Ciência
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Por — Rio de Janeiro

Apenas 12 anos se passaram desde que uma dupla de cientistas descobriu as tesouras genéticas CRISPR, que conseguem fazer edições precisas no DNA de qualquer ser vivo. O tempo pode parecer curto, mas já foi suficiente para a criação de terapias, em testes, para câncer, diabetes, colesterol alto, cegueira genética, infecção pelo HIV e uma série de outros diagnósticos.

O potencial rendeu o Nobel de Química às pesquisadoras em 2020, quando Claes Gustafsson, presidente do comitê responsável pelo prêmio, disse que a ferramenta “não só revolucionou a ciência básica, como também levará a novos tratamentos médicos inovadores". Especialistas explicam que a edição dos genes de fato inaugura uma “nova era na medicina” que traz uma aguardada perspectiva de cura para milhões de pessoas.

— É possível pensar em intervir em genes que aumentam a predisposição para o Alzheimer, por exemplo. Editá-los e fazer com que eles sejam diferentes. Esse é um exemplo de milhões de coisas que poderão ser feitas no futuro — diz o doutor em Genética pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) Salmo Raskin, diretor do Centro de Aconselhamento e Laboratório Genetika, em Curitiba, embora pondere:

— Serão tratamentos em princípio espetaculares, mas muito caros, na casa dos milhões. Então ainda é uma alternativa que vai continuar muito inacessível no início, principalmente no Brasil e outros países de menor renda.

Ainda assim, o movimento de levar o CRISPR da bancada dos laboratórios para a prática clínica já começou. No ano passado, a primeira terapia do tipo foi aprovada no mundo, nos EUA e no Reino Unido, destinada à anemia falciforme.

A doença, caracterizada por um erro genético que afeta a produção da hemoglobina, causa dores intensas e conta com formas limitadas de tratamento. Nos testes, porém, a novidade levou 97% dos pacientes a não relatarem dores 12 meses após o tratamento. Com o acompanhamento por mais tempo, será possível dizer se foram curados.

— Existe uma produção de hemoglobina durante a fase fetal que é interrompida graças a um gene chamado BCL11A. No novo tratamento, o CRISPR "recorta" esse gene para que essa hemoglobina volte a ser produzida nos pacientes e compense a defeituosa — explica Raskin.

Edição dentro do ser humano

Um dos desafios que torna as terapias tão custosas é que o método aprovado para anemia falciforme é chamado ex vivo, quando a edição é feita fora do corpo do paciente. Nela, as células são retiradas, passam pela edição genética e depois são reintroduzidas no paciente. É como um transplante, demandando uma estrutura complexa e delicada.

Mas cientistas têm avançado em desenvolver métodos que sejam in vivo, ou seja, que o CRISPR seja introduzido no corpo do paciente, como por meio de uma injeção, e ele alcance as células necessárias para editar o local específico do código genético dentro do indivíduo.

— O difícil é garantir que ele vai corrigir apenas o local que está errado, que não vai ter o que chamamos de “fora de alvo”, ou seja, causar uma mutação fora do lugar que eu preciso. Se eu quebro um gene que controla câncer, por exemplo, posso causar um tumor tentando tratar uma doença. É um grande medo, e ao fazer o CRISPR ex vivo conseguimos checar o que foi feito antes de reintroduzir a célula no paciente — explica Guilherme Lopes Yamamoto, coordenador de bioinformática do Centro de Pesquisas sobre o Genoma Humano e Células Tronco da Universidade de São Paulo (USP) e head de inovação do laboratório Dasa Genômica.

Ainda assim, dados de estudos clínicos iniciais têm indicado resultados animadores. Em novembro, a empresa de biotecnologia Verve Therapeutics anunciou que num experimento de fase 1 com 10 pessoas com uma forma genética de colesterol alto a injeção única com CRISPR in vivo conseguiu reduzir os níveis de forma aparentemente permanente.

Após injetada no paciente, cápsulas de lipídio contendo a tecnologia viajaram até o fígado onde liberaram as tesouras genéticas para editar o DNA das células hepáticas. Lá, desativaram a produção do gene PCSK9, ligado ao aumento do colesterol. O tratamento foi considerado seguro e vai avançar nos testes.

