Vacina é Saúde
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Por Ana Lucia Azevedo

O fim da pandemia de Covid-19 não trouxe descanso para a pneumologista Margareth Dalcolmo. Uma das lideranças médicas mais atuantes contra o coronavírus e a desinformação que se espalhou como vírus durante o governo passado, Dalcolmo preside a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e continua sua luta contra um velho inimigo que se fortaleceu na pandemia: a tuberculose. Na entrevista a seguir, ela traça um panorama de novas vacinas e do desafio à frente.

Como está o controle da tuberculose?

A tuberculose está num momento muito delicado no Brasil e no mundo. A pandemia de Covid-19 prejudicou muito o controle.

Como o controle da doença foi afetado?

Muitos serviços de atendimento deixaram de funcionar. Na Fiocruz não interrompemos o atendimento, mas muitos pacientes pararam de ir. As consequências foram severas, os casos se agravaram e a doença se espalhou.

O aumento de casos foi significativo?

Sim. Em 2022, o Brasil passou de 70 mil para 80 mil casos por ano. As mortes saltaram de quatro mil para cinco mil por ano. Houve um grande retrocesso. A Organização Mundial de Saúde (OMS) planejava alcançar a eliminação da tuberculose até 2030, mas isso dificilmente será possível.

O que significa eliminar a tuberculose?

Ela não será erradicada, mas ficará sob controle. A OMS quer chegar a 10 casos por 100 mil habitantes.

E como está a situação?

Bem distante disso. No Brasil, por exemplo, a média é de 38 casos por 100 mil. Mas falar em média no Brasil não quer dizer muita coisa porque há enormes discrepâncias regionais. O Rio de Janeiro, por exemplo, tem 96 casos por 100 mil, é o pior estado. A Região Norte tem números parecidos. E existe o grande paradoxo do Brasil.

Qual é?

O SUS oferece o tratamento completo, temos todas as drogas. Poderíamos curar todo mundo. Mas a aderência ao tratamento, que é longo e leva meses, não é boa. Além disso, muita gente nem sabe que tem a doença (no mundo, se estima que uma em cada quatro pessoas tenha a infecção latente, a doença pode passar anos sem apresentar sintomas). Temos ainda a emergência de outras micobactérias, além da Mycobacterium tuberculosis. Elas já foram reconhecidas como doenças emergentes e algumas formas são incuráveis.

A senhora esteve à frente de um estudo que avaliou a eficácia da BCG (Bacillus Calmette–Guérin) contra a Covid-19. Quais foram os resultados?

Ela não serve contra a Covid-19. Se achava que poderia fortalecer a resposta imune contra a infecção pelo coronavírus, mas isso não acontece.

E no combate da tuberculose?

Ela continua a ser a única vacina que temos e é muito importante para as crianças. Na última avaliação da câmara técnica, optamos por manter a recomendação da BCG nas maternidades. Mas falta adesão ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) e a oferta é muito desigual nos estados. Muitas crianças não são vacinadas. Saem da maternidade desprotegidas e seja o que Deus quiser. Não precisava ser assim. E se na casa de uma criança não vacinada houver alguém com tuberculose? O risco de ela desenvolver meningite é muito alto. Já vimos isso no passado.

Quando?

Na década de 80 do século XX, o Rio Grande do Sul optou por não vacinar as crianças contra a tuberculose e viu as taxas de meningite causada por tuberculose se elevarem a um patamar muito maior do que o do restante do país. Foi uma forma triste de aprender.

E como estamos hoje?

Retrocedemos. O Brasil começou a usar a BCG em 1976, quem nasceu depois disso tomou. E a cobertura alcançou 100%. Mas isso se deteriorou muito, está em 60% e varia por região. Há maternidades que não aplicam a BCG. Ela é intradérmica, é preciso saber aplicar. E, além disso, não está disponível em muitas maternidades.

A BCG já tem mais de um século. Por que não temos ainda novas vacinas, sendo a tuberculose uma das doenças infecciosas que mais mata no mundo, com 1,6 milhão de mortos por ano?

Há uma combinação de fatores. Primeiro, é bastante complexo desenvolver um imunizante contra uma doença que afeta a imunidade celular, assim como a Aids e a diabetes. E a Aids fez a tuberculose voltar com força no mundo. Além disso, com o avanço do tratamento, a tuberculose se tornou uma doença da exclusão, com pouco apelo comercial para os grandes laboratórios farmacêuticos. E agora a tuberculose passou a ter um novo componente.

Qual?

O uso de imunobiológicos. Eles são drogas muito importantes, usadas contra uma série de doenças dermatológicas, reumatológicas, intestinais entre outras. Mas eles inibem a TNF-alfa, que é justamente a grande proteção contra Mycobacterium tuberculosis e, com isso, podem levar à ativação da tuberculose latente. Por isso, o recomendável é que antes de iniciar o tratamento com imunobiológico se faça profilaxia da tuberculose, mas isso nem sempre acontece.

Então precisamos de uma nova vacina?

Sim, vacinas salvam mais vidas do que qualquer outra coisa. Mas a pergunta a fazer nos testes é se a vacina vai tratar o indivíduo infectado ou se vai conseguir também prevenir a infecção. É muito difícil. Precisamos de uma vacina que proteja contra a infecção e também quem já está infectado, que trate a infecção latente. Por ora, essa pergunta ainda não foi respondida por nenhum dos imunizantes em desenvolvimento.

Recentemente a Fundação Bill & Melinda Gates e o Wellcome Trust destinaram US$ 500 milhões para a realização da última fase de ensaios clínicos de uma vacina desenvolvida pelo laboratório GSK. Qual a perspectiva?

Essa vacina é uma fusão de dois antígenos. Funcionou bem em testes em menor escala, mas precisamos ver como será sua ação no mundo real. Há ainda outros dois imunizantes em testes. Uma é constituída por uma edição gênica da BCG e existe ainda outra, liofilizada, que seria mais resistente ao calor e, por isso, melhor.

E enquanto não temos novas vacinas, quais as prioridades?

Diagnosticar e tratar profilaticamente. O SUS oferece o tratamento profilático. E a partir do ano que vem o Brasil deve voltar a produzir a BCG, na Fiocruz.

A senhora acha que a tuberculose continua a ser subestimada por parte de nossa população?

Sim. Muita gente nem sabe que ela pode afetar o corpo todo e nem sempre é diagnosticada corretamente. Atendemos casos de formas extrapulmonares extremamente graves. A tuberculose pode atingir o sistema nervoso central, os ossos, os olhos, a próstata, os gânglios. É um filme de terror.

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