Brasil Celina

Já altas, taxas de feminicídio dobrariam com registro preciso, aponta pesquisa

Casos de 2017 saltariam de 1.133 para 2.346, segundo nova metodologia proposta por pesquisador da Fiocruz
Pesquisador estima que cerca de metade dos homicídios de mulheres em 2017 seriam casos de violência de gênero Foto: Arte de Lari Arantes sobre foto de Ricardo Cassiano
Pesquisador estima que cerca de metade dos homicídios de mulheres em 2017 seriam casos de violência de gênero Foto: Arte de Lari Arantes sobre foto de Ricardo Cassiano

RIO - Horas depois de ir à polícia registrar queixa contra o namorado, Lidiane Oliveira, de 24 anos, foi morta por ele a facadas , dentro de casa, em Ponta Grossa, no Paraná. Antes de fugir, o acusado, Jhonatan Campos, 22 anos, feriu a mãe da vítima, de 60, que tentava ajudá-la, na madrugada de domingo.

Lidiane foi encontrada nua, com uma perfuração na região do pescoço. No mesmo fim de semana, ao menos outras duas mulheres foram assassinadas no Brasil.

A esteticista Lucilene Galdino de Albuquerque, de 50 anos, foi morta a facadas , em Itapipoca, no Ceará. O marido dela, Antônio Maria Rodrigues Ferreira Pessoa, 42, foi preso em flagrante por feminicídio e tentativa de homicídio, acusado de esfaquear também o filho da vítima e um primo dela.

os números da violência
4.539
Assassinatos
de mulheres
Para o pesquisador Jesem Orellana,
50%
foram
feminicídios
Casos considera
-
(enforcamento, queimaduras, facada, arma de fogo, pauladas, entre outros)
dos feminicídio,
segundo a Fiocruz
2.346
5,3 assassinatos
Casos conside-
para cada 100 mil
rados femicídio,
segundo
mulheres na região Norte, onde
é maior o risco de feminicídio
dados oficiais
1.133
9,3 assassinatos
para cada 100 mil
mulheres em Roraima, estado
onde a situação é mais crítica
os números da violência
Assassinatos
de mulheres
4.539
Casos considerados feminicídio, segundo a Fiocruz
2.346
Casos conside-
rados femicídio, segundo dados oficiais
1.133
Para o pesquisador Jesem Orellana,
50%
foram
feminicídios
(enforcamento, queimaduras, facada, arma de fogo, pauladas, entre outros)
5,3 assassinatos
para cada 100 mil
mulheres na região Norte, onde
é maior o risco de feminicídio
9,3 assassinatos
para cada 100 mil
mulheres em Roraima, estado
onde a situação é mais crítica

Em Caarapó, no Mato Grosso do Sul, Carla Sampaio Tanan, de 36 anos, foi atropelada pelo namorado , depois de discutirem numa festa infantil. O acusado, Thiago Belastorre, de 29 anos, foi preso e não esboçou arrependimento, segundo o delegado responsável pelas investigações.

As três mortes engrossam as estatísticas brasileiras de feminicídio — o assassinato de uma mulher pela condição de gênero —, que já figuram entre as mais altas do mundo. Ainda assim, os dados oficiais são subestimados, aponta pesquisa da Fiocruz.

Segundo os números mais recentes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, das 4.539 mulheres assassinadas em 2017, 1.133 foram registradas como vítimas de feminicídio. No entanto, uma nova metodologia propõe que o número de feminicídios naquele ano suba para 2.346, ou seja, cerca de metade dos homicídios de mulheres seriam casos de violência de gênero.

A subnotificação ocorre porque ainda não há um padrão nacional para policiais e juízes diferenciarem o que é feminicídio do que é um homicídio fruto da violência urbana, aponta o professor Jesem Orellana, do ILMD/Fiocruz, que coordena a pesquisa. Ele conta que decidiu traçar uma metodologia ao ver os dados referentes a 2017 e perceber que não batiam com o percentual apresentado na literatura internacional.

— A literatura internacional afirma que, em quase 50% das mortes violentas de mulheres, o agressor é o parceiro íntimo. Quando vi o número de 2017, notei que não chegava a 30%, o que dava fortes indícios de subnotificação. Não havia, no entanto, informações sobre quem era o acusado, por exemplo.

O cálculo de Orellana trata como feminicídio 20% das mortes de mulheres assassinadas por armas de fogo, somados a todos os casos de brasileiras mortas por enforcamento, queimaduras, facadas, pauladas e objetos contundentes, agressões físicas fatais e agressões sexuais. Sua metodologia deverá ser publicada em um artigo científico no ano que vem.

— Queremos fornecer subsídio para que formuladores de políticas públicas possam separar os casos. Nosso objetivo é retirar o feminicídio do relativo ocultamento social e político no Brasil.

Classificação mais direta

Para o pesquisador, o ideal seria o Poder Judiciário dar um retorno sobre cada um desses homicídios após a investigação completa, de forma a revisar as estatísticas quando o caso fosse concluído como julgado. Mas isso, ele afirma, é um "mundo ideal". No Brasil real, mais especificamente no estado do Amazonas, onde Jesem começou sua pesquisa, desde a promulgação da Lei do Feminicídio, em 2015, até meados de 2018 não há registro de condenação por feminicídio. Nesse mesmo período mais de cem mulheres amazonenses foram mortas por agressões. Não há nas estatísticas o grau de proximidade da vítima com seu algoz.

Segundo a antropóloga Jacqueline de Oliveira Muniz, uma das criadoras do sistema de dados do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, a subnotificação está relacionada ao modo como as mortes violentas são classificadas, possivelmente “por problemas no processo de coleta e de produção das estatísticas”.

— Toda morte violenta é classificada como homicídio doloso ou culposo. É o tipo penal. Mas, para saber se é feminicídio, é preciso ler praticamente todo o registro de ocorrência, as circunstâncias, o descritivo completo do crime — explica Muniz. — Essa é a razão pela qual muitos movimentos de mulheres demandam que, na classificação do tipo de morte, seja criado diretamente o campo "feminicídio".

A antropóloga diz que a inexistência dessa classificação é um dos fatores que mantêm a "invisibilidade social e política da mulher, um reflexo de uma sociedade que não reconhece a violência de gênero".

— Para que um problema exista aos olhos da sociedade, ele tem que se tornar visível, e isso se dá por meio dos números. Precisamos de estatísticas claras, algo fundamental para se desenharem políticas públicas preventivas de fato.