Brasil

Um passaporte limitado para o Brasil com direito de ‘ir e vir’

‘Naturalizar jornalistas negros é encampar lugares de fala e sanitizar o lugar de falta’
Gilberto Porcidonio, repórter da Editoria Rio Foto: Marcelo Theobald / Agência O Globo
Gilberto Porcidonio, repórter da Editoria Rio Foto: Marcelo Theobald / Agência O Globo

Antes mesmo de o racismo explícito voltar a ser viral — o que nos lembra do verdadeiro porquê de a palavra humanidade ser grafada com letra minúscula —, essa geração afrodescendente que os americanos têm chamado de woke (os despertados) já se debruçava sobre qual seria o futuro que se quer.

Por isso, essas perspectivas calcadas nos sonhos de nossos antepassados que tinham na comunicação oral sua via principal de se passar conhecimentos são um guia nesta distopia racial que segue em todos os âmbitos e que também afeta o nosso trabalho.

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Um jornalista, no Brasil, é um privilegiado. Ele fala, escreve, opina, observa e circula muito entre ambientes e classes sociais diferentes em um país que prende ou mata quem diverge da cor de pele vigente.

Por isso, ter um crachá com o seu nome acompanhado da inscrição “Imprensa” em destaque pode até ser um passe livre para o Brasil dotado do direito de ir e vir.

Porém, essa identificação também é questionada enquanto estamos trabalhando nesses espaços, chegando ao ponto até de ligarem para esta redação ou para nossos colegas brancos para saber se realmente trabalhamos aqui.

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Pensar em jornalismo antirracista é pensar o jornalismo em essência. Naturalizar profissionais negros nas redações é encampar os lugares de fala e sanitizar o lugar de falta, já que não existe democracia com 54% da população do país excluídos daquilo que leem, veem e escutam.

Para isso, essa presença deve ser tão natural quanto respirar, esse movimento involuntário banal que não podemos permitir que se torne um privilégio por causa de pandemias sociais ou biológicas.