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Inventoras de técnica para editar DNA ganham Prêmio Nobel de Química

Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna criaram o método CRISPR-Cas9 para alterar genes de seres vivos
A microbióloga francesa Emmanuelle Charpentier e a professora Jennifer Doudna, em foto de 2015, venceram o Nobel de Química Foto: Eloy Alonso / REUTERS
A microbióloga francesa Emmanuelle Charpentier e a professora Jennifer Doudna, em foto de 2015, venceram o Nobel de Química Foto: Eloy Alonso / REUTERS

SÃO PAULO - As cientistas Jennifer Doudna e Emmanuelle Charpentier ganharam o Prêmio Nobel de Química de 2020 por inventarem técnica de edição de DNA.

As duas criaram a técnica conhecida como CRISPR-Cas9, que se tornou popular entre biólogos moleculares para alterar o código genético de seres vivos.

É a primeira vez que duas mulheres ganham juntas o Nobel. As vencedoras são a americana Jennifer Doudna, da Universidade da Califórnia, e Emmanuelle Charpentier, da Unidade Max Planck para Ciência de Patógenos. O prêmio é sobre uma minúscula ferramenta química que pode cortar nosso DNA
É a primeira vez que duas mulheres ganham juntas o Nobel. As vencedoras são a americana Jennifer Doudna, da Universidade da Califórnia, e Emmanuelle Charpentier, da Unidade Max Planck para Ciência de Patógenos. O prêmio é sobre uma minúscula ferramenta química que pode cortar nosso DNA

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Segundo o comitê do Nobel, a tecnologia "revolucionou as ciências moleculares da vida, trouxeram novas oportunidades para cultivo de plantas, contribuiu com terapias inovadoras contra o câncer e torna real a esprança de de curar doenças hereditárias".

Como funciona a técnica crispr

O sistema derivado de bactéria trabalha nas células humanas para corrigir defeitos genéticos

1

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4

Uma molécula guia de RNA pode ser programada para se combinar a qualquer sequência de DNA encontrada no genoma humano

Uma enzima especial, chamada CAS9, pode ser anexada ao RNA guia para encontrar a sequência de DNA procurada

O RNA se alinha à sequência alvo de DNA e a CAS9 se acopla a ela e corta ambas as cadeias de dupla hélice do DNA

Os cortes de DNA podem ser alterados com uma inserção extra de DNA ou com a eliminação do DNA defeituoso

Fonte: Universidade de Berkeley/ The Independent

Como funciona a

técnica crispr

O sistema derivado de bactéria trabalha

nas células humanas para corrigir

defeitos genéticos

1

Uma molécula guia de RNA pode ser programada para se combinar a qualquer sequência de DNA encontrada no genoma humano

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Uma enzima especial, chamada CAS9, pode ser anexada ao RNA guia para encontrar a sequência de DNA procurada

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O RNA se alinha à sequência alvo de DNA e a CAS9 se acopla a ela e corta ambas as cadeias de dupla hélice do DNA

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Os cortes de DNA podem ser alterados com uma inserção extra de DNA ou com a eliminação do DNA defeituoso

Fonte: Universidade de Berkeley/ The Independent

A americana Jennifer, da Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA), e a francesa Emmanuelle, da Unidade Max Planck para Ciência de Patógenos (Alemanha), fizeram a descoberta a partir do estudo de mecanismo de defesa de bactérias.

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Investigando como esses microorganismos se defendem de vírus, elas descobriram em 2011 um segmento de RNA (material genético do micróbio) que se liga a uma proteína para picotar o genoma do invasor.

As duas cientistas readaptaram a técnica para manipular de forma controlada o DNA de outros microorganismos, plantas e animais, e o método explodiu em popularidade nos anos seguintes entre biólogos moleculares do mundo todo.

Disputa de patente

Nos anos seguintes, a inveção da CRISPR foi alvo também de uma longa disputa por patentes da invenção nos EUA entre Jennifer Doudna e o biólogo Feng Zhang, do Instituto Broad, de Massachusetts.

