Saúde
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Por — Rio de Janeiro

RESUMO

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GERADO EM: 11/07/2024 - 04:31

Desafios e avanços no tratamento do Alzheimer.

Novas drogas aprovadas nos EUA retardam a perda cognitiva em pacientes com Alzheimer, mas efeitos colaterais e custos elevados são desafios. Terapias combinadas com foco em diferentes alvos da doença são previstas para os próximos anos.

Faz mais de 100 anos desde que o psiquiatra alemão Alois Alzheimer, em 1906, descreveu pela primeira vez a doença que levaria seu nome e responderia por até 70% dos 55 milhões de casos de demência pelo mundo hoje – 1,2 milhões deles no Brasil. Porém, mesmo após tanto tempo, o Alzheimer segue um desafio, e as terapias não conseguem interromper a progressão da doença.

O cenário, porém, tem começado a mudar com a aprovação de novas drogas nos Estados Unidos que atacam uma das proteínas que se acumulam no cérebro dos pacientes com Alzheimer, a beta-amiloide. Pela primeira vez, foi demonstrado um benefício clínico em retardar a perda cognitiva, ainda que de forma modesta.

Além disso, há no momento outras 127 drogas nos testes clínicos que utilizam diferentes técnicas e alvos da doença no cérebro – como vacinas terapêuticas, remédios orais, anticorpos para limpar a outra proteína, chamada tau, e medicamentos direcionados à neuroinflamação.

Especialistas avaliam que os novos fármacos antiamiloide e os mecanismos inéditos em estudos devem levar a um cenário na próxima década de terapia combinada que será mais eficaz em conseguir enfim diminuir de maneira considerável o ritmo da neurodegeneração.

Porém destacam que ainda há muito sobre a biologia do Alzheimer que é desconhecido, o que torna distante a perspectiva de conseguir interromper de fato a doença, afirma Adalberto Studart Neto, secretário do departamento científico de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia (ABN):

— Pode ser que muito no futuro cheguemos a algum lugar de terapia única, mas o grande problema é a busca pelo elo perdido na fisiopatologia do Alzheimer. O que sabemos sobre a doença hoje é que ela envolve a deposição de duas proteínas no cérebro, primeiro a beta-amiloide e, depois, a tau, que é quando os sintomas começam a aparecer. A amiloide se deposita do lado de fora o neurônio, e a tau do lado de dentro. Por isso removê-la é mais difícil.

Pela ordem, havia a esperança de que eliminar os aglomerados de amiloide interromperia a progressão do Alzheimer. Inúmeras drogas falharam, porém em 2023 a FDA, agência americana equivalente à Anvisa no Brasil, aprovou o lecanemabe, vendido sob o nome comercial de Leqembi pelas farmacêuticas Eisai e Biogen, que foi o primeiro a demonstrar uma eficácia nesse sentido. Neste ano, o órgão deu o sinal verde para o donanemabe, comercializado como Kisunla pela Eli Lilly, que age de forma semelhante.

— Ambos os estudos envolveram pacientes em estágios inciais do Alzheimer acompanhados ao longo de 18 meses. O que se observou é que nesse período as pessoas tratadas tiveram uma redução de aproximadamente 30% na progressão da doença. Mas essas medicações não proporcionam benefícios sintomáticos perceptíveis, você não vai observar uma melhora clínica, é uma redução na velocidade do declínio. Então a expectativa tem que ser muito bem trabalhada, precisamos ser realistas — diz Paulo Caramelli, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do conselho consultivo da Sociedade Internacional para o Avanço da Pesquisa e Tratamento da Doença de Alzheimer (Istaart).

Além do desempenho tímido, os remédios têm riscos consideráveis: cerca de 15% a 25% dos participantes nos testes desenvolveram quadros de edemas e hemorragias cerebrais. A maioria foi solucionado ao interromper a medicação, porém algumas mortes foram ligadas aos medicamentos nos estudos. Outro desafio é que os remédios são aplicados por injeções em meio hospitalar e têm custos elevados, que chegam a 172 mil reais ao ano, segundo a cotação atual do dólar.

Novos medicamentos em testes

Para os neurologistas, os resultados deixam claro que atuar somente sobre a beta-amiloide não será suficiente para alcançar desfechos mais significativos contra o Alzheimer. Por isso, preveem um futuro que envolverá terapias combinadas, com foco em diferentes alvos da doença.

— É uma doença com múltiplos mecanismos de ação, a beta-amiloide é um deles. A médio e longo prazo, de três a sete anos, não temos a perspectiva de estabilizar a doença, mas o que vamos ter é remédios novos que seguram cada vez mais, retardam mais a progressão. Para a estabilização ainda há um longo caminho, porque ainda estamos começando a entender doenças neurodegenerativas de um modo geral — diz Rodrigo Schultz, doutor em neurologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e ex-presidente da Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz).

Nesse contexto, Claudia Suemoto, professora de Geriatria da Faculdade de Medicina da USP e diretora do Biobanco para Estudos em Envelhecimento da universidade, cita que um dos mecanismos mais promissores em testes é a eliminação da proteína tau:

— Nossos estudos aqui no banco de cérebros, assim como de outros lugares do mundo, mostram que a maior correlação clínica do Alzheimer é com a proteína tau, ou seja, os sintomas têm muito mais relação com o seu acúmulo e onde ela se deposita no cérebro. Acredito que se tivermos uma terapia no mesmo estilo das antiamiloides, mas contra a tau, veremos melhores resultados. Tem algumas sendo desenvolvidas, o caminho é por aí.

