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Reino Unido anuncia pacote bilionário para conter coronavírus

Na Itália, doença testa limites do sistema de saúde; na Alemanha, vírus pode infectar até 70% da população
Pessoas com máscaras passam diante do Parlamento britânico, em Londres Foto: HENRY NICHOLLS / REUTERS
Pessoas com máscaras passam diante do Parlamento britânico, em Londres Foto: HENRY NICHOLLS / REUTERS

LONDRES - Pouco depois de a Organização Mundial de Saúde (OMS) passar a usar palavra " pandemia " para definir o que chamou de níveis alarmantes de contaminação pelo Covid-19 mundo afora, o Reino Unido anunciava um pacote bilionário de recursos públicos para tentar conter os efeitos do vírus sobre o já combalido NHS, o sistema de saúde nacional gratuito britânico, que inspirou o SUS no Brasil. Foram 12 bilhões de libras — ou quase R$ 73 bilhões — adicionais ao orçamento previsto. O país corre contra o relógio, pois espera que o pico do número de casos da doença seja alcançado nos próximos 15 dias. Nas últimas 24 horas, foram 83 novos pacientes confirmados, o maior salto em um único dia, elevando o total de contaminados a 460 pessoas.

O governo não descarta liberar mais recursos a depender do que está por vir. O xerife dos cofres públicos, Rich Sunak, avisou que pretende gastar “o que for necessário” para conter a crise. No entanto, especialistas acreditam o problema não seja só dinheiro. Teme-se pela falta de estrutura, logística, leitos e até de enfermeiros. Este, por sinal, junto com o futuro do NHS, foi tema e uma das promessas de campanha do primeiro-ministro Boris Johnson, na eleição que o manteve no cargo em dezembro passado: a contratação de mais enfermeiros. O governo também está atrás de voluntários e aposentados para reforçar o contingente dos atendimentos.

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No mesmo dia, os pacientes registrados em um dos centros médicos da pequena cidade de Amersham, 40 km a noroeste de Londres, receberam o aviso de que todas as consultas marcadas online seriam atendidas por telefone. E que as presenciais só poderiam ser combinadas por telefone, depois de o interessado responder a um questionário, para garantir que não era portador do vírus. A preocupação é evitar que estas pequenas clínicas públicas de médicos da comunidade sejam confrontadas com a doença. Muitos médicos se queixam da falta de estrutura, como equipamentos e máscaras para tratar de casos de Covid-19. Alguns destes centros médicos locais fecharam depois de receber pacientes contaminados. As pessoas que acreditam ter sido contaminadas ou que tenham tido contato com doentes devem ligar para um número disponibilizado pelo governo. A recomendação é a de não irem às clínicas locais, nem às emergências antes de serem testadas.

Diante da iminência de um surto, o governo também aumentou para 10 mil o número de testes de coronavírus a serem realizados diariamente pelo país. Até ontem, eles não passavam de 1.500. Os laboratórios estão trabalhando a toque de caixa. A ordem é que os resultados saiam no mesmo dia. Mais de 25 mil pessoas foram testadas em todo o país até agora. Nem mesmo a ministra da saúde britânica, Nadine Dorries, foi poupada do vírus. Ela está em quarentena, depois de participar de inúmeros eventos nos últimos dias, um deles contou inclusive com a presença do premier.

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Para o líder da oposição trabalhista, Jeremy Corbyn, a ajuda para enfrentar o vírus é bem-vinda, mas “é pouca e chega tarde demais”. Segundo ele, o Reino Unido mergulhará em uma crise com seus serviços públicos “de joelhos”, depois de anos de cortes promovidos pelos governos conservadores. O NHS tem sido motivo de queda de braço entre os partidos políticos no país. É sabidamente um dos itens da agenda que mais dá votos. Isso porque é considerado o tema mais caro aos britânicos, talvez o único que ainda os una em um momento em que o país está dividido. Apesar de todas as guinadas liberais e cortes orçamentários, é maciço o apoio da população ao serviço gratuito de saúde, independentemente de região ou classe social.

O professor de economia e reitor da Universidade de Warwick, Abhinay Muthoo, afirma que o orçamento apresentado pelo governo nesta quarta é a prova de que a era da austeridade acabou. O partido conservador do premier é acusado de ter apertado demais os cintos na economia nos últimos 10 anos em que está no poder. Isso, segundo críticos, estaria por trás das limitações do NHS. Para Muthoo, o país está agindo depressa.

— Aprendeu com a China e atua ainda mais rápido do que a Itália, que acabou esperando algumas semanas — disse.

Segundo ele, o governo se prepara para lidar com o impacto cuja dimensão não se sabe exatamente qual é.

— Diante do que se viu na Itália, e do fato de que o pico aqui deve acontecer em 15 dias, segundo as autoridades, podemos estar falando de um surto menor do que o italiano. Estamos falando de algo que terá um efeito enorme sobre a economia, mas temporário. No pior cenário, até o final do ano — afirma.

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'Tsunami de vírus'

Na Itália, o principal país europeu afetado pelo vírus, médicos se queixam da falta de tudo. Já não há mais como atender em isolamento total todos os pacientes que recorrem aos hospitais. Analistas já se referem a uma "tsunami de coronavírus" que está testando os limites do sistema de saúde italiano, reconhecido como um dos melhores da Europa.

— Estamos trabalhando no osso. Os outros países precisam se preparar. Nunca vi nada igual — disse um médico ouvido pelo GLOBO.

Com quase 12.500 casos registrados, e com recordes diários de novas contaminações, a Itália está praticamente sitiada. Ao todo, 60 milhões de pessoas estão em quarentena forçada. Ruas das principais cidades do país estão às moscas. O primeiro-ministro Giuseppe Conte anunciou ainda que todas as atividades comerciais e de varejo, com exceção de estabelecimentos de necessidades básicas, ficarão fechadas, além de escolas e universidades que já haviam suspendido o seu funcionamento. Ontem, o governo italiano anunciou o quarto reforço consecutivo, em menos de um mês, para os gastos públicos com saúde. Já são € 25 bilhões (R$ 134 bilhões).

Na França e na Espanha, os governos também tentam conter a contaminação. O presidente francês, Emmanuel Macron, quer uma ação conjunta dos países europeus. Na Alemanha, a chanceler Angela Merkel foi avisada de que 70% da população podem ser contaminados pelo vírus.

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No Reino Unido, embora o número de casos ainda não seja tão alarmante, o governo já avisou que pode anunciar que qualquer um, com qualquer tipo de problema respiratório, deverá ficar em quarenta de uma semana em casa. Enquanto isso não acontece, os britânicos começam a mudar os hábitos.

— Você me desculpe, mas se incomoda de limpar as mãos com o álcool gel que está ali no balcão da recepção? É que a gente não sabe o que está por vir, não é mesmo?— pede quase que constrangida à cliente a cabeleira Anny Simpson.

A pergunta não podia ter sido formulada de maneira mais britânica. Mas a verdade é que mesmo eles, que não perdem a fleugma em situações extremas. Ninguém mais se cumprimenta com um aperto de mão. Aliás, essa foi uma das orientações dadas pelo primeiro-ministro no início da semana.