RIO — A pressão de governos, organismos internacionais e consumidores, e a necessidade de, literalmente, salvar o planeta, estão impulsionando empresas de tecnologia com foco na sustentabilidade, as chamadas
greentechs
.
Um relatório da Allied Market Research estima que este mercado, estimado em US$ 6,85 bilhões em 2018, cresça para US$ 44,61 bilhões em 2026. E o Brasil, com sua biodiversidade, abundância de recursos naturais e a
força do agronegócio
, tem potencial para se destacar neste novo cenário.
— Temos um paradigma global, com pressões dos países ricos e de organismos como a ONU, que listou os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável — afirma Alexandre Nascimento, especialista da SingularityU Brazil.
— E estamos vivendo a revolução das tecnologias exponenciais, como inteligência artificial e internet das coisas, que possibilitam que as operações sustentáveis sejam mais rentáveis que as tradicionais.
Exemplo disso é a Eco Panplas, start-up que opera uma planta piloto em Hortolândia, em São Paulo, e desenvolveu tecnologia para remover resíduos de embalagens plásticas de óleo lubrificante sem o uso de água — insumo utilizado tradicionalmente para este fim. E o óleo residual é recuperado no processo.
— O nosso propósito é o impacto ambiental, mas o negócio precisa ter boa rentabilidade para poder escalar. Nós conseguimos aliar o bem para o planeta com ganhar dinheiro, criando um processo que é 30% mais barato — diz Felipe Cardoso, fundador e CEO da start-up.
Ele acrescenta que a empresa já processou mais de 10 milhões de embalagens, que foram recicladas, economizando 17 bilhões de litros de água.
Já a Green Mining usa o blockchain, tecnologia conhecida pela aplicação em criptomoedas, para garantir a logística reversa da indústria. Com clientes como Ambev, Unilever, Natura e Braskem, a start-up desenvolveu um modelo de coleta e destinação de materiais recicláveis que beneficia toda a cadeia do lixo.
— A indústria tem a garantia de que todo o material recolhido vai para a reciclagem. Os catadores são contratados com carteira assinada e usam EPIs. Os comerciantes reduzem o volume de lixo, que eles pagam para ser recolhido — explica Rodrigo Oliveira, cofundador e CEO da Green Mining, que coleta 120 toneladas de lixo por mês. — É um grande ganha-ganha.
Guilhermo Queiroz, fundador e CEO da Biosolvit, viu no rejeito da indústria do palmito uma fonte de lucro. Primeiro, criou uma linha de produtos para o cultivo de plantas, como substrato e xaxim.
Com mais pesquisas, desenvolveu equipamentos para contenção de vazamentos de óleo mais baratos e eficientes que os disponíveis no mercado, e capazes de devolver o óleo recolhido para a refinaria.
— Numa fábrica de palmito, só 3% das palmeiras são aproveitados, o restante era jogado fora. Nós pegamos esse rejeito e geramos valor — diz Queiroz, que já captou R$ 15 milhões em investimentos e prepara uma segunda rodada para 2022 ou 2023, com foco na expansão internacional.
Mas investimentos conseguidos pela Biosolvit não são regra no mercado brasileiro de Greentechs, ao menos por enquanto. Tiago Brasil Rocha, fundador da Build From Scratch e organizador do evento Greentech América Latina, afirma que ainda existe no país um certo preconceito contra empresas sustentáveis, vistas como não lucrativas:
— Existe uma ideia de que se o produto faz bem, ele não dá dinheiro. Que o produto sustentável é mais artesanal, logo custa mais caro, logo não consegue competir em faturamento com a produção em massa da indústria — diz.
Para Felipe Matos, presidente da Associação Brasileira de Startups, o risco associado no desenvolvimento de tecnologias verdes, que é mais caro e lento, e as incertezas mercadológicas acabam afastando investidores.
Falta de incentivo à pesquisa
Além da dificuldade de se levantar capital, as greentechs enfrentam a barreira da falta de incentivo à pesquisa em universidades, celeiros de start-ups desse tipo, destaca Matos:
— Existe muito potencial no país para o desenvolvimento de tecnologias e soluções verdes, mas o incentivo para esse tipo de solução é insuficiente e vem diminuindo nos últimos anos no país — afirma.
Matos completa:
— Cabe ressaltar que as greentechs em geral surgem de pesquisa e desenvolvimento que começam nas universidades. Tivemos quase 10 anos seguidos de cortes nos orçamentos de ciência e tecnologia.
Para Alexandre Nascimento, da SingularityU Brazil, o país sofre com o “problema” da abundância. O Brasil tem água em abundância, terras cultiváveis em abundância, Sol em abundância. Por isso, argumenta, não precisou se esforçar muito para reduzir o desperdício de recursos naturais.
Segundo Gustavo Araújo, cofundador da consultoria Distrito, já existem no país fundos de venture capital específico para investimentos em start-ups ESG (de governança ambiental, social e corporativa).
— É muito mais interessante ganhar dinheiro e saber que está se investindo numa empresa que está fazendo o bem para o planeta, mas isso exige uma mudança de consciência, que é gradativa — afirma.
Araújo acrescenta:
— Mas já existem fundos específicos para greentechs. Eles são poucos, ainda temos que correr atrás para aliar ganho de capital com sustentabilidade.