Sempre que um paciente chega no consultório de Luis Edmundo Fonseca, hepatologista do Centro Especializado em Aparelho Digestivo do Hospital Oswaldo Cruz, em São Paulo, com queixas sobre alguma alteração no fígado, ouve a mesma pergunta:
— Questiono quais tipos de medicamentos a pessoa toma. Vale tudo, até o chazinho. Todas as coisas que têm indicação terapêutica incluímos como medicamento nessa lista. Explico que entram aquelas “formulinhas” com 20 ativos diferentes que alguém prescreveu. O paciente, por vezes, esquece esses elementos. Mas explico que tudo isso tem potencial de lesão para o fígado — diz. — Pegamos muitos casos de lesões de chás, remédios, em geral, com quadros hepáticos importantes. Há ainda aqueles que encontram alguma variação num exame de rotina por conta desses usos.
A fala do especialista mira em uma preocupação persistente nos consultórios de hepatologistas: o crescimento dos ataques diários, silenciosos, à saúde do órgão. Estima-se que, no Brasil, uma a cada três pessoas tenha esteatose hepática, a gordura no fígado. O quadro de saúde, evidente, causa bastante preocupação, mas é reversível — sobretudo se descoberto antes de causar uma inflamação, ou quadros mais sérios como cirrose e câncer.
As pesquisas que avaliam a evolução de problemas no fígado miram na seguinte linha do tempo: o acúmulo de gordura leva à inflamação que pode danificar as células do órgão, daí o câncer. Portanto, monitorar e ajustar o estilo de vida diante de um diagnóstico de fígado gorduroso é fundamental.
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Até que uma gordura indesejada se torne um problema real e com implicações sérias são necessárias algumas décadas. Nesse cenário, os especialistas defendem que, mesmo diante de um prazo elástico, as medidas para mitigar o problema devem ser tomadas desde cedo, ainda na casa dos 20 anos de idade. Devem entrar em cena, o quanto antes, o monitoramento rigoroso do uso de medicamentos, fármacos e ervas, além do controle de peso, principalmente da gordura abdominal, e — é claro — fazer restrição de bebidas alcóolicas sempre que possível.
Valdinelia Bomfim Sposeto, médica hepatologista do A.C. Camargo Câncer Center, destaca que para entender o impacto que uma lesão no fígado pode provocar convém enumerar as diversas funções do órgão em nossos sistemas vitais.
— Além de metabolizar drogas (incluindo as medicamentosas), álcool, hormônios para fazer a desintoxicação para o sangue, o fígado também sintetiza proteínas para o corpo, importantes para diversas funções, a exemplo da nutrição. Há ainda uma operação nas medidas do colesterol e produção da bile, responsável pela digestão das gorduras — afirma a especialista. — As pessoas sabem do álcool, mas também há agressões não-alcóolicas, relacionadas ao aumento da gordura visceral.
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A preocupação dos especialistas em relação ao peso está direcionada justamente ao aumento de gordura na região abdominal, que podem atrapalhar o funcionamento do órgão. Se na população em geral a estimativa é que 30% tenha alguma alteração do tipo, para as pessoas com peso acima do indicado, como obesidade, esse valor salta para 80%, apontam análises internacionais.
O principal problema em relação ao fígado é que quando ele começa a dar sinais de esgotamento (com urina escura e olhos amarelados), é um provável sinal de que aquele caso se agravou. Em geral, para conseguir identificar um problema renal no início é preciso atenção redobrada no exame de sangue, onde há indicação de contagens de enzimas relacionadas no metabolismo do corpo. Ali está a chave de que algo não está indo bem.
— A maioria das doenças hepáticas não têm sintomas. Quando eles aparecem a doença está bem avançada tornando difícil a recuperação plena. Alguns casos chegam a precisar de transplantes hepáticos. Mas, sinceramente? Cuidar do fígado quer dizer cuidar da saúde como um todo. Então se fazem muito necessários os exames de sangue e de imagem do abdômen. Não se deve, de maneira alguma, esperar ter sintomas — diz Fernando Pandullo, hepatologista do Einstein. — Há quem não beba uma gota de álcool e fique com cirrose porque tem uma predisposição genética associada a hábitos ruins, sobretudo má alimentação.
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O que evitar
Para além da dieta e do sedentarismo, os especialistas concordam que não é porque o produto é dito natural que ele automaticamente se torna inofensivo. Eles indicam, sobretudo, passar longe do uso recorrente de chás absolutamente populares: caso do boldo, da cavalinha, do chá verde, quebra pedra, e os chamados “blends” de ervas vendidos em comércios populares. Há, inclusive, casos conhecidos de morte após o consumo excessivo de produtos do tipo, como da enfermeira Mara Abreu, de São Paulo, no ano passado.
— Muitos casos de intoxicação não são identificados — afirma Raymundo Paraná, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que recomenda passar longe de produtos ditos naturais que podem ter potencial nocivo. — O chá de cavalinha interage com uma série de medicamentos, mas algumas pessoas ainda fazem essa associação.