Um Só Planeta

Conheça as 'greentechs', start-ups que fazem da solução de problemas ambientais um negócio

Brasil, com sua biodiversidade e força do agronegócio, tem potencial para se destacar num mercado que vai alcançar US$ 46 bi em 2026
Rodrigo Oliveira, cofundador e CEO da Green Mining: empresa coleta 120 toneladas de lixo por mês. Foto: Divulgação
Rodrigo Oliveira, cofundador e CEO da Green Mining: empresa coleta 120 toneladas de lixo por mês. Foto: Divulgação

RIO — A pressão de governos, organismos internacionais e consumidores, e a necessidade de, literalmente, salvar o planeta, estão impulsionando empresas de tecnologia com foco na sustentabilidade, as chamadas greentechs .

Um relatório da Allied Market Research estima que este mercado, estimado em US$ 6,85 bilhões em 2018, cresça para US$ 44,61 bilhões em 2026. E o Brasil, com sua biodiversidade, abundância de recursos naturais e a força do agronegócio , tem potencial para se destacar neste novo cenário.

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— Temos um paradigma global, com pressões dos países ricos e de organismos como a ONU, que listou os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável — afirma Alexandre Nascimento, especialista da SingularityU Brazil.

Nascimento acrescentou:

— E estamos vivendo a revolução das tecnologias exponenciais, como inteligência artificial e internet das coisas, que possibilitam que as operações sustentáveis sejam mais rentáveis que as tradicionais.

Exemplo disso é a Eco Panplas, start-up que opera uma planta piloto em Hortolândia, em São Paulo, e desenvolveu tecnologia para remover resíduos de embalagens plásticas de óleo lubrificante sem o uso de água — insumo utilizado tradicionalmente para este fim. E o óleo residual é recuperado no processo.

— O nosso propósito é o impacto ambiental, mas o negócio precisa ter boa rentabilidade para poder escalar. Nós conseguimos aliar o bem para o planeta com ganhar dinheiro, criando um processo que é 30% mais barato — diz Felipe Cardoso, fundador e CEO da start-up.

Ele acrescenta que a empresa já processou mais de 10 milhões de embalagens, que foram recicladas, economizando 17 bilhões de litros de água.

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Funcionários da Green Mining fazem a coleta do material para reciclar Foto: Divulgação
Funcionários da Green Mining fazem a coleta do material para reciclar Foto: Divulgação

Já a Green Mining usa o blockchain, tecnologia conhecida pela aplicação em criptomoedas,  para garantir a logística reversa da indústria. Com clientes como Ambev, Unilever, Natura e Braskem, a start-up desenvolveu um modelo de coleta e destinação de materiais recicláveis que beneficia toda a cadeia do lixo.

— A indústria tem a garantia de que todo o material recolhido vai para a reciclagem. Os catadores são contratados com carteira assinada e usam EPIs. Os comerciantes reduzem o volume de lixo, que eles pagam para ser recolhido — explica Rodrigo Oliveira, cofundador e CEO da Green Mining, que coleta 120 toneladas de lixo por mês. — É um grande ganha-ganha.

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Guilhermo Queiroz, fundador e CEO da Biosolvit, viu no rejeito da indústria do palmito uma fonte de lucro. Primeiro, criou uma linha de produtos para o cultivo de plantas, como substrato e xaxim.

Com mais pesquisas, desenvolveu equipamentos para contenção de vazamentos de óleo mais baratos e eficientes que os disponíveis no mercado, e capazes de devolver o óleo recolhido para a refinaria.

— Numa fábrica de palmito, só 3% das palmeiras são aproveitados, o restante era jogado fora. Nós pegamos esse rejeito e geramos valor — diz Queiroz, que já captou R$ 15 milhões em investimentos e prepara uma segunda rodada para 2022 ou 2023, com foco na expansão internacional.

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Mas investimentos conseguidos pela Biosolvit não são regra no mercado brasileiro de Greentechs, ao menos por enquanto. Tiago Brasil Rocha, fundador da Build From Scratch e organizador do evento Greentech América Latina, afirma que ainda existe no país um certo preconceito contra empresas sustentáveis, vistas como não lucrativas:

— Existe uma ideia de que se o produto faz bem, ele não dá dinheiro. Que o produto sustentável é mais artesanal, logo custa mais caro, logo não consegue competir em faturamento com a produção em massa da indústria — diz.

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Para Felipe Matos, presidente da Associação Brasileira de Startups, o risco associado no desenvolvimento de tecnologias verdes, que é mais caro e lento, e as incertezas mercadológicas acabam afastando investidores.

Falta de incentivo à pesquisa

Além da dificuldade de se levantar capital, as greentechs enfrentam a barreira da falta de incentivo à pesquisa em universidades, celeiros de start-ups desse tipo, destaca Matos:

— Existe muito potencial no país para o desenvolvimento de tecnologias e soluções verdes, mas o incentivo para esse tipo de solução é insuficiente e vem diminuindo nos últimos anos no país — afirma.

Matos completa:

— Cabe ressaltar que as greentechs em geral surgem de pesquisa e desenvolvimento que começam nas universidades. Tivemos quase 10 anos seguidos de cortes nos orçamentos de ciência e tecnologia.

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Para Alexandre Nascimento, da SingularityU Brazil, o país sofre com o “problema” da abundância. O Brasil tem água em abundância, terras cultiváveis em abundância, Sol em abundância. Por isso, argumenta, não precisou se esforçar muito para reduzir o desperdício de recursos naturais.

Mas essa realidade vem mudando nos últimos anos, vide as crises hídricas recentes, o que exige soluções para esses novos problemas.

Na questão do investimento também existe um movimento para ampliar os aportes em start-ups sustentáveis.

Segundo Gustavo Araújo, cofundador da consultoria Distrito, já existem no país fundos de venture capital específico para investimentos em start-ups ESG (de governança ambiental, social e corporativa).

— É muito mais interessante ganhar dinheiro e saber que está se investindo numa empresa que está fazendo o bem para o planeta, mas isso exige uma mudança de consciência, que é gradativa — afirma.

Araújo acrescenta:

— Mas já existem fundos específicos para greentechs. Eles são poucos, ainda temos que correr atrás para aliar ganho de capital com sustentabilidade.