Saúde
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Por Luis Felipe Azevedo — Rio de Janeiro

A contadora Marina, de 48 anos, dirigia embriagada quando bateu o carro, no momento em que tentava trocar o CD no rádio, na Rodovia Presidente Dutra , em 2008. Com três costelas quebradas, ela foi encaminhada para um hospital na Zona Norte do Rio de Janeiro e relata não ter conseguido se manter longe da bebida nem no momento em que a enfermeira tentava costurar sua orelha, dilacerada no impacto por estar sem cinto de segurança.

— Nesse dia, eu tinha começado a beber às 10h e ia buscar uma amiga para irmos a um bar. Quando cheguei machucada no hospital, vi um vendedor ambulante com cerveja. Até no momento em que recebia atendimento, enquanto o enfermeiro costurava a minha orelha, eu estava com duas latinhas na mão e não sentia dor — relembra.

Este foi o último dos cinco acidentes automobilísticos sofridos por ela enquanto dirigia sob o efeito de álcool, todos com perda total. Em um deles, o veículo capotou e pegou fogo. Marina (nome fictício para preservar a identidade da entrevistada) quase perdeu o irmão na ocasião. Mas, nenhum destes incidentes fez com que ela entendesse a real necessidade de buscar ajuda profissional para combater a dependência em álcool.

— Um alcoólatra não precisa de um motivo para beber. A necessidade do corpo de consumir supera os impulsos de parar com isso. O álcool anestesiava os meus sentimentos, fossem de dor ou felicidade. O problema é que se eu desse o primeiro gole, não parava mais. Eu começava com uma cerveja para relaxar e já pedia mais dez — afirma.

Dependência

Um levantamento do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), com base em dados do Ministério da Saúde, aponta que histórias como a de Marina cresceram no Brasil na última década. A pesquisa considera como consumo abusivo a ingestão de quatro ou mais doses, para mulheres, ou de cinco ou mais doses, para homens, em um mesmo dia.

O estudo aponta que apesar dessa frequência ter sido maior entre homens do que entre mulheres, a taxa permaneceu estável na população masculina - 27,0% em 2010 e 26,6% em 2020 -, enquanto na feminina o índice quase dobrou, foi de 10,5% para 16,0% no período.

Doutora em Saúde Mental e Professora da Pós-graduação do Instituto Delete/UFRJ, Anna Lucia Spear King explica que o álcool desinibe o sistema nervoso. No primeiro momento, ele libera uma sensação de prazer, porém, depois atua como um depressor e fomenta crises existenciais.

— A dependência é uma questão neurológica. O álcool provoca a ativação do sistema de recompensa do cérebro e libera neurotransmissores que nos dão prazer e bem-estar. As pessoas vão recorrendo a doses cada vez mais altas, pois adquirem a chamada tolerância. Passa a ser preciso aumentar a quantidade para garantir a mesma satisfação. Também é comum que uma dependência caminhe para outra — aponta a especialista.

No caso de Marina, a cocaína e maconha acompanhavam o álcool em muitas ocasiões. Ela afirma que o consumo de outras drogas tinha como objetivo a deixar acordada para que conseguisse beber mais. A contadora entende que a dependência fez com que ela perdesse oportunidades profissionais e cometesse atos que colocaram a família em perigo.

— Eu perdi a noção das consequências das minhas atitudes. Negociei a virgindade de uma pessoa próxima, de 11 anos, com o tráfico em troca de cocaína e bebida. Cheguei a subir o morro com ela, mas a menina começou a chorar quando viu os homens armados. Isso foi um despertar para mim e decidi voltar para casa. Também furtei parentes pela emoção e prazer de fazer aquilo. Eu trabalhava e tinha dinheiro, mas sempre queria mais — diz.

A dependente percebeu que o consumo excessivo de álcool poderia fazer mal a ela aos 20 anos, quando acordou de um “apagão” agarrada a um vaso sanitário. Na época, Marina chegou a visitar uma reunião dos Alcoólicos Anônimos, mas não se entendeu como alcoólatra por não estar na mesma condição de desgaste físico que os demais membros do grupo. “Eu não tinha perdido dentes”, pensou.

Recuperação

O momento em que decidiu que precisava mudar os rumos da vida foi quando teve o rosto ralado no asfalto em uma briga e percebeu não suportar mais beber, apanhar e passar noites dormindo na rua. Em 2009, Marina encontrou o site dos Alcoólicos Anônimos (A.A.) (www.aa.org.br/) e pediu ajuda.

Segundo Anna Lucia, o ideal para um tratamento bem-sucedido é que a iniciativa de procurar ajuda seja do dependente. A especialista aponta ser importante que o adicto/dependente busque grupos de ajuda e que a família passe por um acompanhamento psicológico.

— É uma luta diária e o primeiro passo ocorre quando a pessoa toma consciência da sua doença. Caso pare de consumir abruptamente, o dependente entra em crise de abstinência e passa a ter ações perigosas para conseguir voltar a ter acesso às drogas. Por isso, a necessidade de empenho e apoio familiar — aponta.

Com o apoio do grupo e assistência profissional, a dependente parou de beber aos 34 anos e completou 13 anos e 11 meses de sobriedade em março deste ano. Segundo Marina, que comemorava o seu aniversário no dia da entrevista ao GLOBO, o A.A. foi responsável por reintegrá-la na sociedade e a devolveu meios de tornar a sua vida íntegra e feliz, bem como o direito de ser mãe.

— Mesmo depois de todo esse tempo, ainda sinto vontade de beber. Mas, ela vem e passa rápido. Tenho inveja de quem consegue parar após uma latinha. Quando a situação aperta, eu lembro como a minha vida era antes e como está agora. O meu filho, de 9 anos, é a coisa mais importante para mim — conta.

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