Brasil Celina

'Por que não falamos sobre gordofobia?'

Do Slam das Minas a Preta Gil, mulheres empoderadas e gordas discutem o assunto das redes e querem que ele seja amplificado em rodas de debates
Integrantes do Slam das Minas, que se apresentam após o debate sobre gordofobia no Parque Lage Foto: Arte de Lari Arantes sobre foto de Gabriel Monteiro
/ Gabriel Monteiro
Integrantes do Slam das Minas, que se apresentam após o debate sobre gordofobia no Parque Lage Foto: Arte de Lari Arantes sobre foto de Gabriel Monteiro / Gabriel Monteiro

RIO —  Ao ler um comentário ofensivo sobre seu corpo nas redes sociais, na semana passada, a cantora Preta Gil reagiu expondo o perfil da mulher que a criticou. A dançarina Thais Carla denunciou, há dois meses, um internauta que publicara uma foto sua com o marido, acompanhada de uma piada maldosa que acabou virando meme.

Empoderadas e gordas, as duas são constantemente alvo de assédio, em casos típicos de gordofobia , que aumentam no verão e no carnaval, apontam especialistas. Esse tipo de discriminação não se faz presente apenas em xingamentos: está nos transportes públicos e nos assentos de avião, inadequados para gordos; nas marcas de roupa feitas para magros; em expressões aparentemente inofensivas, como “fofinha”.

Muitas vezes, aparece como uma falsa preocupação com a saúde. Pesquisa publicada no periódico “Archives of Internal Medicine” em 2017 indica que uma em cada quatro pessoas magras sofre dos riscos associados à obesidade. Outro estudo do mesmo ano, da Universidade de Los Angeles, afirma que o uso do índice de massa corporal como determinante de saúde levou à classificação incorreta de 54 milhões de americanos saudáveis como “doentes”.

— Ser gorda não é sinônimo de ser doente, e ser magra não é sinônimo de saúde. Não selecionamos mulheres magras para alto risco só de olhar pra elas. Por que deveríamos fazer isso com mulheres grandes? — provoca a médica obstetra Mariana Simões.

Com a saúde em dia — e mais de 63 mil seguidores no Instagram —, Tássia Marcondes concorda:

— As pessoas estão condicionadas a achar que todo o gordo é doente. Não tenho colesterol alto, não tenho diabetes, minhas taxas estão todas ok. As pessoas que dizem se preocupar com a saúde não perguntam a um magro se as taxas dele estão boas ou se ele sente dor no joelho. É uma desculpa para o preconceito disfarçada de preocupação com a saúde.

A professora, de 24 anos, transformou seu gosto pela moda em ativismo nas redes, e no último ano diminuiu a carga horária na escola onde dá aulas para trabalhar como criadora de conteúdo. A ideia nasceu ainda na adolescência, quando começou a ser parada nas ruas por mulheres gordas que queriam saber onde ela havia comprado as peças que usava. Resolveu criar uma página no Facebook, até que, há três anos, uma foto sua de biquíni viralizou, com mais de 14 mil curtidas e 16 mil comentários.

— Foi uma loucura. Recebi relatos de mulheres que tinham tentado se matar, que estavam há mais de 15 anos sem ir à praia, que tinham vergonha de transar com o namorado por causa do corpo — conta.

Cansada dos padrões de beleza reproduzidos no carnaval, Luna Coral, de 26 anos, desabafou sobre o novo empoderamento feminino nos blocos de rua: “Vi desfiles de corpos brancos, magros e seminus como ato de liberdade. Esse peito, essa bunda ou essa barriga tanquinho são a reprodução do que nossos olhos estão acostumados a ver. Quero ver tu aplaudir uma mulher gorda de peito e barriga de fora”.

— Escrevi esse texto depois de ir a dois ensaios de blocos de carnaval. Me chamou a atenção essa padronização de corpos e fantasias. Mulheres magras e claras, com roupas iguais. Perdeu um pouco do significado do carnaval para mim — diz, em entrevista ao Globo, lembrando que o carnaval não é só "o que vai ficar bonito no Instagram".  — Essa questão tem me incomodado cada vez mais. É uma sensação geral, mesmo quem não é gordo sofre pela pressão estética.

A produtora Débora Ambrósia, 32 anos, levou o assunto à pauta neste sábado, no Slam das Minas no Rio. O tema foi “Verão para todos os corpos”. Ela diz sentir falta da presença das mulheres gordas até mesmo em debates feministas.

— Por que a gente não fala disso? Por que não tem um debate sobre gordofobia no Rio? Muitas vezes a pessoa que está organizando eventos sobre feminismo não está preocupada se a mulher gorda vai caber na cadeira ou conseguir passar na porta — afirma a produtora, uma das organizadoras do evento no Parque Lage. — Por isso não é todo mundo que topa falar sobre o assunto, que está disposta a colocar um maiô e bancar os olhares de reprovação no carnaval.

A gordofobia não atinge apenas as mulheres, mas o preconceito e a busca pelo corpo perfeito é ainda mais massacrante contra elas: um estudo de 2015, da Universidade Vanderbilt, concluiu que mulheres obesas têm mais possibilidade de trabalhar em empregos com ênfase em atividade braçal em detrimento daqueles voltados à interação com o público — tendência não observada com homens obesos.

Colaborou Giulia Costa, estagiária, sob supervisão de Eduardo Graça