Um mês antes, a Excision BioTherapeutics divulgou que, também num ensaio de fase 1, três participantes receberam um tratamento in vivo de CRISPR para infecção do HIV. Neste caso, o objetivo é que as tesouras encontrem as formas adormecidas do vírus que circulam no organismo, e causam a infecção crônica, e recortem o DNA delas para que deixem de se replicar. Assim, eventualmente, o paciente eliminaria todo o HIV presente no corpo. A terapia também foi considerada segura, e os participantes serão acompanhados para avaliar a carga viral do HIV a longo prazo e descobrir se a intervenção foi eficaz.

Existem testes ainda para editar células imunes de pacientes com diabetes e fazer com que elas parem de atacar a produção de insulina do próprio organismo; para amaurose congênita de Leber, a cegueira infantil hereditária mais comum e causada por um defeito genético e para alguns tipos de câncer.

O potencial da edição genética pode assustar – já que ainda não se sabe até mesmo o limite dessas alterações no DNA. Em 2018, um pesquisador chinês foi preso após ter utilizado o CRISPR em dois embriões para retirar o gene que expressa a proteína CCR5, que o HIV utiliza para infectar a célula. Com isso, os bebês seriam imunes ao vírus.

— Isso teve uma repercussão muito grande na comunidade, várias sociedades científicas em um certo consenso recomendaram que é contraindicado a alteração de embriões. É nessa hora que a ética entra e que começamos a sair da área de saúde. Esse limiar do que podemos, ou não, mexer é muito discutido. Em teoria, é para mexermos no que é doença, e não variações da normalidade, mas até isso é visto de forma muito diferente em cada cultura — explica Yamamoto.

Avanço de terapias genéticas

A possibilidade de editar o DNA é uma nova face de um campo que já avançava de forma significativa na medicina: o das terapias genéticas. A diferença é que, até então, não era possível recortar uma parte do DNA, apenas entregar um gene funcional dentro de uma célula. Ainda assim, essa técnica têm levado a avanços antes impensáveis, como as chamadas terapias CAR-T Cell para alguns cânceres hematológicos.

— Nós retiramos células do sistema imunológico do paciente e adicionamos um elemento que se incorpora no DNA delas e faz com que elas passem a expressar um receptor que reconhece o tumor. Depois, essas células são reintroduzidas no paciente e elas passam a provocar a morte das células tumorais. É uma técnica que consegue curar aproximadamente 40%, 50% dos casos. Jamais imaginaríamos oferecer esse tipo de tratamento alguns anos atrás — conta Jayr Schmidt Filho, líder do Centro de Referência em Neoplasias Hematológicas do A.C.Camargo Cancer Center, em São Paulo, que realiza procedimentos CAR-T Cell.

Muitas outras doenças além do câncer têm sido beneficiadas por terapias gênicas. Seis crianças que nasceram com surdez congênita, de idades entre 1 e 11 anos, passaram a escutar nos testes após receberem uma cópia funcional de um gene chamado OTOF. Elas sofrem de uma doença que afeta esse gene, responsável pela produção de uma produção da proteína necessária para a transmissão dos sinais sonoros do ouvido para o cérebro.

No entanto, há limitações da terapia gênica convencional. Uma delas é que alguns genes são muito grandes para caberem no meio de transporte utilizado para que eles cheguem às células – geralmente vírus inofensivos. No caso do gene OTOF, por exemplo, ele precisou ser dividido em dois para alcançar as células da cóclea.

Já o CRISPR, além de caber dentro dos vírus, espera-se que tenha um desempenho melhor em atingir o objetivo devido à sua especificidade em conseguir recortar o ponto exato desejado pelos médicos. Exemplo disso é uma série de estudos que têm abordado como essa edição pode aumentar a eficácia das terapias CAR-T Cell.

Ainda em 2017, um deles, na revista científica Nature, mostrou que o uso do CRISPR para preparar o CAR-T Cell tornou a terapia mais eficaz na morte das células cancerígenas em um modelo de leucemia em camundongos. Já há testes com a tecnologia sendo conduzidos em humanos.

Há ainda a expectativa de que o CRISPR ajude a resolver um dos grandes problemas na expansão do CAR-T Cell hoje, que o torna tão complexo e custoso: — Uma grande dificuldade é que o processo utiliza as próprias células do indivíduo. Para o futuro, buscamos técnicas de produzir células universais para atender a população com um produto “já pronto” — explica Schmidt.

A CRISPR Therapeutics, por exemplo, laboratório que desenvolveu o tratamento para anemia falciforme, já tem uma tecnologia de células universais de CAR-T Cell feitas com o CRISPR em estudos.

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