Saúde
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Por , Em The New York Times

Quando a palma da mão carnuda de Vasil Kamotskii, um criador de porcos siberiano de 163 kg e 34 anos conhecido como Dumpling, atingiu a bochecha macia do homem que o encarava, soou como um trovão. Durante a competição, que aconteceu no final de junho deste ano, Dumpling não parecia fazer muito esforço. Ele balançou preguiçosamente, como se estivesse espantando uma mosca. Mas foi o suficiente para fazer seu oponente, Kamil Marusarz, um jovem de 26 anos, cair no chão.

Árbitros e a equipe médica no palco do Cobalt Ballroom, no Fontainebleau Hotel and Casino, em Las Vegas, correram para socorrer o jovem. Qualquer hesitação na torcida e nos aplausos da plateia de 3.500 mil pessoas foi aliviada quando alguém, com uma visão clara do ringue, gritou que Marusarz ainda estava respirando. A atmosfera tinha a a jocosidade embriagada de uma despedida de solteiro.

Então, Kamotskii levantou o punho, com um sorriso triunfante enquanto o locutor o declarava como vencedor. Marusarz, no entanto, permaneceu imóvel no chão. Ao todo, a luta (se é que podemos chamar assim) durou cerca de 30 segundos. A maioria dos fãs concordou que foi o destaque do evento de 8 combates da noite, no qual uma dupla de competidores após a outra se manteve firme e trocou tapas ensurdecedores.

Isaih (Pretty Boy) Quinones exibindo seu protetor bucal e Dayne (Da Hawaiian Hitman) Viernes aplicando giz antes de dar um tapa — Foto: Daniel Dorsa / The New York Times
Isaih (Pretty Boy) Quinones exibindo seu protetor bucal e Dayne (Da Hawaiian Hitman) Viernes aplicando giz antes de dar um tapa — Foto: Daniel Dorsa / The New York Times

Dumpling tem lutado com tapas no rosto em sua terra natal, a Rússia, há muitos anos. Na verdade, ele é considerado um dos pioneiros desse esporte improvável, ajudando a popularizá-lo com vídeos virais no YouTube. No entanto, esta foi sua primeira vez participando do Power Slap, a liga de lutas de tapa na cara, criada pelo presidente do UFC, Dana White, que gera grandes quantias de dinheiro. White, que tem 54 anos, foi inspirado a fundar a liga em 2021, quando viu os vídeos de Dumpling. Impressionado com a proposta chamativa, ele queria ver o que aconteceria se o esporte fosse "feito da maneira certa" – ou seja, por ele mesmo, presidente do maior evento de artes marciais mistas do mundo.

Mais de 3 mil pessoas lotaram o Cobalt Ballroom, em Las Vegas, para ver a competição — Foto: Daniel Dorsa / The New York Times
Mais de 3 mil pessoas lotaram o Cobalt Ballroom, em Las Vegas, para ver a competição — Foto: Daniel Dorsa / The New York Times

— A resposta é 7 bilhões de visualizações em 17 meses — afirmou White, referindo-se sobre uma estatística da Power Slap em vários canais de mídia social, incluindo YouTube, TikTok e Snapchat. O presidente do UFC gosta de enumerar os totais de seguidores e como eles se comparam (sempre favoravelmente) a vários esportes de grandes ligas. — O Power Slap ganhou mais de 1 milhão e meio de seguidores no Instagram só em 2024, até o momento. Número maior do que a NASCAR, a Major League Soccer, a NFL, Major League Baseball e a NHL — acrescentou.

Riscos Extremos

O combate de tapas era uma competição sem forma de troca de golpes fortes e de mão aberta até o nocaute. White, com seus consideráveis recursos, conduziu-o em direção, se não ao respeito, pelo menos a uma aparência de ordem, estabelecendo um conjunto de regras oficiais e implementando protocolos que dão à empresa a roupagem de um esporte legítimo. Para esse fim, Dana disse que a organização "correu em direção à regulamentação", trabalhando ativamente com grupos como a Comissão Atlética de Nevada, que licenciou oficialmente a organização para sediar eventos sob sua jurisdição, reforçar a legitimidade da liga e "garantir que o esporte seja regularizado e seguro."

