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Saúde Coronavírus

'É um mito que a Covid-19 só é grave entre idosos', alerta pesquisador

Raphael Guimarães, da Fiocruz, constatou aumento de 1.218% nas hospitalizações nas faixas etárias de 30 a 49 anos
O pesquisador em saúde pública da Fiocruz em Raphael Guimarães Foto: Divulgação
O pesquisador em saúde pública da Fiocruz em Raphael Guimarães Foto: Divulgação

RIO — A pandemia no Brasil rejuvenesceu e o aumento de internações hospitalares  por Covid-19 entre quem tem entre 30 e 59 anos foi muito mais expressivo do que a média, segundo um estudo da Fiocruz. Para o pesquisador em saúde pública da fundação Raphael Mendonça Guimarães, um dos autores do levantamento, os dados servem para desmistificar a ideia de que a doença é inofensiva para jovens.

Levantamento do Observatório Fiocruz comparando a primeira semana epidemiológica do ano (de 3 a 9 de janeiro) com a semana 12 (de 21 a 27 de março) mostra aumento de 701% das hospitalizações por Covid-19 em geral, mas com destaque para faixas etárias mais jovens.

De 30 a 39 anos, esse aumento foi de 1.218,3%, tecnicamente o mesmo da faixa entre 40 e 49 anos, que foi de 1.217,9%. O crescimento entre pessoas de 50 a 59 anos não ficou muito abaixo: foi de 1.144%. Até mesmo os mais jovens, de 20 a 29 anos, tiveram aumento acima da média geral, de 740%, segundo dados do Sivep-Gripe, analisando internações e óbitos por Covid entre os registros de Síndrome Respiratória Aguda Grave.

Na entrevista abaixo, Guimarães elenca os motivos para esse "rejuvenescimento" do surto de Covid-19.

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Os números do estudo comprovam a percepção cotidiana de que a pandemia no Brasil rejuvenesceu.

O que nos despertou atenção para isso foi justamente o relato recorrente dos profissionais que estava chegando muita gente não idosa nos hospitais, evoluindo para formas graves, do que na primeira fase da pandemia.

Isso também ocorreu em outros países?

Já vimos que em alguns lugares do mundo pode haver rejuvenescimento da pandemia. Isso tem a ver com perfil demográfico mais jovem. Estamos observando esse fenômeno em outros países, como Índia e México, mas está se mostrando mais destacado no Brasil. Por isso temos recebido muitos pedidos de entrevista do exterior para tentar entender o que acontecendo aqui.

Quais os motivos para esse rejuvenescimento?

A gente acha que é uma conjunção de fatores. O primeiro, possivelmente, é a variante. Isso não significa que seja mais agressiva ou seletiva para idades mais jovens. O que acontece é que, além de ser mais contagiosa, ela age como se fosse um vírus novo, portanto pessoas que já tiveram podem se contaminar outra vez. Assim, uma vez que tenha maior circulação do vírus e número de casos, vai pegar quem está mais vulnerável, que é quem está na rua. Essa população de 30 a 59 anos é a maior parte da população economicamente ativa, que está tentando trabalhar.

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Por outro lado, parece haver mais resistência dos jovens às orientações sanitárias como uso de máscara e distanciamento social. Há relação?

O aumento no grupo acima de 30 anos sugere a necessidade do trabalho. Mas no de 20 a 29 anos leva a outras razões, como dificuldade de adesão às medidas, um padrão de sociabilidade com maior potencial de aglomeração e a exaustão de se manter distanciado. As pessoas criaram um mitoo que a Covid-19 só tem potencial de gravidade em pessoas idosas. Isso não é verdade. Nunca foi. Agora isso está sendo desmitificado ao vermos essas pessoas nos hospitais.

Quais são os fatores de risco, então?

A Covid tem o potencial de afetar todo mundo Mas os idosos evoluíam de forma mais rápida a formas graves, mas isso está mais relacionado a comorbidades dos que à própria idade. Só que hipertensão, diabetes e obesidade, também tem prevalência na população a partir de 40 anos.

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Qual a participação dos jovens nas altas taxas de ocupação de leitos de UTI?

Não cruzamos essa informação. Mas o que temos notícia é que a evolução de uma pessoa mais jovem é mais lenta. Ela tem maior probabilidade de sobrevida, mas como evolui mais devagar, ocupa o leito mais tempo.

O senhor acha que seria o caso de mudar a estratégia de vacinação? Priorizar os mais jovens?

Acho que que não. As prioridades são baseadas no cenário epidemiológico. Se pessoas com mais idade ou comorbidades tem risco de evoluir para forma grave, essas devem ser vacinadas antes. É um equilíbrio delicado entre risco de gravidade e quem prioritário para retomar as atividades, como professores. Nossa grande questão agora é aumentar a velocidade da vacinação. E, ao mesmo tempo, garantir medidas reais de distanciamento social, com decretos que permitam que as pessoas fiquem em casa, proibindo circulação, mas garantindo alguma subsistência.