Zhang adaptou a técnica de Doudna e Charpentier para uso em eucariotos (organismos que possuem núcleo em suas células) e reivindicava royalties sobre eventuais aplicações da técnica que se estendem, por exemplo, a genes humanos.

Doudna e Charpentier acabaram perdendo a disputa, em primeira instância, e Zhang tem hoje parte da patente em potenciais aplicações da CRISPR. O pesquisador, porém, acabou sendo excluído agora da lista de vencedores do Nobel.

Questionados sobre se a instittuiçõ considerou outro nome para para premiação, Claes Gustafsson, presidente do comitê de Química do Nobel, disse:

— Essa é uma questão que nós nunca respondemos.

A Universidade da Califórnia ainda está recorrendo da decisão, e a disputa de patente ainda pode demorar para chegar a um resultado final.

Zhang não se pronunciou publicamente ainda sobre o Nobel, mas o diretor do Instituto Broad, Eric Lander, parabenizou as vencedoras.

Mulheres na química

Emmanuelle concedeu uma breve entrevista coletiva por telefone durante o anúncio do prêmio, em que falou sobre o entusiasmo de ser premiada.

— Eu gostaria que isso se torne uma mensagem positiva para as jovens e meninas que gostariam de seguir o caminho da ciência, porque mostra que mulheres cientistas também podem ser premiadas — afirmou.

Antes de Jennifer e Emmanuele, o Nobel de Química havia sido concedido a mulheres em cincou outras ocasiões, pela primeira vez a Marie Curie, em 1911. Foi a primeira vez, porém, que duas mulheres compartilharam o prêmio.

Doudna, de 56 anos, e Charpentier, 51, compartilham os 10 milhões de coroas suecas (US$ 1,1 milhão) do prêmio, metade cada uma.

Jennifer não deu entrevista durante o anúncio público do Nobel porquê não foi encontrada pelo comitê da premiação a tempo. Os organizadores pediram o número de celular de Jennifer para Emmanuelle, mas quando conseguiram localizá-la, ela já tinha sido avisada por uma jornalista às 3h da madrugada da Califórnia.

— Ela perguntou seu eu poderia comentar o Nobel, e eu perguntei "quem ganhou?" — contou a cientista em entrevista mais tarde, antes de desabar em riso.

A bioquímica americana está empregando a CRISPR agora na batalha contra a Covid-19, como cofundadora da startup de biotecnologia Mammoth, que busca desenvolver um novo tipo de teste diagnóstico para o coronavírus.

Copia-e-cola

O trabalho de bioquímica que rendeu o prêmio lida essencialmente com DNA e RNA, moléculas que guardam as "letras" do código com a receita de proteínas e de sua produção, para funcionamento de organismos vivos.

A jornada que levou à premiação começou com Emmanuelle em 2011, quando a cientista estudava a bactéria Streptococcus pyogenes e descobriu um segmento de RNA desconhecido nesse microorganismo. A cientista conseguiu mostrar que a molécula fazia parte do sistema de defesa da bactéria, picotando o material genético de vírus que a atacavam.

Já antecipando o potencia de aplicação da descoberta, a francesa convidou a bioquímica americana para tentar recriar a técnica em tubo de ensaio e empregá-la em outros organismos. Em 2012, as cientista publicaram um estudo mostrando cmo isso poderia ser feito.

No nome da técnica, CRISPR é asigla em inglês para Repetições Palindrômicas Curtas Interespaçadas e Regularmente Aglomeradas. Ela é o segmento de RNA que reconhece um trecho específico de um genoma. Já a Cas9 (Proteína 9 associada à CRISPR) é a enzima que efetivamente recorta o DNA, que pode ser depois "colado" em outro genoma. Por causa de sua versatilidade, a técnica acabou ganhando o apelido de "copia-e-cola" genético.

Entre as aplicações que a CRISPR-Cas9 já possibilitou criar por meio de manipulação genética estão plantas capazes de resistir a seca e a parasitas. Em medicina, já há testes clínicos em andamento com uma terapia para câncer.

Com Reuters