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Análise: Resposta global ao novo coronavírus é confusa e sem liderança

Embora líderes mundiais estejam finalmente falando sobre gravidade da pandemia, EUA não assumiram papel de tentar coordenar combate
O presidente americano, Donald Trump, durante entrevista sobre o novo coronavírus Foto: Tom Brenner / REUTERS
O presidente americano, Donald Trump, durante entrevista sobre o novo coronavírus Foto: Tom Brenner / REUTERS

LONDRES — Em Frankfurt, o presidente do Banco Central Europeu alertou que o coronavírus pode desencadear um colapso econômico tão grave quanto o de 2008. Em Berlim, a chanceler federal alemã, Angela Merkel, disse que o novo coronavírus pode infectar dois terços da população de seu país. Em Londres, o primeiro-ministro Boris Johnson lançou um pacote de ajuda de quase US$ 40 bilhões para amortecer a economia de um choque.

Enquanto o número de pessoas infectadas continua a subir, mercados financeiros de Tóquio a Nova York fazem o movimento oposto. Líderes globais estão finalmente levantando suas vozes para alertar sobre a gravidade da pandemia decretada oficialmente  pela Organização Mundial da Saúde na quarta-feira.

Ainda assim, a situação é menos um coral e mais uma cacofonia — um burburinho dissonante de políticos, todos lutando, à sua maneira, para lidar com os múltiplos desafios lançados pelo vírus, desde a sobrecarga em hospitais e profissionais de saúde à devastação econômica e o aumento do número de mortes.

O coral também não tem um condutor, papel costumeiramente ocupado pelos Estados Unidos após o fim da Segunda Guerra Mundial.

O presidente Donald Trump , no entanto, vem fracassando em trabalhar com outros líderes para unificar uma resposta, preferindo promover suas próprias políticas, como a construção de um muro na fronteira, em vez de ouvir conselhos científicos dados por sua própria equipe médica. Em um discurso na noite de quarta-feira, ele impôs uma proibição de 30 dias para viagens da Europa para os EUA, afirmando, sem provas, que a resposta inicialmente fraca da União Europeia trouxe mais casos do vírus para o outro lado do Atlântico, com “um amplo número de novos pontos-focais de infecção” causadas por pessoas que vieram do continente.

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Dias antes, o secretário de Estado de Trump, Mike Pompeo, chamou o coronavírus de “ vírus Wuhan ”, em relação ao local de origem da doença, complicando os esforços para coordenar uma resposta global.

A mesma negação da ciência e o desejo de barrar pessoas de fora caracterizaram líderes da China a o Irã, bem como populistas de direita na Europa, que estão semeando o cinismo e deixando as pessoas incertas sobre em quem acreditar. Longe de tentar eliminar o vírus, homens fortes como o presidente russo, Vladimir Putin, e o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman,  aproveitaram a agitação causada para tomar medidas para para consolidar seu poder.

O coronavírus resistiu às respostas que os países adotaram em outras pandemias. Misterioso em sua transmissão e implacável em sua disseminação, levou governos a tentar respostas muito diferentes. A falta de padrões comuns em testes, cancelamento de reuniões públicas e quarentena aprofundaram o nervosismo e corroeram a confiança em seus líderes.

Os choques simultâneos de oferta e demanda — fechamento de fábricas de iPhone na China; gôndolas vazias em Veneza, Itália; e passageiros que abandonaram cruzeiros, hotéis e companhias aéreas —  são um fenômeno novo que podem não responder às armas que os governos usaram contra os ataques terroristas de setembro de 2001 e à crise financeira de 2008, por exemplo.

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— A natureza dessa crise é qualitativamente diferente da de 2008 porque as ferramentas tradicionais não são tão eficazes —  disse Richard Haass, presidente do Council on Foreign Relations (CFR), entidade sediada em Nova York. — Mesmo se os EUA assumissem um papel de liderança, o manual tradicional não seria tão relevante agora.

O Reino Unido, por exemplo, recebeu elogios por sua robusta resposta econômica, que, além de injetar bilhões de libras para hospitais e trabalhadores marginalizados, incluiu um corte acentuado nas taxas de juros pelo Banco da Inglaterra.

Ainda assim, as ações em Londres caíram, não tão abruptamente quanto em Wall Street, onde os investidores rejeitaram a proposta do secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, de permitir que os americanos atrasassem o pagamento de seus impostos, o que, segundo ele, injetaria US$ 200 bilhões na economia.

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A outra grande sugestão de Trump, um corte no imposto sobre os salários, foi declarada “derrotada” pelos democratas da Câmara, que se esforçaram para introduzir uma legislação que visa dar ajuda financeira a pacientes, trabalhadores e famílias afetadas pela epidemia em rápida evolução em uma votação na Câmara na quinta-feira.

Para Haass, o foco intenso em limitar o golpe econômico era compreensível, dada a carnificina nos mercados, mas ainda prematuro. O especialista acredita os países precisam primeiro colocar sua energia em desacelerar e mitigar a propagação do vírus antes de iniciarem programas fiscais para reparar os danos econômicos.

O problema é que, com poucas exceções, seus esforços foram ineficazes. Nos Estados Unidos, o atraso na criação de kits de teste de coronavírus e a escassez de testes impossibilitaram as autoridades, mesmo semanas após o aparecimento dos primeiros casos no país, de obter uma imagem verdadeira da escalada do surto.

Na Itália, duramente atingida, políticos e especialistas médicos discutem sobre se as autoridades estavam testando muitas pessoas na Lombardia, inflando os números de infecções e alimentando o pânico no público. A resposta da Itália pode ser enfraquecida ainda mais pelo movimento anti-vacina que já foi adotado pelo movimento populista 5 Estrelas, que assumiu o poder no último governo.

Mesmo comparar a contagem de casos em cada país é quase impossível, dados os diferentes procedimentos de teste e critérios de diagnóstico em todo o mundo, de acordo com Chris Smith, especialista em virologia da Universidade de Cambridge.

No exemplo mais extremo, a contagem de casos da China disparou quando o governo começou a registrar positivos com base apenas nos sintomas dos pacientes, em vez de realizar testes de laboratório, o método que a maioria dos países ainda está usando. Ainda assim, mesmo testes de laboratório podem produzir resultados diferentes em países diferentes, dependendo da maneira como os profissionais de saúde coletam e processam amostras.

A advertência de Merkel de que o vírus infectaria de 60% a 70% das pessoas na Alemanha — um número que ela atribuiu ao “consenso entre especialistas” — foi a admissão mais direta da escala do problema por qualquer líder mundial.

— Faremos o que for necessário — disse. — Não perguntaremos todos os dias: 'O que isso significa para o nosso déficit?'

No entanto, mesmo a posição de Merkel foi enfraquecida pelo ressurgimento da extrema direita na Alemanha. A Alemanha rejeitou um pedido de equipamento médico da Itália, dias antes de a China ter oferecido aos italianos um pacote de ajuda que inclui 2 milhões de máscaras faciais e 100 mil respiradores.