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Brasil

'Não se pode cercear pesquisadores', diz novo presidente do Inpe

Para Clezio de Nardim, militares não são 'inimigos' mas um grupo que quer monitorar também.
Clezio de Nardim, presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Foto: Arquivo pessoal
Clezio de Nardim, presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Foto: Arquivo pessoal

BRASÍLIA – O novo presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Clezio de Nardim , disse nesta sexta-feira que não vê problemas no interesse dos militares em realizar o monitoramento do desmatamento na Amazônia, mas defendeu que órgãos civis continuem a fazer esse trabalho. Segundo ele, pesquisadores não podem ser “cerceados”.

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— Se os militares querem fazer (monitoramento de desmatamento), ótimo. Não vejo problema. Agora, não se pode é cercear pesquisadores de fazer pesquisa. É um princípio da ciência. Enquanto eu estiver no comando, o Inpe pretende continuar fazendo pesquisas — afirmou Clezio durante breve conversa com a reportagem do GLOBO.

Ele foi o escolhido pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) de uma lista tríplice. O processo de escolha para o cargo demorou praticamente um ano, desde a exoneração, em 2019, o então diretor do órgão Ricardo Galvão, que deixou a chefia após embates com o presidente Jair Bolsonaro sobre a confiabilidade dos dados produzidos pelo instituto sobre o desmatamento na Amazônia. Desde então, a direção do Inpe estava a cargo do militar Darcton Policarpo.

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Clezio é engenheiro eletricista, mestre e doutor em geofísica espacial. É servidor de carreira do Inpe e é avaliado por colegas como um cientista qualificado e que se preparou para chegar à chefia do órgão. Seu perfil, afirmam, é de alguém que respeita a hierarquia e que deverá tentar evitar conflitos com o governo.

Desde o início do governo Bolsonaro, no entanto, o Inpe se transformou em alvo de integrantes do governo, entre eles o próprio presidente e, mais recentemente, o vice-presidente Hamilton Mourão que, há algumas semanas, disse, sem apresentar provas, que haveria um “oposicionista” dentro do Inpe. A crítica foi feita por conta dos dados indicando aumentos expressivos no número de queimadas e desmatamento na Amazônia e no Pantanal.

Mourão chegou até a sugerir a criação de uma agência que centralizaria os dados sobre desmatamento e queimadas nos moldes de uma agência militar norte-americana.

Clezio disse que não vê os militares como inimigos.

— Eu não posso dizer ao governo o que ele deve ou não fazer. Como cientista, vou continuar fazendo pesquisa, incentivar a pesquisa no Inpe. Não vejo os militares como inimigos, como uma instituição tomando ou roubando algo do Inpe. Vejo como um grupo que quer monitorar também.

Divulgação de dados

Em entrevista coletiva concedida logo após conversar com o GLOBO, Clezio defendeu o Inpe e disse que o órgão é uma das instituições de pesquisa espacial mais importantes do mundo.

Segundo ele, não há nenhuma indicação de que o órgão possa mudar a forma de divulgar informações sobre desmatamento e queimadas, alvo de críticas do governo. Atualmente, esses dados são abertos e divulgados para o público em geral on-line.

Questionado sobre a declaração do vice-presidente de que haveria um “oposicionista” no Inpe, o novo diretor da instituição se esquivou.

— O Inpe faz ciência. Eu faço ciência, não faço política. A César o que é de César. A Deus o que é de Deus. Políticos fazem política. Eu faço pesquisa — afirmou.

Ao falar sobre as críticas que o órgão vem recebendo tanto de Bolsonaro quanto de Mourão, Nardim afirmou que isso se deve, em parte, à falhas na comunicação do Inpe e convidou Bolsonaro a visitar as instalações do instituto.

— A imagem do Inpe precisa melhorar. Fica o meu convite público ao presidente Bolsonaro, ao meu ministro (Marcos Pontes). Venham visitar o Inpe. Estou de braços abertos. Conclamo os dois a fazer uma visita. Abro tudo, todos os processos e tenho certeza de que, sensibilizados, verão a joia rara que temos no nosso trabalho. (Crítica) É sinal de que não estamos nos comunicando de forma adequada. Por não nos comunicarmos adequadamente, peço desculpas — afirmou.