A longa e árdua jornada do UFC para a legalização e legitimidade foi resultado de esforços concentrados de lobby e batalhas legais de anos. Em 2016, a organização finalmente conseguiu a aprovação para seus eventos de cada um dos 50 estados, superando a oposição daqueles que criticavam a violência física muitas vezes extrema, que estudos mostraram envolver um alto risco de lesão na cabeça.

Vern (O Mecânico) Cathey prestes a dar um tapa em Austin (Turp Daddy Slim) Turpin — Foto: Daniel Dorsa / The New York Times
Vern (O Mecânico) Cathey prestes a dar um tapa em Austin (Turp Daddy Slim) Turpin — Foto: Daniel Dorsa / The New York Times

No entanto, o caminho do Power Slap para a legitimidade pode ser ainda mais íngreme. Os céticos dizem que as regulamentações são basicamente irrelevantes, já que os danos causados pela luta de tapa são intrínsecos à ação e não podem ser mitigados.

— Isso não é um esporte, ok? É um evento. Um esporte é uma competição de atletismo ou habilidade. [O Power Slap] é meramente uma habilidade fisiológica de suportar um traumatismo contundente na cabeça. É como ver quantas vezes alguém pode bater contra uma parede de tijolos — contou Gregory O'Shanick, diretor médico da Associação de Lesões Cerebrais da América.

White apontou o UFC, outro esporte de combate brutal, como um precedente.

— Não recebemos crédito suficiente por isso: nunca houve uma morte ou lesão grave em 30 anos. É um esporte de combate, mas gastamos dinheiro para garantir que seja o mais seguro possível, e o mesmo com o Power Slap — defendeu. Por outro lado, alguns estudos indicaram que as lutas do UFC também causaram potenciais lesões cerebrais traumáticas.

Frank Lamicella, o presidente do Power Slap, tinha uma atitude mais livre.

— Há duas pessoas se batendo na cabeça. Se eu fosse médico, provavelmente diria a elas: 'Ei, talvez essa não seja a melhor ideia'. Mas se duas pessoas querem fazer isso, nós fornecemos a plataforma, e gastamos uma tonelada de dinheiro para garantir que estejam seguras — relatou o presidente.

Lamicella, que era advogado no escritório Paul Weiss, tornou-se próximo de Dana White e do restante da equipe do UFC depois de ajudar a facilitar o acordo que trouxe a organização para o guarda-chuva da Endeavor, expondo os rigorosos protocolos de segurança que a liga estabeleceu. Os competidores fazem ressonâncias magnéticas, angiografias e eletrocardiogramas; exames físicos, de sangue e testes de visão. "Mais do que em qualquer outro esporte de combate", há dois árbitros e várias equipes médicas de emergência e ambulâncias em espera, caso um competidor precise ser levado ao hospital.

Os competidores recebem uma sequência de tapas na cara até o nocaute — Foto: Daniel Dorsa / The New York Times
Os competidores recebem uma sequência de tapas na cara até o nocaute — Foto: Daniel Dorsa / The New York Times

O'Shanick é um dos autores de uma carta aberta, divulgada pela Associação de Lesões Cerebrais da América, pedindo a proibição do Power Slap. Para o médico, os golpes sofridos em uma luta de tapa são piores do que o que você pode experimentar no futebol americano ou no boxe, principalmente pelos competidores não terem permissão de se defender – o que significa que é provável que sejam atingidos na cabeça várias vezes no mesmo lugar ao longo de uma luta. Isso pode levar a concussões, perda de audição, convulsões ou até encefalopatia traumática crônica (CTE).

— Haverá mortes por isso. Não há dúvida. Haverá mortes — repetiu O'Shanick.

Dayne Viernes, um lutador de tapa conhecido profissionalmente como Da Crazy Hawaiian, expressou reservas iniciais sobre a segurança do esporte, em parte por causa dos avisos que recebeu.

