem no estudo.

O minicérebro tem consciência?

Ao passo que os organoides são mais utilizados na área da pesquisa, cresce o debate ético sobre os limites do material e se ele poderia ter uma consciência. Porém, a própria definição de consciência é um desafio para os cientistas. Por exemplo, um estudo de 2017 criou organoides cerebrais com células que respondiam à luz. Mas dificilmente, defenderam os pesquisadores, isso significa que o minicérebro conseguiu processar uma informação visual.

A maioria dos cientistas na área de fato não acredita que os organoides, ao menos por enquanto, tenham algum nível de consciência. Em 2021, as Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina dos Estados Unidos analisaram o tema e afirmaram que, no momento, as diretrizes éticas sobre o tema já são suficientes.

O painel concluiu que agora há pouca evidência de que os organoides desenvolvam consciência ou dor semelhante à humana. Porém, alertaram que, com o avanço das tecnologias, isso pode mudar. É como pensam também cientistas da Universidade de Kyoto, no Japão, que analisaram o tema no ano passado. Eles, por outro lado, defenderam a criação de diretrizes agora sobre o uso dos minicérebros de forma a se preparar para o futuro.

“Acreditamos que um princípio de precaução deve ser adotado. Nem a ciência nem a filosofia podem concordar sobre se algo tem consciência. Em vez de discutir se os organoides cerebrais têm consciência, decidimos interpretar que sim por precaução e para considerar as implicações morais”, disse Tsutomu Sawai, professor do Instituto para o Estudo Avançado de Biologia Humana da Universidade de Kyoto, na época.

Por isso, considerando a possibilidade de os organoides terem uma consciência – ainda que primitiva, distante da observada em seres humanos –, os pesquisadores propuseram que a área siga princípios semelhantes aos dos experimentos com animais, utilizando o número mínimo possível de organoides e fazendo o máximo para prevenir a dor e o sofrimento, dentro dos interesses do público e dos pacientes.

No novo estudo com os minicérebros que foram derivados de tecido humano, os próprios cientistas reconhecem os dilemas presentes no campo. “Os avanços nos modelos experimentais in vitro do cérebro humano exigem uma avaliação proativa dos desafios éticos e sociais, que vão desde o consentimento até às questões emergentes da possível consciência e sensibilidade à dor de tais modelos”, escrevem no artigo.

Novas drogas contra câncer

Em uma segunda etapa do novo trabalho com os minicérebros, os pesquisadores confirmaram se o material poderia servir para estudos sobre câncer cerebral. Eles utilizaram uma técnica inovadora de edição genética chamada CRISPR e introduziram erros nos genes de algumas células associados ao tumor.

Depois de três meses, as células defeituosas ultrapassaram completamente as saudáveis no organoide, um comportamento típico de células cancerígenas. Os cientistas fizeram testes parecidos para tipos específicos de câncer cerebral, e também sobre como eles respondiam a determinadas substâncias.

Eles concluíram que os experimentos demonstraram o potencial de os novos minicérebros serem usados para a pesquisa de novos tratamentos para a doença.

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