Cientistas acreditam que podem usar a engenharia genética para impedir que uma espécie de mosquito portadora da malária propague a doença — e a expectativa é que consigam fazer isso em apenas alguns meses. Em julho, uma equipe esteve na ilha do Príncipe, na África Central, para realizar o experimento.
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Em uma noite abafada, 11 mil mosquitos cobertos de pó verde fluorescente voaram juntos pelo ar denso. Nas dez noites seguintes, um grupo de voluntários humanos sentou-se do lado de fora de suas casas em aldeias e manteve braços e pernas expostos. Eles esperavam pelo leve toque de um mosquito em busca de sangue.
Quando um deles pousava, as pessoas acendiam uma lanterna de cabeça e usavam um tubo de borracha ligado a um frasco de vidro para sugar o inseto. Os mosquitos foram criados a partir de larvas, cobertos de verde e depois soltos por uma equipe internacional de cientistas que tem tentado trazer a ciência genética de ponta para uma luta antiga contra a malária.
Mosquitos modificados poderão acabar com doença mortal
![Uma fêmea do mosquito Anopheles, marcada com pó fluorescente, ao microscópio num laboratório de campo na ilha do Príncipe. Apenas as fêmeas dos mosquitos picam os humanos e, assim, espalham doenças. — Foto: Natalija Gormalova / The New York Times](https://s2-oglobo.glbimg.com/83kQocOJ05nj-KpnxWREcl_0Pbs=/0x0:1600x1067/648x248/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/M/h/6FTsABTLAPrOTZ0SC0Bw/whatsapp-image-2023-10-01-at-11.20.44-am.jpeg)
![Uma fêmea do mosquito Anopheles, marcada com pó fluorescente, ao microscópio num laboratório de campo na ilha do Príncipe. Apenas as fêmeas dos mosquitos picam os humanos e, assim, espalham doenças. — Foto: Natalija Gormalova / The New York Times](https://s2-oglobo.glbimg.com/dcI3Gpy4m_RztkMw6WwdcGBXBQ8=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/M/h/6FTsABTLAPrOTZ0SC0Bw/whatsapp-image-2023-10-01-at-11.20.44-am.jpeg)
Uma fêmea do mosquito Anopheles, marcada com pó fluorescente, ao microscópio num laboratório de campo na ilha do Príncipe. Apenas as fêmeas dos mosquitos picam os humanos e, assim, espalham doenças. — Foto: Natalija Gormalova / The New York Times
![Anton Cornel, à esquerda, explica os passos para uma coleta noturna de mosquitos para um coletor voluntário na vila de São Joaquim — Foto: Natalija Gormalova / The New York Times](https://s2-oglobo.glbimg.com/0FCzfLcQWnlj_4qwIKua8logLYY=/0x0:1600x1067/323x182/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/I/5/n8kxAZS0OkwKF1qTGF7w/whatsapp-image-2023-10-01-at-11.20.44-am-4-.jpeg)
![Anton Cornel, à esquerda, explica os passos para uma coleta noturna de mosquitos para um coletor voluntário na vila de São Joaquim — Foto: Natalija Gormalova / The New York Times](https://s2-oglobo.glbimg.com/4nMXRDE7c_1pqdTph2SH5oCU9B0=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/I/5/n8kxAZS0OkwKF1qTGF7w/whatsapp-image-2023-10-01-at-11.20.44-am-4-.jpeg)
Anton Cornel, à esquerda, explica os passos para uma coleta noturna de mosquitos para um coletor voluntário na vila de São Joaquim — Foto: Natalija Gormalova / The New York Times
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![Mosquitos cobertos de pó brilhavam verdes sob o microscópio no laboratório de campo montado por um júri no Príncipe — Foto: Natalija Gormalova / The New York Times](https://s2-oglobo.glbimg.com/s9dk3gfValcmOaxQ0fSp63ei8nI=/0x0:1600x1067/323x182/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/D/X/InkjpDQoyaUoiwBfenBA/whatsapp-image-2023-10-01-at-11.20.44-am-6-.jpeg)
![Mosquitos cobertos de pó brilhavam verdes sob o microscópio no laboratório de campo montado por um júri no Príncipe — Foto: Natalija Gormalova / The New York Times](https://s2-oglobo.glbimg.com/OY-qGFKq7qRd2QUiS9VzDDy09dQ=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/D/X/InkjpDQoyaUoiwBfenBA/whatsapp-image-2023-10-01-at-11.20.44-am-6-.jpeg)
Mosquitos cobertos de pó brilhavam verdes sob o microscópio no laboratório de campo montado por um júri no Príncipe — Foto: Natalija Gormalova / The New York Times
![Ivan Mugeni Mulongo, técnico em insetos da equipe da Iniciativa contra a Malária da Universidade da Califórnia, usa um aspirador para coletar amostras de mosquitos em Prince — Foto: Natalija Gormalova / The New York Times](https://s2-oglobo.glbimg.com/vUUB_zquyXCTthXz-I950iLtF-g=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/J/z/i0Q81VSNyYh03blTZ8sA/whatsapp-image-2023-10-01-at-11.20.44-am-1-.jpeg)
Ivan Mugeni Mulongo, técnico em insetos da equipe da Iniciativa contra a Malária da Universidade da Califórnia, usa um aspirador para coletar amostras de mosquitos em Prince — Foto: Natalija Gormalova / The New York Times
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![Mulongo com uma gaiola cheia de mosquitos. Os insetos serão marcados com pó fluorescente para rastrear seus movimentos e depois liberados — Foto: Natalija Gormalova / The New York Times](https://s2-oglobo.glbimg.com/rZoICahrobWeJhLEKGQ8PQxFyw8=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/p/C/xAbcVCQoCi0TVCAzNzgQ/whatsapp-image-2023-10-01-at-11.20.44-am-2-.jpeg)
