Um só planeta
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O geógrafo Yuri Salmona, doutor em Ciências Florestais pela Universidade de Brasília (UnB), dedica-se a pesquisar o Cerrado e encontrar maneiras de preservar seus recursos hídricos. Ele e um time de cientistas passaram cinco anos analisando a vazão de mais de 80 rios do bioma no Centro-Oeste, considerado a "caixa d'água" do Brasil por abrigar nascentes de oito das principais bacias hidrográficas do território nacional. Os resultados do trabalho foram publicados em um artigo que revela o impacto da produção de commodities agrícolas e das mudanças climáticas, indicando um futuro difícil.

Nesta entrevista ao GLOBO para marcar o Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado nesta quarta-feira, o pesquisador, que é diretor executivo do Instituto Cerrados, detalhou o seu estudo dos rios e deixou claro por que é urgente preservar o Cerrado para não faltar água no Brasil.

Qual é a importância hídrica do Cerrado?

É a peça central no provimento de água do país. Ocupa cerca de 25% do Brasil e distribui água para oito bacias hidrográficas (mais de 90% das águas do Rio São Francisco e 100% das águas do Pantanal). Mais de três mil nascentes da região abastecem o bioma amazônico. Na Bacia do Paraná, onde há diferentes hidrelétricas, 48% da água sai do Cerrado. Aliás, segundo a WWF Brasil, 90% da população consome energia produzida por hidrelétricas cujas águas nascem na região. O Cerrado também é protagonista na produção de commodities: 80% das áreas irrigáveis do país estão no bioma.

Sua pesquisa mostra que os rios do Cerrado estão perdendo volume. Quais são os riscos?

O estudo analisou 81 bacias para fazer três perguntas. A vazão dos rios está mudando? Se está, o que vem causando isso? Como deve ser o futuro? Levamos cinco anos para chegar às respostas. Pelo menos 95% dos rios analisados tiveram redução de vazão de, em média, 15% entre 1985 e 2022. Identificamos que 56% dessa redução foi causada pelo desmatamento, e 43%, pelas mudanças climáticas. Para o futuro, nossa projeção indica uma redução média de 33% na vazão dos rios do Cerrado.

O geógrafo Yuri Salmona, diretor-executivo do Instituto Cerrados — Foto: Divulgação
O geógrafo Yuri Salmona, diretor-executivo do Instituto Cerrados — Foto: Divulgação

O que isso pode significar, na prática?

É muito preocupante. O Brasil depende da água do Cerrado. No futuro, podemos enfrentar racionamentos frequentes. A situação também vai gerar conflitos como os que já ocorrem no oeste da Bahia, onde comunidades estão acionando a Justiça contra fazendas de commodities por uso indiscriminado da água. Se o Cerrado não for preservado, até hidrelétricas podem vir a disputar com o agro, já que 50,5% da água consumida no país vai para irrigação, especialmente de commodities agrícolas

Como explicar as causas dessa redução na vazão dos rios?

São diferentes motivos, mas o consumo excessivo de água pelo setor agropecuário, o desmatamento e as mudanças climáticas são fatores importantes. A vegetação do Cerrado faz a interface entre a atmosfera e o solo, infiltrando a água da chuva. Essa água armazenada debaixo da superfície é essencial nos períodos de seca, tanto para as plantas quanto para manter a vazão dos rios. Sem vegetação, o bioma perde essa capacidade. Ou seja, o combate ao desmatamento no Cerrado deve preconizar a preservação da água. Até porque, com as mudanças climáticas, o período de chuvas foi atrasado em 56 dias.

No futuro, a escassez de água pode atrapalhar a produção agrícola?

A agricultura intensiva está inviabilizando a agricultura. A produção de commodities como soja e algodão consome um volume de água muito alto. Capta água do subsolo para irrigar o cultivo no período seco. Mas isso está gerando consequências. Em hidrologia, há efeitos sensíveis a médio prazo. A falta de água de hoje é consequência de impactos realizados há dez anos, e a falta de água dos próximos dez anos está sendo gerada agora. Se não preservar e restaurar o Cerrado, ampliaremos a insegurança hídrica. Todos perdem.

Há problemas climáticos gerados pelo desmatamento?

As consequências já podem ser observadas no âmbito nacional. A tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul não aconteceu sem avisos. Há tempos a ciência antecipou que o desmatamento no Cerrado intensificaria a bolha de ar quente e seco sobre o Centro-Sul. O bloqueio atmosférico causado por essa bolha inviabiliza o percurso dos “rios voadores” da Amazônia para o interior do país e impede o espalhamento das frentes frias úmidas do Atlântico Sul, estacionando as chuvas sobre o estado gaúcho. Portanto, o desmatamento no Cerrado é central para explicar essa triste situação.

E por que o desmatamento vem aumentando no bioma?

O Cerrado é um bioma desprotegido, onde propriedades rurais podem ter até 80% de área desmatada, de acordo com o Código Florestal. Diferentemente da Amazônia, que tem muitas terras públicas, no Cerrado há bem mais terras privadas, o que exige articulação entre os estados e a União. Apenas 8% do bioma são preservados por unidades de conservação. Além disso, criou-se o imaginário de que a vegetação do Cerrado não tem valor e pode ser devastada. Isso é ignorância a respeito da imensa riqueza do bioma. Pantanal e Amazônia são considerados patrimônio. Cerrado e Caatinga, não. Mas a Amazônia não é uma ilha. A Floresta Amazônica não fica de pé sem o Cerrado.

O que pode ser feito para frear o desmatamento?

O poder público tem que fazer um trabalho articulado. Estados e União precisam garantir critérios e processos para supressão de vegetação nativa que garantam a perpetuidade de serviços ambientais, como a água. Cabe às secretarias estaduais de Meio Ambiente avaliar os pedidos de autorização para o desmatamento. Elas não são obrigadas a autorizar o abate de 80% da área. Não é admissível conceder aval de desmatamento em propriedade cuja inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR) não foi validada pelo estado. Só que menos de 1% dos imóveis rurais no Brasil estão validados. Se desmatou sem autorização, precisa suspender o CAR e responder legalmente

Mas ainda é preciso desmatar para aumentar a produção agrícola no Centro-Oeste?

É urgente dar um freio de arrumação. Antes de autorizar o desmatamento, tem que arrumar a casa. Hoje, há cerca de 30 milhões de hectares de áreas degradadas e subutilizadas no Cerrado, portanto, não é necessário desmatar para produzir. Grande parte dos pedidos de autorização para supressão e o próprio desmatamento são por especulação, para valorizar a terra, sem necessariamente produzir.

Suspender as autorizações de desmatamento geraria uma reação do setor agropecuário...

Só dos que não compreenderam a importância do Cerrado em pé para a própria agropecuária. Existe um custo político, mas o custo de não fazer nada é muito maior. Conter o desmatamento do Cerrado seria o maior gesto de soberania do governo. O futuro do Brasil depende de proteger suas fontes de água.

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