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Centro da Fiocruz criado para o combate à Covid planeja virar referência pós-pandemia

Hospital funciona desde maio e é 100% dedicado ao coronavírus; depois, será transformado em unidade do SUS exclusiva para doenças infectocontagiosas
O Centro Hospitalar Covid-19 foi erguido em sete semanas e inaugurado em maio para receber doentes graves; nas portas e janelas internas de vidro estão listados detalhes sobre o quadro clínico de cada paciente Foto: Gabriel Monteiro
O Centro Hospitalar Covid-19 foi erguido em sete semanas e inaugurado em maio para receber doentes graves; nas portas e janelas internas de vidro estão listados detalhes sobre o quadro clínico de cada paciente Foto: Gabriel Monteiro

RIO — Nas janelas estão o Corcovado e o Pão de Açúcar. Mas no Centro Hospitalar Covid-19, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), janela e paisagem são painéis fotográficos. E lembram as vítimas do coronavírus a beleza da vida. Ajudam cientificamente a amenizar a angústia de pacientes graves. São detalhes das muitas diferenças do centro, que almeja se tornar a maior referência de tratamento, pesquisa e contenção de doenças infecciosas no país. Tudo no SUS (Sistema Único de Saúde), para qualquer cidadão.

O centro funciona desde 17 de maio, 100% dedicado à Covid-19. Ele foi erguido em regime de emergência, mas será permanente. Quando a pandemia passar, será transformado numa unidade do SUS exclusiva para doenças infectocontagiosas. Receberá pacientes com males desconhecidos; vírus importados como o ebola; ou velhas infecções, como a tuberculose e a influenza grave. E, claro, a Covid-19.

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O hospital tem 195 leitos, e hoje são cem os internados lá aos cuidados de mil funcionários, entre médicos, enfermeiros, cientistas, técnicos e equipes de apoio. Os pacientes chegam encaminhados pela Central de Regulação da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro e, segundo a direção, todas as demandas têm sido atendidas. Atualmente, parcela significativa dos casos vem do interior do estado.

O que faz diferença não são os números, mas o projeto inteiramente voltado para infecções. Custou R$ 184,1 milhões, entre gastos com obra (R$ 61,4 milhões), equipamentos (R$ 14 milhões) e custeio de operação (mão de obra e compra de insumos).

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O valor é cerca de quatro vezes menor, por exemplo, que o desviado da pasta da Saúde do estado do Rio neste ano. Ficou pronto em sete semanas, erguido no local onde funcionava um campo de futebol dos funcionários da Fiocruz.

O centro participa dos grandes testes mundiais de medicamentos contra a Covid-19, coordenados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Com o consentimento de pacientes e suas famílias, são testados tanto os chamados remédios redirecionados, como antivirais e anticoagulantes, quanto drogas novas, a exemplo de anti-inflamatórios experimentais.

— Temos mais de 20 linhas de pesquisa contra a Covid-19 e coordenamos testes em outros estados. Queremos ser referência do SUS, não só para tratamento, para desafogar a rede e ajudar a conter a infecções, quanto para estudos que nos livrem dessas doenças — afirma a diretora do INI, a médica e cientista Valdiléa Veloso.

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A unidade atua em colaboração direta com o Laboratório de Vírus Respiratórios e Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), referência nacional e nas Américas para influenza e o Sars-CoV-2. Isso garante acesso rápido a testes e a possibilidade de rastrear e identificar vírus novos.

Do lado de fora do centro, não estão o Redentor ou a Baía de Guanabara dos painéis dos quartos. Está o trânsito caótico da Avenida Brasil. Os pacientes estão alheios a isso porque não há janelas para o exterior. E é para o Pão de Açúcar cenográfico que olha fixamente um homem de 57 anos recém-saído da pronação, o procedimento de virar o paciente de barriga para baixo, que melhora a função respiratória.

Isolados do mundo

Como todos os demais pacientes, ele está num quarto de UTI individual, com banheiros privativos modernos. Todos os quartos são hermeticamente fechados, isolados do mundo por pressão negativa. O ar é sugado por equipamentos e passa por filtros à prova de vírus, num sistema específico para infecções por aerossóis.

A pressão do ar e a refrigeração são controladas do lado de fora dos quartos. Nas portas e janelas internas de vidro transparente estão listados detalhes sobre o quadro clínico de cada paciente. Um tablet no leito informa os dados do paciente e uma pulseira com código de barras indica o que deve ser administrado.

O coronavírus fica contido no quarto. Quem entra e sai são os profissionais de saúde em traje completo de segurança e os equipamentos de beira de leito capazes de fazer tomografia, ultrassom, raio X, exames de sangue.

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O vaivém constante de profissionais de saúde pelos corredores é observado pelos pacientes através das amplas janelas de vidro. Em comum a todos, a expressão de fadiga que se tornou uma das características mais marcantes da Covid-19 grave.

Num quarto ao lado do ocupado pelo homem recém-pronado está um senhor de 61 anos. Ele foi internado em 16 de setembro e desde então está ligado a sete bombas infusoras de medicamentos. Esse senhor não vê ou sente nada, está intubado.

Em outra ala do centro, a poucos passos de distância, nove médicos e enfermeiros se mobilizam para um procedimento de pronação. A paciente é uma mulher de 35 anos e foi internada há poucos dias. Ela está sedada e ligada a bombas e equipamentos. O procedimento é delicado.

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— A pronação ajuda os pacientes graves. Mas manipular pacientes tão frágeis quanto os da Covid-19 é um desafio diário. O paciente passa um determinado número de horas pronado e depois é desvirado, e isso pode se repetir por muitos dias — explica a fisioterapeuta da Fiocruz Mônica Cruz.

Após alguns minutos, porém, a mulher é pronada com sucesso e a equipe recebe aplausos de colegas que acompanhavam pela janela.

A mulher pronada sofre de obesidade e seu caso não é exceção. Obesidade e sobrepeso afetam muitos dos pacientes com Covid-19 grave internados no centro e são, por si sós, fatores de risco independentemente da idade.

— Essa é uma doença complexa, em boa parte misteriosa, que pode causar trombose e atacar o sistema nervoso central. Aprendemos muito e ainda temos mais ainda a descobrir — diz Estevão Portela Nunes, vice-diretor de Serviços Clínicos do INI.

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Numa ala reservada a casos menos graves, mas igualmente isolados por pressão negativa, uma outra mulher, de 41 anos, faz questão de dizer o quanto está feliz. Ela está recebendo uma visita da família. É uma visita virtual, por tablet, com auxílio de assistentes sociais. A mulher pergunta à mãe como estão os parentes e chama a filha, grávida. Está preocupada com a saúde dela, que também teve Covid-19, mas se recuperou.

— Quero saber como está minha menina. Essa doença está por aí. Mas vou sair dessa, já estou melhor. Tudo vai ficar bem — diz ela.