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Por Mariana Rosário


Profilaxia pré-exposição com droga injetável e imunizante estão entre as ferramentas em estudo Pixabay — Foto:
Profilaxia pré-exposição com droga injetável e imunizante estão entre as ferramentas em estudo Pixabay — Foto:

SÃO PAULO — Foi pelas mãos dos cientistas franceses Luc Montagnier (1932-2022) e Françoise Barré-Sinoussi, em 1983, que o mundo da ciência vislumbrou pela primeira vez o vírus HIV, causador de uma doença severa que ataca o sistema imune. Naquela época, a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids), cercada de preconceito, chegava a ser chamada pela infeliz alcunha de “câncer gay”. A terminologia fazia alusão aos primeiros grupos a serem acometidos pela infecção nos Estados Unidos, ainda em 1981. Não demorou muito, porém, para que o vírus irradiasse para homens heterossexuais, mulheres e até crianças, tornando-se um problema global de saúde pública.

A descoberta de Montagnier e Barré-Sinoussi abriu caminho para cientistas buscarem testes de detecção do vírus e drogas que oferecessem ao corpo alguma chance de defesa. Passados mais de quarenta anos desde os primeiros casos, hoje a medicina compreende muito bem a ação do HIV no organismo.

Ao longo dessas décadas, desenvolveu cerca de três dezenas de fármacos antiretrovirais — de uso combinado — capazes de inibir a replicação desse agente infeccioso no sistema imune, impedindo que ele aplaque as defesas do paciente e evitando que desemboque em quadros de Aids. Assim, rompe-se a cadeia de disseminação do vírus, uma etapa fundamental para o controle da epidemia.

O problema é que nem todos tomam os comprimidos na regularidade exigida e algumas pessoas, por conta das falhas no tratamento, deixam de responder bem às drogas existentes. Ciente das limitações, a comunidade científica seguiu em busca de avanços. Novas apresentações dos medicamentos (em dose única ou injetáveis) começam a passar pelo crivo de agências reguladoras mundo afora. Também estão na mira dos pesquisadores mais de 20 imunizantes em fases de desenvolvimento, segundo a Iniciativa Internacional pela Vacina da Aids (IAVI). Um deles é testado no Brasil.

Prevenção facilitada

— É um momento promissor, de otimismo. Os pesquisadores avançam em novas classes de medicamentos, inclusive inovações para as pessoas que apresentam resistência após falha em tratamentos anteriores. A chegada de novas drogas sempre abre novas esperanças – afirma Valdez Madruga, coordenador do Comitê de HIV/Aids da Sociedade Brasileira de Infectologia.

Entre as celebradas inovações recentes há o programa de inclusão de um novo medicamento injetável — o primeiro desse tipo — no SUS. O estudo será operacionalizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a partir do segundo semestre deste ano, pois ainda precisa passar por aprovações, e mirará nas populações de alto risco de infecção pelo vírus, caso dos jovens, por exemplo.

Com ação durável, o medicamento retira a necessidade de pílulas de uso diário, o que reduz a brecha para falhas no tratamento e, por consequência, a redução da efetividade dos fármacos. Sua aplicação dura dois meses, portanto requer somente seis injeções ao longo de todo um ano.

Essa apresentação do princípio ativo cabotegravir é dedicada à PrEP – a profilaxia pré-exposição –, cuja função é prevenir a infecção pelo HIV em indivíduos saudáveis que têm comportamentos de risco. No Brasil, aproximadamente 33 mil pessoas fazem uso desse método de cuidado com drogas orais hoje.

— É uma nova estratégia altamente eficaz para prevenir a infecção para HIV. A pessoa poderá usá-la somente nos períodos em que estiver mais exposta ao vírus. Se essa pessoa, porém, estiver constantemente com risco aumentado de adquirir o HIV, ela precisará aderir à PrEp continuamente, e aí o injetável torna-se uma opção ainda mais atraente — diz Beatriz Grinsztejn, chefe do laboratório de Pesquisa Clínica em DST e AIDS do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, da Fiocruz.

Dois em um

Claudia Velasques, diretora e representante no Brasil do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV e AIDS (Unaids) ainda elenca mais um avanço importante e recente: em 2021, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou uma droga que combina dois princípios ativos: o dolutegravir com a lamivudina. Este, vale dizer, para tratamento de pessoas já identificada com o vírus.

— Apesar de não serem composto novos, a combinação desses dois princípios ativos em um mesmo comprimido é inédita no país e contribui para a adesão ao tratamento, uma vez que a pessoa precisa tomar apenas um comprimido por dia — afirma.

Ambas as inovações estão sob o guarda-chuva da farmacêutica GSK, que quer ainda a aprovação do cabotegravir injetável – em parceria com outra droga da farmacêutica Janssen — para tratamento de HIV no Brasil. A combinação ainda deve ser avalizada pela Anvisa para ser usada no país.

— Quanto mais fácil e cômodo o esquema terapêutico, melhor a adesão. Os estudos mostram que quanto menos comprimidos e quanto menos tomadas diárias requer o tratamento, mais fácil é sua continuidade — diz Rodrigo Zilli, diretor Médico da área de HIV da GSK.

Vacinas em estudo

Em outra ala de desenvolvimento, duas dezenas de vacinas dedicadas à prevenção da infecção também acumulam avanços. A farmacêutica americana Moderna, responsável por uma delas, começou neste ano a fase 1 de desenvolvimento — aquela dedicada a averiguar a segurança de um fármaco — de uma vacina que utiliza a plataforma de RNA mensageiro, costumeiramente ligada a altas taxas de eficácia, conforme foi possível observar com os novos imunizantes para Covid-19.

Mais avançado está o chamado “estudo Mosaico”, cujo desenvolvimento inclui centros de referência brasileiros, caso do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e do Hospital das Clínicas, ambos em São Paulo. O estudo está na fase 3 e já recrutou todos os 3,6 mil voluntários necessários. A vacina utiliza tecnologia semelhante à utilizada pelo antígeno da Universidade de Oxford e da AstraZeneca contra a Covid-19.

— Já temos resultados da fase pré-clínica realizada em primatas, que foi de 67% de proteção em exposições desprotegidas. É algo inédito em vacinas nesse estágio para HIV — diz Bernardo Porto Maia, infectologista do Emílio Ribas e um dos líderes do estudo.

A previsão mínima para avaliar a eficácia é para início de 2023, acrescenta.

Caminho até a cura

Todas essas novidades figuram como avanço valioso para a saúde no país. A cada dia, cerca de 90 brasileiros recebem o diagnóstico de que foram infectados pelo vírus HIV, de acordo com a média de notificações enviadas ao Ministério da Saúde nos últimos anos. Em todo o mundo, são 38 milhões de pessoas convivendo com o vírus. As persistentes taxas de transmissão, inclusive, fazem necessário repetir: os principais meios de transmissão continuam sendo as relações sexuais desprotegidas e o compartilhamento de itens perfurocortantes sem a devida higiene.

Sem mecanismos replicáveis em larga escala para alcançar a cura — alguns métodos de transplante de medula apresentaram resultado positivo para eliminar o vírus — , fortalecer as frentes de prevenção, tratamento e imunização são as principais armas do arsenal contra a infecção.

— O vírus tem uma capacidade de ficar latente em algumas células do corpo, que são reservatórios do HIV. É como se ele dormisse, sem se replicar, mas continua viável dentro das células. Ainda não conseguimos atingi-lo, a não ser impedindo sua replicação — explica Bernardo Porto Maia.

Com as novas estratégias disponíveis, porém, a briga contra o HIV aponta para a vitória da ciência.

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