Um dos problemas é conseguir removê-la, já que ela está dentro do neurônio. Mas há anticorpos em fases avançadas dos estudos clínicos – que contam geralmente com três etapas. O único na terceira delas é o E2814, desenvolvido pela Eisai, mesmo laboratório do lecanemabe. O perfil é semelhante, injeções intravenosas, e os resultados são esperados para os próximos anos.

— Outro mecanismo que vejo como um dos principais é em relação à neuroinflamação. Múltiplos estudos mostram uma resposta inflamatória importante no cérebro no decorrer da doença. Alguns sugerem que a progressão da beta-amiloide para a tau talvez seja desencadeada por ela. Então esse mecanismo, se ele realmente exercer esse papel, pode ser um alvo terapêutico importante, e existem medicamentos testando essa abordagem — diz Suemoto.

Um deles, também na fase 3 dos testes clínicos, já é bastante conhecido: a semaglutida, princípio ativo do Ozempic e do Wegovy. A expectativa é que ela reduza a inflamação em todo o corpo, e consequentemente no cérebro, e que melhore a utilização da glicose pelos neurônios, reduzindo a sua degradação.

— Existe uma relação próxima da diabetes com a demência. Então sempre se buscou medicamentos para diabetes que poderiam ser usados para o Alzheimer. Agora temos os agonistas do GLP-1, que é principalmente a semalgutida, com essa perspectiva — afirma Cristoforo Scavone, professor de Farmacologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, onde dirige o Laboratório de Neurofarmacologia Molecular.

Scavone conta ainda que existem outros mecanismos que ainda não são tão bem compreendidos, mas que já são alvos de drogas em testes clínicos:

— Toda proteína quando não é mais funcional no nível celular ela vai para um sistema que chama de proteassomo que elimina ela. Essa atividade de descarte é que parece ser prejudicada no Alzheimer, por isso o paciente começa a acumular a amiloide e a tau. Dentro disso, existe a busca por moléculas que possam atuar para melhorar o proteassomo.

Uma delas está em fase 3 dos testes: o buntanetap, da farmacêutica Annovis Bio. Administrada por via oral, o que facilita a administração, a molécula teve resultados promissores em animais e nos estágios iniciais dos estudos com humanos. E, como atua no descarte de proteínas de um modo geral, ela se mostrou com potencial para a eliminação da amiloide, da tau e até da alfa-sinucleína, uma proteína ligada à doença de Parkinson.

Por fim, há diversos medicamentos que continuam a ter a amiloide como alvo, mas que buscam um desempenho maior. A Eli Lilly, do donanemabe, conduz a última fase dos testes com o remternetug, um anticorpo semelhante, porém mais novo. E existem outras formas de buscar a eliminação da proteína. A AC Immune, por exemplo, tem uma vacina terapêutica na fase 2 dos testes clínicos. A expectativa, porém, não é tão alta, conta Studart Neto:

— O lecanemabe e o donanemabe são o que chamamos de imunização passiva, anticorpos que não são produzidos pela pessoa. Já a vacina é uma imunização ativa, você estimula o próprio organismo do paciente a produzir o anticorpo. Isso foi muito estudado durante o início dos anos 2000, mas todas as vacinas falharam e houve reações adversas muito graves, casos de meningite, de encefalite. Hoje são outras tecnologias, precisamos esperar. Mas acredito que a remoção da proteína amiloide sozinha não vai ser suficiente para ter um efeito mais robusto sobre a doença.

Outro medicamento antiamiloide em testes é o valiltramiprosate, do laboratório Alzheon. Ele é um aminoácido modificado na última etapa dos estudos que utiliza um mecanismo diferente no cérebro para eliminar as placas de beta-amiloide. O principal diferencial, no entanto, é que ele é adminsitrado por via oral, o que facilitaria a administração. Além disso, não demonstrou efeitos adversos graves observados com os anticorpos atuais.

— A briga hoje é para que se encontre medicamentos com ações melhores, efeitos colaterais menores e com um custo reduzido. Por exemplo, se o paciente puder receber fora de um hospital, isso já seria um avanço — diz Scavone.

A busca pelo ‘elo perdido’

Para os próximos 10 anos, os pesquisadores imaginam que o tratamento será como um coquetel que atua sobre diferentes mecanismos do Alzheimer. Porém, para de fato interrompê-lo, seria importante entender melhor o surgimento da doença, conta Studart Neto:

— Não sabemos o que leva a esse depósito das proteínas no cérebro em primeiro lugar, por exemplo. Por mais avanço que tivemos nos últimos anos, nosso conhecimento ainda é muito limitado nesse sentido.

Uma das dificuldades é também conseguir separar a doença de outras neuropatologias, explica Caramelli: — O Alzheimer como causa isolada de comprometimento cognitivo é a exceção, não a regra. Sabemos por estudos de cérebros de pessoas que morreram com demência que comumente o Alzheimer está associado a outras doenças neurodegenerativas. Um estudo norte-americano apontou que, após os 80 anos, 25% dos pacientes tinham 4 doenças neurodegenerativas.

Já para pensar em uma reversão da perda cognitiva nos pacientes em estágios avançados, com Alzheimer ou outras formas de demência, o caminho é ainda mais longo. Isso porque envolveria repor os neurônios perdidos, o que hoje não é possível, diz Suemoto:

— Não temos métodos efetivos de aumentar a neuroplasticidade, que é a capacidade de o cérebro gerar novas células. Essa habilidade existe em qualquer idade, é extremamente acelerada em bebês, por isso aprendem muito. Mas vamos perdendo isso ao longo da vida. Então é difícil pensar em recuperar o que foi perdido. Precisaria de algo que hoje ainda não sabemos como. Não vejo um futuro próximo com essa perspectiva.

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