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Coronavírus: iniciativas da sociedade civil levam comida, produtos de higiene e máscaras aos mais necessitados

A pandemia da Covid-19 gerou no Brasil uma reação de solidariedade e fez com que população agisse sem esperar por ações governamentais
A ONG Rio de Paz distribui cestas básicas para os moradores da comunidade Mandela 1 Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
A ONG Rio de Paz distribui cestas básicas para os moradores da comunidade Mandela 1 Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

RIO - A pandemia da Covid-19 gerou no Brasil uma reação de solidariedade que não espera por ações governamentais. Iniciativas da sociedade civil se espalharam por vários estados, levando aos mais necessitados comida , produtos de higiene , máscaras , recursos econômicos e informação numa linguagem familiar, que enfatiza a necessidade de distanciamento social e de prevenção contra a doença. Uma gigantesca rede de ajuda social que não depende do Estado está em marcha a todo vapor e representa, hoje, o único salva-vidas para milhões de pessoas.

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É uma força-tarefa nacional de voluntários e ONGs que vem combatendo o coronavírus de diversas maneiras . Nas últimas semanas, a distribuição de alimentos em comunidades como o Jacarezinho, no Rio, e o Morro do Papagaio, em Belo Horizonte, se intensificou. O fantasma da fome começa a rondar os setores mais humildes, e ONGs como Rio da Paz, liderada pelo pastor Antônio Costa e criada para combater a violência, concentraram esforços em campanhas de doações de comida. Antônio diz que sua meta é que “ninguém fique sem comer nas favelas onde atuamos”.

— Estamos tentando acumular um estoque para o momento mais crítico. Até mesmo pessoas de cidades distantes, como Natal, nos procuram. Há pais que perderam seus filhos por balas perdidas e que hoje temem passar fome — afirma o pastor, conhecido por seu trabalho no Jacarezinho, no Mandela e no Complexo da Maré, entre outras comunidades.

Os gestos de solidariedade também nascem a partir de dramas individuais que servem de exemplo das dificuldades enfrentadas por um número maior de pessoas. Na Bahia, a história do pipoqueiro de uma escola particular que viralizou nas redes sociais foi o início de uma ação que hoje alcança 18 bairros de Salvador e os municípios de Lauro de Freitas e Vitória da Conquista.

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Um áudio de José dos Santos, aflito porque perderia a única fonte de renda, levou os pais dos alunos a fazerem uma vaquinha que garantiu seu salário. O Zé Pipoqueiro, conhecido há mais de 40 anos no bairro do Horto Florestal, na capital baiana, foi inspiração para ajudar outros ambulantes. A advogada Juliana Penedo Beringer e as amigas Mariana Lisboa, Sandy Najar e Renata Rangel replicaram o modelo usado para ajudar Santos e assim nasceu o projeto Semeando Amor.

— Quando a escola fechou, eu não tinha perspectiva de nada. Hoje, consigo até ajudar, indicando amigos para colocarem na lista de beneficiários — conta Zé Pipoqueiro.

A campanha já arrecadou R$ 180 mil. Cada ambulante recebe, em média, R$ 1 mil.

— A gente não consegue atingir a todos, mas está vendo uma cadeia de solidariedade absurda — diz Juliana, que, com sua campanha, está ajudando vendedores de barraquinha de fruta, picolé e acarajé, entre outros.

Ação em 24 estados

Em Belo Horizonte, o Sindicato dos Músicos, em parceria com o movimento Nos Bares da Vida, está recebendo doações para comprar cestas básicas para seus filiados, e também para os não filiados, que estejam passando necessidade. Alguns artistas, como o cantor e compositor Paulinho Pedra Azul, doaram CDs para serem leiloados. O fundador do movimento, Zeca Magrão, conta que recebe mensagens todos os dias de colegas pedindo ajuda.

— Não podemos esperar a ação do poder público — resume Zeca.

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Na segunda maior favela de BH, o Morro do Papagaio, o líder comunitário Julio Fessô trabalha com voluntários para ações de prevenção para os 16 mil moradores. Um grupo de costureiras está fazendo máscaras, jovens ajudam os mais idosos a se higienizarem e a comprarem alimentos, e Julio, com outros colaboradores, tenta disseminar as informações sobre a Covid-19.

— Fizemos um funk com a linguagem da favela, para traduzir as orientações do Ministério da Saúde — diz Julio.

A distribuição de cestas básicas, álcool gel e sabonetes também é feita no Morro do Papagaio. E é realizada em uma escala nacional pela Central Única das Favelas (Cufa), presente em 24 estados, graças a um exército de voluntários. Com a colaboração de grandes empresas, já foram descarregadas 600 toneladas de alimentos, informa o presidente da ONG, Celso Athayde. Ele espera que a favela, depois da pandemia, continue contando com a solidariedade de tantas pessoas.

— A favela continua servindo a sociedade, se expondo, para que comidas possam ser entregues, carros possam abastecer-se, famílias possam ter uma ajuda em casa — lembra o presidente da Cufa.

Ajuda com proteção

No Jacarezinho e em outras favelas, Antônio e sua ONG estão na linha de frente do combate ao coronavírus. O pastor sempre trabalha com uma máscara que recebeu de doação, para evitar o contágio, assim como os seus voluntários tomam todas as medidas de precaução necessárias.

— Temos de nos cuidar para poder atender as demandas, que se multiplicam todos os dias. Precisamos de ajuda — frisa Antônio.

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No Complexo do Alemão, a campanha "Pandemia com empatia" tenta minimizar o impacto financeiro do vírus e ajudar na prevenção, distribuindo kits de higiene e cestas básicas. O coletivo Voz da Comunidade arrecada recursos com preocupação maior para auxiliar diaristas e empregadas. Alguns projetos tem parceria com o Mulheres em Ação e o Papo Reto. A distribuição de kits busca atender, principalmente, casas perto do esgoto sem tratamento, explica Neila Marinho, da Voz. Na última semana, segundo moradores, dois jovens morreram com sintomas da Covid-19.

— É difícil convencer os moradores a ficarem em casa, ainda mais depois da fala do presidente Jair Bolsonaro, contrário ao isolamento. Mas o volume de solidariedade surpreendeu. O pobre não deixa outro pobre morrer de fome — conta Neila.

Profissionais de saúde contratados pelo União dos Moradores de Paraisópolis, em São Paulo, dá orientações sobre a prevenção contra o novo coronavírus: associação também conseguiu ambulância e UTI Foto: Filipe Redondo / Agência O Globo
Profissionais de saúde contratados pelo União dos Moradores de Paraisópolis, em São Paulo, dá orientações sobre a prevenção contra o novo coronavírus: associação também conseguiu ambulância e UTI Foto: Filipe Redondo / Agência O Globo

Na comunidade de Paraisópolis, em São Paulo, organizaram-se grupos de 50 pessoas para atender os 100 mil habitantes. A associação de moradores contratou uma ambulância, sete profissionais da saúde e até uma UTI. Também foram lançadas campanhas como a “Adote uma diarista”, que ajuda cerca de 150 mulheres com R$ 300 mensais e uma cesta básica.

— Enquanto os governos não falam sobre as favelas, nós nos organizamos. A situação aqui é de calamidade pública — diz o líder da União de Moradores de Paraisópolis, Gilson Rodríguez.