Vacina é Saúde
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Por e — Rio de Janeiro

Embora alvo de pesquisas há mais de 30 anos, a tecnologia de RNA mensageiro (RNAm) parecia ainda distante de se tornar realidade. Porém, com a pandemia e o investimento nunca antes visto na história das vacinas, vieram duas conquistas inéditas para a área: os primeiros imunizantes com a tecnologia inovadora a serem aprovados e aplicados em larga escala, e a produção de vacinas desenvolvidas em tempo recorde, em menos de um ano.

Nesta segunda-feira, o Instituto Nobel anunciou que a bioquímica húngara Katalin Kariko e o cientista americano Drew Weissman ganharam o Prêmio Nobel de Medicina pelas suas descobertas na tecnologia do RNA mensageiro, que abriram caminho à produção de vacinas contra a Covid-19.

Os pesquisadores descobriram que o RNA mensageiro com base modificada poderia ser usado para bloquear a ativação de reações inflamatórias e aumentar a produção de proteínas quando é entregue às células. Eles publicaram os seus resultados num artigo de 2005 que recebeu pouca atenção na época, mas lançou as bases para desenvolvimentos "extremamente importantes que serviram à Humanidade durante a pandemia da Covid-19", afirmou o Nobel.

Consolidada, eficaz e segura, a tecnologia passou a ser testada para a prevenção inédita de doenças como HIV, zika, ebola, herpes, além de novas vacinas mais eficazes para tuberculose, malária, dengue e gripe. Há até mesmo estudos promissores que implementam o RNA mensageiro para o combate ao câncer e de diagnósticos como diabetes e anemia falciforme. Os pesquisadores traçam um cenário otimista para grandes avanços científicos na próxima década.

As altas expectativas que envolvem o RNA mensageiro se dão por alguns fatores. O primeiro deles é a forma de atuação. Basicamente, trata-se de um código com instruções para que as células do corpo produzam determinada proteína. No caso das vacinas da Covid-19, em vez de o imunizante introduzir o vírus inativado ou uma parte dele para que o sistema imunológico produza as defesas, o RNAm utiliza o próprio organismo como “fábrica” da proteína S do coronavírus, que então é lida pelo corpo para produzir as células de defesa e anticorpos.

— Sem dúvida o RNAm revolucionou a vacinologia, porque você consegue através de um código levar o indivíduo que recebe a vacina a produzir a própria proteína. Isso é uma revolução porque permite que produzamos proteínas contra qualquer coisa, então anticorpos contra alguma doença, proteínas que inviabilizam tumores, doenças degenerativas. Em teoria, a tecnologia é aplicável para diabetes, Alzheimer, câncer, não apenas doenças infecciosas. É uma esperança para muitas outras doenças que até então nós ou não temos vacina ou que precisamos de alternativas melhores — explicou ao GLOBO, em agosto do ano passado, o infectologista e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri.

Ele contou que, desde 1990, a plataforma é estudada, mas era considerada instável em testes. A situação mudou em 2005, quando uma equipe de pesquisadores americanos desenvolveu cápsulas de gordura, chamadas de lipossomos, que envolvem o RNAm e conseguem levá-lo integralmente ao organismo. Um dos cientistas responsáveis pela descoberta escreveu inclusive um artigo na revista científica Nature Reviews Drug Discovery, em 2018, intitulado “Vacinas de RNAm - Uma nova era na vacinologia”, em que listou uma série de estudos com resultados promissores da tecnologia.

Além do amplo potencial, as vacinas de mRNA demonstraram eficácia superior aos modelos convencionais e um potencial para fabricação com menor custo. Isso porque, pela plataforma ser sintética, e não envolver vírus vivos, não exige, por exemplo, um laboratório de biossegurança. Além disso, podem ser desenvolvidas e adaptadas de forma mais rápida, o que possibilitou que os imunizantes da Covid-19 tivessem os testes clínicos iniciados menos de seis meses após o Sars-CoV-2 ter sido descoberto na China, em 2019.

Um dos resultados mais aguardados para a nova geração de vacinas que começam a ser testadas é a do imunizante contra o HIV. No ano passado, a Moderna – farmacêutica criada com foco no RNAm e responsável por uma das vacinas da Covid-19 – deu início à fase 1 dos testes clínicos com algumas candidatas. Entraram também na primeira etapa os estudos com um imunizante para o Nipah henipavírus (NiV), patógeno altamente letal, originalmente de animais, que provoca surtos pontuais em humanos na Índia e em Bangladesh.

Há ainda testes com uma vacina para o vírus da Zika e para uma nova versão do imunizante contra o vírus Influenza, causador da gripe. Há também estudos para versões conjuntas de vacina da gripe com a da Covid-19 e uma proteção para o vírus sincicial respiratório (VSR), microrganismo que causa um alto número de hospitalizações e óbitos em crianças pequenas e ainda não pode ser combatido com imunizantes.

Além disso, o combate a tumores é de fato uma das grandes promessas para o avanço da tecnologia, explicou o médico oncologista e professor Ramon Andrade de Mello.

— A expectativa da utilização do RNAm no tratamento do câncer é muito alta. Existem estudos com resultados muito promissores para o uso da tecnologia para que o próprio organismo produza proteínas que atuem com o sistema imune para combater o câncer de uma maneira mais eficaz — afirma o especialista.

Isso porque o câncer desenvolve uma proteína chamada de inibidora de checkpoint, que diz ao organismo que aquelas células são saudáveis, embora sejam cancerígenas – o que impede que o sistema imunológico combata o tumor. Porém, o oncologista explica que, com o RNAm, seria possível ensinar as células de defesa a reconhecerem a tal proteína, e então passarem a atacá-la.

— Há uns 20 anos, o tratamento do câncer era muito voltado à quimioterapia, mas da última década para cá as novas tecnologias têm mudado a resposta ao problema. Cada vez mais, vamos chegando a melhores resultados e mais próximo de uma possível cura do câncer, ainda que seja um caminho complexo até lá. Para isso, o desenvolvimento de novas terapias, como o RNAm, é essencial. Creio que de 5 a 10 anos, vamos ter a plataforma incorporada às diretrizes médicas. Com certeza é uma tecnologia que merece atenção e investimento — afirma o oncologista.

Resultados preliminares dos estudos mais avançados já mostram um alto potencial da tecnologia. Em julho do ano passado, uma vacina de RNAm desenvolvida pela Moderna em parceria com a MSD para tratamento do melanoma, câncer de pele mais letal, entrou na terceira e última etapa dos testes clínicos.

Na fase anterior, o imunizante aplicado em conjunto com o anticorpo monoclonal Keytruda – considerado hoje um dos tratamentos mais eficazes para o melanoma – proporcionou uma redução de 44% nas mortes e recorrências do tumor em comparação com aqueles que somente receberam o medicamento.

Em fevereiro, a Food and Drug Administration (FDA), espécie de Anvisa dos Estados Unidos, concedeu à vacina o status de “terapia inovadora”. Na prática, o título reconhece o potencial da tecnologia e dá prioridade para a sua avaliação após o fim dos testes e a solicitação de uso pelas farmacêuticas.

Além disso, em maio deste ano, a Pfizer anunciou que uma vacina de RNAm em testes para tratar câncer de pâncreas induziu a produção de células do sistema imune contra tumores em 50% dos voluntários que o receberam.

Os pacientes tinham adenocarcinoma ductal pancreático, o subtipo mais prevalente e mais agressivo da doença no órgão. Esse tumor desafia cientistas - há seis décadas médicos não conseguem elevar a taxa de sobrevida dos pacientes, que é de cerca de 12%.

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