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STF autoriza sanções a quem não tomar vacina contra Covid-19

Para ministros, imunização deve ser obrigatória, mas não forçada fisicamente
Mulher segura um pequeno frasco etiquetado com um adesivo "Vacina coronavírus Covid-19" e uma seringa médica Foto: DADO RUVIC / Reuters
Mulher segura um pequeno frasco etiquetado com um adesivo "Vacina coronavírus Covid-19" e uma seringa médica Foto: DADO RUVIC / Reuters

BRASÍLIA — O Supremo Tribunal Federal (STF) permitiu nesta quinta-feira que o poder público declare obrigatória a vacinação contra a Covid-19, desde que as pessoas não sejam forçadas a se submeter à imunização contra a vontade própria. Os ministros declararam que a obrigatoriedade deve ser imposta por meio indireto — ou seja, quem não tomar a vacina pode ser impedido de frequentar determinados lugares, como escolas e transporte público.

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Dez dos onze ministros afirmaram que União, estados e municípios podem declarar a obrigatoriedade da vacinação. Os entes também podem impor restrições a quem se recusar a ser imunizado, desde que amparadas em evidências científicas e embasadas em lei específica.

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Kassio Nunes Marques, nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro, foi o único a declarar que apenas a União tem poderes para declarar a vacinação obrigatória. Ainda assim, o ministro ponderou que a medida só pode ser tomada em último caso, depois de postas em prática campanhas de conscientização da população para se vacinar.

O presidente do tribunal, Luiz Fux, esclareceu que obrigatoriedade da vacinação não significa forçar as pessoas a fazerem o que não querem:

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— Ninguém vai arrastar ninguém pelos cabelos para tomar vacina — disse Fux durante o julgamento.

O voto mais duro foi o de Moraes. Para ele, o argumento de que a vacinação obrigatória fere a liberdade individual é hipócrita porque as mesmas pessoas “não se importam em correr para tomar vacina de febre amarela” para “viajar ao exterior e ir a paraísos exóticos”. O ministro acrescentou que essas pessoas “não se importam de tomar a obrigatória vacina para entrar no país. Mas, para combater uma pandemia que já matou milhões de pessoas, esses discursos vêm se aflorando”.

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— A importância do tema é essencial. A preservação da vida, da saúde, seja individual, seja pública, em país como o Brasil, com quase 200 mil mortos pela Covid-19, não permite ao tratarmos desse tema e, por isso, a importância dessa Corte defini-lo, não permite demagogia, hipocrisia, ideologias, obscurantismo, disputas político eleitoreiras e principalmente não permite ignorância. Lamentavelmente, vemos as discussões se aflorarem com muita hipocrisia, em discursos absolutamente radicais onde muitas pessoas se exaltam contra vacinas — protestou Alexandre de Moraes.

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O julgamento começou na quarta-feira, com o voto de Lewandowski, relator do processo . Ele citou portaria editada pelo Ministério da Saúde em 2004 que condiciona o pagamento de salário-família à apresentação dos atestados de vacinação obrigatórias. A mesma exigência é feita para matrícula em creches, pré-escola, ensino fundamental, ensino médio e universidade; para alistamento militar; para recebimento de benefícios sociais concedidos pelo governo; e para contratação trabalhista.

— É impossível exagerar a importância da vacinação como meio de preservação da vida e da saúde da coletividade, as vacinas historicamente se provaram uma grande invenção da medicina em prol da humanidade — ressaltou Luís Roberto Barroso.

— O egoísmo não é compatível com a democracia. A Constituição não garante liberdade a uma pessoa para ela ser soberanamente egoísta. É dever do Estado, mediante políticas públicas, reduzir riscos de doenças e outros agravos, adotando as medidas necessárias para proteger a todos da contaminação de um vírus perigoso — disse Cármen Lúcia, que finalizou: — Não é possível que alguém imagine que algum Estado possa, tendo a ciência uma atuação exemplar para chegar a uma vacina, condicionar isso ao voluntarismo de quem está no poder.

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Ao votar, Nunes Marques fez menção indireta à fala de Bolsonaro na terça-feira, quando disse que não tomaria a vacina contra Covid-19. O ministro defendeu o direito do presidente da República manifestar sua opinião pessoal.

— O presidente da República, a par de ter funções administrativas, é também agente político e, como tal, tem direito de expressar opiniões pelos meios que considerar apropriado, inclusive com intuito de influenciar a opinião pública em favor das teses que defende. Isso faz parte da liberdade de expressão e do jogo político, ínsitos do regime democrático. Tais manifestações, entretanto, não são atos administrativos e nao vinculam administrativamente a União — disse Nunes Marques.

O ministro também ressaltou que não faria sentido o STF autorizar a obrigatoriedade da imunização, já que não existe vacina registrada no país no momento:

— Não há no momento nenhuma vacina registrada no Brasil que possa ser aplicada sequer facultativamente nos cidadãos. Como pode a ação pedir a este STF que autorize ou proíba a imposição de vacina obrigatória pelos entes públicos, se ainda não existe sequer vacina no Brasil?

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Também foi julgado nesta quinta-feira um processo em que o Ministério Público pede que os pais de uma criança de cinco anos sejam obrigados a atualizar o cartão de vacinas do filho. Os pais argumentam que deixaram de seguir o calendário de vacinação porque são veganos e contrários a intervenção médica invasiva. Por unanimidade, os ministros declararam que não é possível deixar de imunizar uma criança por convicções filosóficas dos pais, porque isso implicaria em ameaça à saúde pública.

— Não é legítimo, em nome de um direito individual, que é a liberdade de consciência, frustrar um direito da coletividade, que é o direito de cada um, individualmente, não estar exposto à contaminação por uma doença que poderia ser evitada pela vacinação — disse Barroso, relator do processo.

— O poder familiar, invocando convicção filosófica, não autoriza q os pais coloquem em risco a saúde dos filhos — concluiu.

Para a advogada Maria Luisa Correia, especialista em saúde e professora convidada da FGV dos cursos de MBA em saúde, a discussão antes mesmo de haver vacinas disponíveis é positiva, pois dá tempo para que pessoas que neste momento não queiram se vacinar reflitam sobre a situação.

— É muito saudável que uma decisão como essa venha a público, porque se torna um paradigma para as pessoas que já estão anunciando que não vão tomar vacina. Elas teriam a possibilidade para refletir se elas estão dispostas a arcar com as sanções provenientes disso.

'Discussão negativa'

Na visão de Natalia Pasternak, microbiologista, presidente do Instituto Questão de Ciência e colunista do GLOBO, a vacinação no Brasil já é obrigatória, e discutir a vacinação forçada pode aumentar o medo das pessoas e dar embasamento ao movimento antivacina.

— É óbvio que ninguém vai ser coagido a ser vacinado. E a vacinação já é obrigatória e já existem sanções, como não receber benefícios do governo federal como o Bolsa Família, não tomar posse de alguns cargos públicos — diz Pasternak. — Discutir o absurdo de vacinar alguém a força é extremamente negativo para população, porque ela passa a ficar desconfiada e não percebe que a vacinação no Brasil sempre foi indiretamente obrigatória.