CIDADE DO VATICANO — Quando o Papa Francisco quis nomear uma mulher para a vice-diretoria da assessoria de imprensa do Vaticano em 2016, rapidamente se defrontou com a oposição da hierarquia dominada pelos homens da Igreja Católica.
— Eu tive que lutar — disse Francisco, em uma rara entrevista à Reuters em sua residência neste mês.
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Perguntado por que o líder de 1,3 bilhão de católicos do mundo, depois de três anos de papado, não conseguiu colocar uma mulher no papel do Vaticano sem enfrentar uma discussão, o Papa sorriu e respondeu:
— Chefes nem sempre podem fazer o que querem. Eles têm que convencer. Existe um verbo, uma palavra, que me ajuda muito a governar: “persuadir”.
Francisco se recusou a dizer quem resistiu à nomeação de Paloma Garcia Ovejero, uma jornalista espanhola de 42 anos, a única mulher com um cargo executivo na assessoria de imprensa do Vaticano e uma das poucas em cargos de liderança no Vaticano.
O episódio é um exemplo das batalhas que o Papa têm lutado para mudar a cultura do Vaticano e transformar a Igreja em uma instituição mais eficiente e inclusiva.
Agora em seu sexto ano de pontificado, Francisco, de 81 anos, ainda luta para acabar com os escândalos sexuais recorrentes, reformar a burocracia central da Santa Sé e superar a reação conservadora aos seus ensinamentos.
O Papa fez grandes reformas reconhecidas até mesmo por muitos de seus críticos, como tornar as finanças do Vaticano mais transparentes. Mas até mesmo alguns defensores sentem que ele às vezes é apressado e deveria consultar mais o clero.
Francisco enfatizou a misericórdia sobre a exclusão, o perdão sobre a punição e a abertura sobre o que descreveu como “um Cristo que está trancado” em edifícios da Igreja — parte de uma estratégia para evitar a evasão de fiéis, que cada vez estão mais concentrados em partes mais pobres do Hemisfério Sul.
Em uma série de atos simbólicos, o Papa visitou prisões para lavar os pés de detentos, incluindo mulheres e muçulmanos, em ritos tradicionais da Semana Santa que durante séculos envolveram apenas padres e que antes eram mantidos sempre nas magníficas basílicas de Roma.
Francisco mantém a condenação da Igreja ao aborto, mas diz que o tema tornou-se uma obsessão das chamadas “guerras culturais” católicas — particularmente nos Estados Unidos — que ele teme desviar o foco de graves problemas sociais, como a pobreza, a injustiça, a guerra, a migração e as mudanças climáticas.
Desde que foi eleito o primeiro Papa latino-americano, em 2013, Francisco trava uma difícil batalha para reformar a burocracia do Vaticano, conhecida como a Cúria. Alguns de seus membros foram apanhados em escândalos, como o vazamento de documentos confidenciais.
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Em seu discurso de Natal na Cúria em 2014, Francisco fez uma crítica mordaz, dizendo que o carreirismo, as maquinações e a ganância haviam infectado muitos de seus burocratas com “o Alzheimer espiritual”.
— Temos que lutar contra as doenças — afirmou à Reuters, acrescentando que a Cúria não deve sucumbir ao materialismo e ao carreirismo. Francisco insiste, por exemplo, que padres e freiras usem carros simples, em vez de modelos mais recentes. — São tentações normais, e assim continuará. Acho que a sabedoria está em reconhecê-las para não cair nelas.
Para contornar as crises na Cúria, Francisco nomeou um diplomata experiente, o cardeal Pietro Parolin, para a secretaria de Estado, o segundo posto na hierarquia da Igreja, para revisar as finanças do Banco do Vaticano.
— Houve polêmicas (sobre o banco) e tive que tomar decisões fortes — disse Francisco, que anunciou que traria novos quadros para o Vaticano e promoveria mais reformas.
Francisco goza de ampla popularidade no mundo e na Igreja, atraindo grandes multidões por onde passa. Uma pesquisa realizada em março pelo instituto Pew Research Center mostra que 84% dos católicos americanos têm uma opinião favorável sobre ele. No entanto, ele também tornou-se alvo da ala ultraconservadora da Santa Sé, um grupo pequeno, mas de alta penetração nas mídias sociais, liderado pelo cardeal Raymond Leo Burke, dos EUA.
Em 2016, Burke e outros três cardeais lançaram um desafio público a Francisco, em uma carta conhecida como “A Dubia”, acusando-o de semear confusão sobre questões morais importantes. Fez cinco questionamentos ao Papa, que não respondeu.
— A raiva dirigida a Francisco por conservadores é algumas vezes encoberta por preocupações com a doutrina e ortodoxia, mas muito disso é uma frustração simples e compreensível porque este grupo não tem mais o espaço que gozava nos dois papados anteriores (João Paulo II e Bento XVI) — disse David Gibson, diretor do Centro de Religião e Cultura da Universidade Fordham, em Nova York.
Em abril, Burke foi o principal orador de uma conferência em Roma que discutiu os “limites da autoridade papal”. Algumas das centenas de participantes referiram-se abertamente a Francisco como precursor da vinda do anticristo e do fim do mundo.
A conferência produziu uma declaração alertando que “um grave perigo para a fé e a unidade da Igreja” surgiu sob Francisco e pediu-lhe para responder às perguntas da Dubia.
— Qualquer um pode publicar ou expressar sua opinião — disse Francisco. — Eu não excomungo as pessoas. O tempo e o Senhor vão mudar as coisas. Não sinto vontade de julgá-los.
Fora dos olhos do público, Francisco é um operador perspicaz, segundo pessoas próximas a ele. Cuida de sua agenda de compromissos, carrega sua mala, não tem um único guardião, ao contrário de seus antecessores, e gosta de manter altos funcionários do Vaticano no escuro sobre algumas decisões até o último minuto para evitar vazamentos.
A fim de proteger seus legados, os papas nomeiam homens com uma mentalidade semelhante a sua a cardeais, o grupo que elegerá seus sucessores. São os principais consultores do Pontífice e participantes de comissões e conselhos que ajudam a estabelecer o curso da Igreja.
Na quinta-feira, Francisco indicará 14 cardeais de cinco continentes, com escolhas que ressaltam sua preocupação pelos pobres. Onze têm menos de 80 anos, o limite de idade para entrar no conclave que elegerá o sucessor do Pontífice, quando ele morrer ou se aposentar.
Até agora, Francisco nomeou cerca de metade do colégio cardinalício. Em um esforço para tornar a Igreja menos centrada na Europa, ele integrou ao grupo representantes de lugares tão distantes como Tonga e Madagascar. Também lembrou-se do arcebispo de Agrigento, na Sicília, devido à sua militância pelos direitos humanos dos migrantes que arriscaram suas vidas cruzando o Mar Mediterrâneo a partir da África.
Francisco revelou ter estudado secretamente os candidatos por cerca de um ano. Às vezes, até mesmo os novos cardeais não sabem que foram nomeados para o posto antes da realização de um anúncio público.
— Dessa forma, evito a fofoca aqui (no Vaticano). Acho que é melhor assim, mas eu não faço isso para ter uma maioria semelhante à minha linha, porque é o Espírito Santo quem faz isso (escolhe um Papa) — assegurou Francisco.