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Brasil

Ibama gastou menos de 40% do orçamento anual destinado a fiscalização e combate a desmatamento e queimadas

Instituto não apresenta planejamento que seguirá até o final de 2020; especialistas alertam que degradação ambiental pode ser definitiva
Extração de madeira na Amazônia: atividades ilegais avançam diante da redução de gastos públicos com fiscalização ambiental Foto: Agência Brasil
Extração de madeira na Amazônia: atividades ilegais avançam diante da redução de gastos públicos com fiscalização ambiental Foto: Agência Brasil

RIO — A menos de dois meses até o fim do ano, o Ibama gastou menos de 40% de seu orçamento reservado para fiscalização, controle e combate ao desmatamento e às queimadas. Enquanto isso, os incêndios já destruíram mais de 20% do Pantanal, e os índices de desflorestamento da Amazônia são os maiores da década.

Para coibir as atividades ilegais nos biomas, a autarquia do Ministério do Meio Ambiente dispunha de R$ 154.730.350. No entanto, até a tarde de ontem, liquidou somente R$ 57.074.286, o equivalente a 36,8%.

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Especialistas entrevistados pelo GLOBO acreditam que o Ibama não gastará até o fim do ano todos os recursos a que tem direito para evitar queimadas e desmates. A baixa quantia liquidada, dizem, indica falta de planejamento para lidar com crises ambientais que já se manifestam há meses. Entre as consequências previstas estão o colapso de ecossistemas, que correm risco de não recuperar sua biodiversidade, e o impacto na imagem do país diante de investidores estrangeiros.

Ibama contesta

Questionado sobre os números dedicados a cada ação prevista no orçamento, o Ibama restringiu-se a informar que os valores relacionados a prevenção e combate de queimadas estão “incorretos”. O instituto afirmou que havia R$ 29 milhões em caixa no início do ano, dos quais foram liquidados R$ 23 milhões, ou 83%.

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O comunicado, porém, não relata que o Congresso aumentou o orçamento destinado a esta finalidade para R$ 38,6 milhões. O gasto, por sua vez, foi menor do que diz a nota: R$ 16 milhões – o equivalente a 41,5% do valor disponível.

O Ibama não comentou as verbas relacionadas a ações contra desmatamento e não respondeu como pretende liquidar integralmente o orçamento contra desmate e queimadas até o final do ano.

Economista pede reformas

Economista do Senado Federal, Leonardo Ribeiro considera que a esta altura do ano, dada a situação de emergência ambiental, o Ibama já deveria ter gasto 100% de seu orçamento, e apelado para um crédito extraordinário, para dar conta do combate ao desmatamento e às queimadas.

– O governo federal liberou verbas adicionais para áreas que foram afetadas pela pandemia, como o setor de saúde pública. Para o meio ambiente, no entanto, não houve prioridade, seja para ações de controle ou prevenção a desmatamento e queimadas, e outros países e investidores estrangeiros pensarão que não estamos empenhados em resolver nossos problemas.

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Ribeiro considera que o Ibama e o Ministério do Meio Ambiente precisam passar por duas reformas:

– A primeira é operacional: o que farão agora, e como será sua parceria com outros órgãos, especialmente as Forças Armadas, que estão conduzindo operações contra o crime ambiental na Amazônia – A segunda reforma é estratégica: qual será o papel o ministério e do Ibama daqui em diante.

Redução das operações

Suely Araújo, ex-presidente do Ibama, destaca que menos de 36% dos recursos voltados a controle e fiscalização foram gastos. É um cenário muito diferente ao visto em outros anos, onde o orçamento consumido com esta ação é historicamente alto.

– O Ibama faz cerca de mil operações por ano. Se gastou pouco, é prova de que sua ação está muito aquém da necessária –avalia. – É um ritmo baixo mesmo se considerarmos as limitações impostas pelo coronavírus, que reduziu a quantidade de equipes em campo. O governo deve planejar como liquidará sua verba. É assim que se vê a execução de políticas públicas.

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O climatologista Carlos Nobre lembra que o orçamento do Ministério do Meio Ambiente foi consideravelmente reduzido a partir de 2015, quando o país mergulhou em uma recessão econômica, após um período exitoso na redução do desmatamento e das queimadas entre 2005 e 2014.

Com recursos abundantes, a pasta assegurou uma fiscalização eficaz e operações contra crimes ambientais. Após os cortes, a manutenção do ritmo das atividades se tornou inviável, o que serviu como senha para a ação de grupos por trás do desmatamento ilegal e se acentuou desde a posse do presidente Jair Bolsonaro, em 2019.

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— Chama atenção o valor baixo (do orçamento). Se o Ibama já tivesse passado de 55%, 60%, e contasse com um plano sobre como gastará o resto até o fim do ano... mas este não é o caso — lamenta Nobre. — A mensagem que se passou para o crime ambiental da Amazônia é que o risco de punição estava desaparecendo.

'Ponto de não retorno'

Para o climatologista, o crescimento das atividades ilegais e o enfraquecimento dos mecanismos de fiscalização e combate ao crime ambiental coloca a Amazônia ainda mais próxima do chamado ponto de não retorno, quando a degradação ambiental do bioma provocada pelo desmatamento e pelos incêndios se tornará irreversível.

— Nós estamos perto do ponto de não retorno. É realmente preciso zerar, e não simplesmente reduzir, o desmatamento — alerta. — A meta firmada pelo Brasil no Acordo de Paris é acabar com o desflorestamento ilegal até 2030 e começar a restaurar boa parte da floresta. No entanto, a efetividade das ações de fiscalização está indo na direção contrária, o que pode gerar impacto econômico para o país, que passa uma imagem de pária na questão ambiental, e também põe em risco o futuro da Amazônia.