A Fiocruz assumiu a manutenção e o apoio à Fundação Ataulpho de Paiva (FAP), cuja fábrica em São Cristóvão, no Rio, está parada há mais de cinco anos, após interdição pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A instituição, com mais de 120 anos de história, era responsável por produzir a vacina BCG, que protege bebês e crianças contra formas graves da tuberculose.
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Desde a interdição, o Brasil vem importando o imunizante da Índia. Agora, a Fiocruz, por meio do Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP) vai investir recursos e conhecimento técnico na finalização da planta da fábrica de Xerém, no Rio de Janeiro, que nunca foi concluída.
A expectativa é que as obras fiquem prontas em cerca de três anos, quando, após certificação da Anvisa, a produção será retomada definitivamente no local, já que a a fábrica de São Cristóvão não tem mais condições de voltar a operar.
De acordo com o diretor-presidente do IBMP, Pedro Ribeiro Barbosa, “enquanto isso, a perspectiva é que a FAP volte a produzir a vacina BCG através de alguma fábrica alugada, mantendo a BCG como um produto da FAP, mas produzido em outra fábrica”.
— Hoje nós temos uma nova FAP, com nova institucionalidade e com capacidade, dado o apoio do IBMP de gerar uma nova condição e sua recuperação econômica e o retorno das atividades — afirma Barbosa, reforçando que a fundação mantém sua autonomia, após passar por reforma dos seus estatutos e mudança nos conselhos, com nomes avalizados pela Fiocruz.
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A iniciativa de apoiar a FAP surgiu a partir de demanda do próprio Ministério da Saúde, com a mudança de gestão do novo governo. A Fiocruz então adotou a criação de um novo modelo, a partir do qual o IBMP se torna mantenedor da Fundação e assume o seu controle institucional.
Produção nacional
Para a pneumologista Margareth Dalcolmo, pesquisadora da fundação e colunista do GLOBO, a produção nacional da vacina BCG é de suma importância:
— Um país como o Brasil, uma das maiores economias do mundo, mostrou a si mesmo depois da pandemia que a autonomia na produção de medicamentos e vacinas é estratégica. Não tínhamos luva, remédio, máscara... Insumos básicos. Ter ganhado autonomia com a nacionalização da vacina contra a Covid-19 da AstraZeneca foi muito importante. Agora, o Brasil também já tem recomendação da OMS para desenvolver a plataforma de RNA mensageiro. Não é possível que nós continuemos importando matéria prima até mesmo para doenças endêmicas, por exemplo. Temos 215 milhões de habitantes.
A médica conta que a cepa da vacina BCG usada no Brasil chama Moreau e foi trazida do Instituto Pasteur, na França, em 1928. Foi a partir dela que a FAP passou a produzir a vacina, a princípio oral e depois intradérmica. Segundo ela, “a nossa BCG é considerada uma das melhores vacinas BCG do mundo, em termos de proteção”. Essa cepa especial está armazenada hoje na Fiocruz.
— O bacilo propriedade da FAP é um dos melhores, se não o melhor bacilo do mundo, que produz a melhor vacina do mundo — reforça Barbosa. — A produção nacional é uma questão de soberania, nós acabamos de viver essa pandemia da Covid e vimos o que significa depender de vacinas importadas a custos mais altos e ainda por cima com risco de desabastecimento. A produção nacional, portanto, é uma questão estratégica e que atesta uma capacidade nacional, gerando emprego, renda, e obviamente mais acesso.
O diretor-presidente do IBMP vê a produção como parte de um reforço em todo o Programa Nacional de Imunizações (PNI):
— Quanto mais vacina nacional houver, mais esse programa tende a ser um programa de sucesso, autônomo e soberano. Enfatizando, obviamente, a cultura da vacinação como algo fundamental para a saúde pública em termos de prevenção, que é uma conquista da ciência.
Vacina e medicamento
A vacina BCG é aplicada em recém-nascidos, geralmente nas suas primeiras 72 horas de vida. É ela a responsável por aquela marquinha no braço que, felizmente, quase todo mundo que nasceu depois de 1976 tem. O seu objetivo é proteger contra formas graves de tuberculose.
Embora vá perdendo sua capacidade protetora com o passar dos anos, ela é fundamental para proteger os bebezinhos e as crianças, que ainda são muito indefesos e, em caso de contato com um adulto transmissor, podem desenvolver formas graves da doença, principalmente a meningite por tuberculose, que tem taxa de morbimortalidade de 50%.
Além da vacina, a FAP também produzia o medicamento da BCG, que não tem nada a ver com a vacina, sendo usado no tratamento do câncer de bexiga.
— Hoje para quem tem câncer de bexiga é preciso importar esse remédio e é caro. Nós tínhamos isso de boa qualidade, todos os oncologistas usavam — explica Margareth Dalcolmo.