Mulongo com uma gaiola cheia de mosquitos. Os insetos serão marcados com pó fluorescente para rastrear seus movimentos e depois liberados — Foto: Natalija Gormalova / The New York Times
![A equipe, liderada por Gregory Lanzaro, geneticista molecular da Universidade da Califórnia. Davis, à direita, acredita que pode aproveitar o impulso genético na luta contra a malária em São Tomé e Príncipe — Foto: Natalija Gormalova / The New York Times](https://s2-oglobo.glbimg.com/aSk4iTer1dGeCRGGgq-v6jVf_xE=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/X/6/Y8XcOmToaeSswnRMPVxQ/whatsapp-image-2023-10-01-at-11.20.44-am-3-.jpeg)
A equipe, liderada por Gregory Lanzaro, geneticista molecular da Universidade da Califórnia. Davis, à direita, acredita que pode aproveitar o impulso genético na luta contra a malária em São Tomé e Príncipe — Foto: Natalija Gormalova / The New York Times
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![Cornel espanando mosquitos com pó fluorescente antes de soltá-los ao pôr do sol. — Foto: Natalija Gormalova / The New York Times](https://s2-oglobo.glbimg.com/cIVptcoO6Riyub1ThMOxLlstvPg=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/1/j/ckbxqTSceZ9SsmtF6ycQ/whatsapp-image-2023-10-01-at-11.20.44-am-5-.jpeg)
Cornel espanando mosquitos com pó fluorescente antes de soltá-los ao pôr do sol. — Foto: Natalija Gormalova / The New York Times
Durante cada uma das dez manhãs após a liberação dos mosquitos, os cientistas se espalharam ao longo da costa da ilha e coletaram os copos cheios de insetos. Em seguida, os levaram para um laboratório improvisado em sua suíte de hotel na única cidade da ilha, Santo Antônio, onde os observaram sob a luz de um microscópio fluorescente.
Mosquitos verdes
Doze dos 253 mosquitos capturados brilhavam com pequenas partículas do pó verde que aderiu a seus corpos escamosos. Os insetos verdes ofereceram informações sobre a distância que voaram e o tamanho da população de mosquitos, pistas sobre a dinâmica da malária no país. Eles também fizeram com que os cientistas se aproximassem de seu objetivo: substituir os mosquitos que vivem na região por aqueles geneticamente modificados, de modo que não possam mais transmitir o parasita.
A ideia é liberar uma pequena colônia de mosquitos modificados, da mesma forma que fizeram com os mosquitos cobertos de verde, para acasalar com os selvagens. A tecnologia de engenharia genética que estão usando poderia, em apenas algumas gerações — o que, quando se trata de mosquitos, é apenas uma questão de meses —tornar todos os membros da espécie que transmite a malária local, a Anopheles coluzzi, efetivamente imunes ao parasita.
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A equipe já conseguiu com sucesso modificar geneticamente o Anopheles coluzzi para bloquear o parasita em laboratório. Os cientistas acreditam que podem utilizar a técnica de gene drive, processo no qual uma caraterística herdada se espalha rapidamente por toda a população, para que todos os filhotes da espécie a carreguem.
Evolução da espécie
A jornada para a eliminação da doença, porém, é complicada e custosa. Na região, assim como em outros países que suprimiram dramaticamente a malária, os mosquitos evoluíram para resistir a todos os inseticidas atualmente em uso. Eles também começaram a picar ao ar livre e durante o dia, em vez de dentro de casa e à noite, quando a maioria da transmissão de malária costumava ocorrer.
Ou seja, o próprio parasita está evoluindo para resistir aos principais tratamentos. E o financiamento para a malária estagnou, mesmo quando as intervenções necessárias ficaram mais caras. Greg Lanzaro, um geneticista molecular da Universidade da Califórnia que lidera a equipe de malária, acredita que seu grupo tem a solução.
— Estamos trabalhando nisso há 30 anos, e desde o início dissemos: ‘Tem que funcionar, mas também tem que ser barato e sustentável’ — disse ele enquanto observava os mosquitos sendo liberados em um parque em Santo Antônio. — E acreditamos que conseguimos.
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No entanto, os governos estão hesitantes, e poucos países africanos têm leis para regular o uso da tecnologia. Seus riscos residem nas incógnitas: poderia o mosquito modificado evoluir de alguma forma que tenha efeitos prejudiciais sobre o restante do ecossistema? Poderia provocar uma mutação perigosa no parasita da malária, que encontraria uma nova maneira de se espalhar para sobreviver?
— Seríamos o primeiro lugar do mundo com esses mosquitos, e isso me assusta. Quando é a primeira vez que estão fazendo isso, você não sabe o que poderia acontecer — disse Yata Mota, que trabalha como guia em um centro turístico de São Tomé.
Esses medos são a razão pela qual a equipe da Universidade da Califórnia escolheu São Tomé e Príncipe para seu experimento: a nação insular é isolada e tem tráfego internacional limitado. A equipe também elaborou um plano para exterminar a população de seus mosquitos modificados se houver necessidade de encerrar o experimento por qualquer motivo.
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