— Havia muitas pessoas me falando sobre CTE, danos cerebrais e todas essas coisas. Agora, estou ouvindo meu corpo e muito bem, e não acredito que isso me afetará da maneira como algumas pessoas pensam — assegurou Viernes, que aceitou o risco.

Sobre o CTE, O'Shanick disse que, devido à natureza desses tipos de lesões cerebrais, os portadores nem sempre sabem que estão afetados.

Turp Daddy Slim Turpin caindo após o golpe — Foto: Daniel Dorsa / The New York Times
Turp Daddy Slim Turpin caindo após o golpe — Foto: Daniel Dorsa / The New York Times

Os críticos ficaram alarmados com a possibilidade de que esses comportamentos pudessem ser replicados no pátio da escola por crianças impressionáveis, especialmente dado o crescimento do esporte nas redes sociais.

O'Shanick ainda disse que estava preocupado com os jovens fazendo isso, mas, quanto aos adultos, ele parecia mais irreverente.

— Se você adotar uma perspectiva libertária, você não legisla isso e simplesmente deixa a seleção natural acontecer. Eventualmente, todas as pessoas envolvidas nisso vão morrer, e você não precisará se preocupar com a reprodução de população — explicou ele.

Embora seus eventos em Las Vegas sejam transmitidos ao vivo na plataforma de vídeo Rumble, a maioria das pessoas assiste ao Power Slap nas redes sociais, onde têm a oportunidade de oferecer feedback em tempo real. O teor dos comentários nos vídeos tende a ser um tanto apocalíptico: as pessoas não estão apenas dizendo que é estúpido, mas que é de alguma forma emblemático da estupidez da humanidade.

— É por causa de um tapa, apenas um tapa. Eles estão agindo como se você tivesse acabado de ver alguém ser atingido com um taco de beisebol — ironizou White, rindo.

Lamicella analisou que o dilúvio de comentários negativos online acelerou o crescimento do esporte, porque os algoritmos das redes sociais favorecem o volume de respostas sem distinguir respostas positivas de negativas.

Segundo o presidente do Power Slap, de ele fosse médico, diria aos competidores que os tapas na cara não são uma boa ideia — Foto: Daniel Dorsa / The New York Times
Segundo o presidente do Power Slap, de ele fosse médico, diria aos competidores que os tapas na cara não são uma boa ideia — Foto: Daniel Dorsa / The New York Times

— Sempre que você deixa um comentário ruim em um vídeo do Power Slap, isso me ajuda. Então, obrigado — debochou. O Power Slap, agora, lista mais de 80 "strikers" em seu site.

Já Dana White, que foi flagrado dando um tapa na própria esposa em público no ano passado, disse que já havia enfrentado esse tipo de crítica antes, quando tentava expandir o UFC.

— Todos diziam que o UFC não era um esporte de verdade, que era bárbaro e que nunca ia dar certo — relembrou.

Desde sua fundação, em 1993, e especialmente desde que White assumiu a organização, em 2001, o UFC amadureceu de nicho para mainstream, com mais de US$ 1 bilhão em receita anual e milhões de pessoas sintonizando suas transmissões regulares de pay-per-view, na ESPN.

No final da noite, no Cobalt Ballroom, Da Crazy Hawaiian comemorava sua vitória na luta principal do campeonato dos superpesados, sorrindo e rugindo, abservando os aplausos da multidão. Ao levantar seu cinturão, um locutor perguntou se da próxima vez ele estaria disposto a enfrentar Dumpling. Então, ele gritou: "Eu quero tanto o Dumpling. Me alimentem! Me alimentem!", disse, rindo e esfregando a mão na barriga.

Quando perguntado sobre o que ele gostaria que o mundo soubesse sobre o Power Slap, Da Crazy Hawaiian fez uma pausa para dar ênfase: "Gostem ou não, isso é um esporte e estamos fazendo isso de qualquer maneira".

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