Brasil

Artigo: Helio Jaguaribe, um intelectual dedicado aos desafios da América Latina

Filósofo, jurista e sociólogo foi patrono inaugural do pensamento acadêmico brasileiro sobre relações internacionais
Jaguaribe: 'referência intelectual e moral', nas palavras de Aloysio Nunes Foto: Nelson Pérez/14-5-2003
Jaguaribe: 'referência intelectual e moral', nas palavras de Aloysio Nunes Foto: Nelson Pérez/14-5-2003

Helio Jaguaribe, que acaba de nos deixar, integrou uma admirável geração de pensadores do nosso país que teve como tema compartilhado uma sensibilidade própria em relação à formação e ao destino do Brasil.

Exerceu com brio e convicção republicana o papel do intelectual público. Empenhou-se, tendo em vista a relação entre os intelectuais e a política no mundo contemporâneo, tanto em propor rumos, quanto em elaborar conhecimentos aptos a converter os rumos propostos em políticas públicas. A “ideia a realizar” que o norteou na sua obra, nas instituições que criou, nos seus artigos e intervenções, na lógica de um fecundo diálogo entre o nacional e o universal, foi a de explicar e clarificar o porquê e o como promover a racionalidade, para ampliar democraticamente, com liberdade e igualdade, o poder de controle da sociedade brasileira sobre o seu destino.

O impacto da presença de Helio na vida pública e intelectual do nosso país, devidamente lastreada na profundidade dos seus conhecimentos, tem muito a ver com a fulgurante inteligência do seu poder de síntese e a originalidade contagiante de suas formulações. Helio foi uma encarnação da razão vital orteguiana, que, como ele disse, tem a dupla função de orientar a nossa vida no mundo, de orientar-nos no entendimento do mundo através da nossa vida.

Nessa tarefa seguiu o ensinamento de Santo Agostinho para o qual a transcendência é o processo em virtude do qual um ser, permanecendo o que é, ultrapassa a si mesmo. Sua opção foi assim no sentido de orientar a sua vida por normas ético-sociais válidas e relevantes e, por outro lado, tentar um esforço de compreensão da vida e do mundo. Nesta última vertente, seguiu no correr dos anos o lema que formulou em 1953: “Compreender o nosso tempo na perspectiva do Brasil/ Compreender o Brasil na perspectiva do nosso tempo”.

Helio foi um pensador que, por aproximações sucessivas, com empenho de scholar, foi sistematizando e desenvolvendo as percepções e intuições da sua razão vital. A sua obra é a de maior escopo de sua geração. Alargou os horizontes e elevou o patamar da ciência política em nosso país. Foi patrono inaugural do pensamento acadêmico brasileiro sobre relações internacionais. Dedicou-se aos problemas e desafios da América Latina, tornando-se um intelectual brasileiro com ampla irradiação na região. São de grande fôlego suas incursões no âmbito da sociologia da História que, a partir das inquietações do presente, está voltada para elucidar os fatores que asseguram ou comprometem a sustentabilidade de culturas e civilizações. São lúcidas as suas reflexões sobre os desafios existenciais, inerentes à Antropologia Filosófica.

Helio foi, na sua admirável trajetória, uma personalidade generosa, solar e de indiscutíveis virtudes, a quem cabe a qualificação de um grande brasileiro. Foi meu mestre e um querido amigo desde os meus tempos de estudante universitário, a quem evoco neste texto com o mais denso sentimento de saudade.

*Celso Lafer é professor emérito da USP e membro da ABL