Um só planeta
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Por — São Paulo

Quem observa do alto uma paisagem típica do Cerrado brasileiro nota que a sua vegetação não é tão exuberante quanto, por exemplo, a da Floresta Amazônica. Mas não se pode julgar a região pela sua superfície. Uma das grandes riquezas do bioma que se espalha por quase 25% do território nacional não é visível acima do solo, está, justamente, na porção subterrânea.

As raízes da vegetação no Cerrado podem alcançar até 15 metros de profundidade. São como "braços" que se esticam para chegar aos lençóis freáticos debaixo da terra, o que garante a vida durante o período de seca. Devido a essa característica, o bioma guarda, no subsolo, até cinco vezes mais carbono do que a sua biomassa "aérea". É o inverso do conceito de floresta, onde troncos e galhos guardam mais carbono que as raízes.

O Cerrado sempre recebeu menos atenção do que a Amazônia, principalmente quando o assunto é emissão de CO₂, que, na atmosfera, contribui para o aquecimento global. A preocupação com a floresta no Norte do país tem sua razão de ser, já que a região concentra de 250 a 300 toneladas de carbono por hectare. Mas o bioma savânico no Centro-Oeste não fica muito atrás. Um estudo recente realizado por centros de pesquisa em 21 pontos diferentes do Brasil revelou que o Cerrado estoca, em média, 143 toneladas de carbono por hectare, incluído aquele abaixo do solo.

Como esse volume de biomassa está longe de ser desprezível, e o cenário de uso da terra no país está mudando, a balança da preocupação começa a pender para o Cerrado. Pela primeira vez nas últimas décadas, o bioma teve, em 2023, uma área desmatada superior à da Amazônia. Para completar, a atividade econômica que se instala onde as árvores são derrubadas é em sua maioria uma agricultura de monocultura ou a pastagem extensiva, que emite mais CO₂.

Até a explosão de desmatamento observada no ano passado, as emissões de CO2 no Cerrado vinham diminuindo na média, apesar da sua grande oscilação ao longo das últimas três décadas. Mas redução do CO₂ proporcionada por esse recuo de longo prazo no desmate foi praticamente cancelada pelo aumento das emissões da crescente produção rural.

Segundo o projeto Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (Seeg), as atividades humanas no bioma emitem hoje entre 400 milhões e 500 milhões de toneladas de CO₂ na atmosfera por ano. O valor é essencialmente o mesmo de três décadas atrás. A diferença é que, nos últimos anos, a produção agrícola tem gerado mais gases de efeito estufa do que o desmatamento em si.

De todo modo, essas duas fontes de CO₂ andam juntas, porque mais de 97% do desmate no país nos últimos cinco anos ocorreu para instalação de pastos e lavouras. Recentemente, a emissão de CO₂ para produção de energia também tem aumentado na região do Cerrado, com o acionamento de usinas térmicas, mas esse cenário não tem ligação direta com o corte de vegetação.

'Bioma de sacrifício'

Com a preservação da Amazônia incluída como prioridade na promessa internacional do Brasil de reduzir emissões, e com o momento político favorável a encontrar recursos para ajudar a floresta, o bioma vizinho ficou mais exposto. Na análise de ambientalistas, o agronegócio se concentra agora em garantir a expansão da produção à base do desmatamento no Cerrado.

— Nós chamamos isso de spillover e já vimos ocorrer no passado: quando o desmate cai na Amazônia, aumenta no Cerrado — pondera a pesquisadora Bárbara Zimbres, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), coordenadora para a Divisão do Cerrado no Seeg.

Zimbres e outros cientistas estão se articulando para exigir do governo o cumprimento da promessa de incluir o desmatamento zero do Cerrado na próxima Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC). Esse é o documento oficial do compromisso do país no Acordo de Paris para o clima global.

Implementar uma política contra o desmate no bioma, porém, não será fácil. Se, na Amazônia, a lei do Código Florestal impede o desmatamento de mais de 20% de propriedades privadas, no Cerrado, a área livre para conversão é de até 80%. Com a bancada ruralista numa composição bem articulada no Congresso Nacional, cientistas têm pouca esperança de que a lei mude para melhor.

— Alguns setores do agronegócio consideram que o Cerrado deve ser um "bioma de sacrifício", uma vegetação nativa que deve ser sacrificada para proteger os sistemas florestais — lamenta a ecóloga Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília (UnB) e uma das maiores especialistas no bioma. — Mas o nome disso deveria ser "agrossuicídio". A saúde do Cerrado é essencial para a agricultura na área.

Pressão no Matopiba

O estresse provocado pelo desmatamento da região está prejudicando a contribuição que a evaporação da água e a transpiração de plantas promovem para a formação de chuvas na interação com frentes úmidas, explica a pesquisadora. Esse problema está ocorrendo sobretudo no Matopiba, a região do Cerrado situada na divisa entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

— Todos os modelos e simulações indicam que, se a gente não tiver uma ação de mitigação forte, a tendência é que essa parte norte do Cerrado, hoje ocupada com soja e milho, não tenha mais condições de produzir — afirma Bustamante. — Onde os produtores vão plantar? Não existem mais áreas disponíveis no sul e no sudeste do Cerrado.

Um outro aspecto do bioma que tem atraído o olhar de pesquisadores é o CO₂ proveniente de queimadas e incêndios no Cerrado. Esse fenômeno é computado pelo Seeg, mas não está incluído ainda no Inventário Nacional de Emissões de Gases de Efeito Estufa, a contagem oficial do governo.

— No Cerrado, fica evidente que esse é um fator muito importante e que aumenta em 30% a estimativa de emissão no bioma — diz Bárbara Zimbres. — Como o Cerrado é um bioma adaptado ao fogo, as pessoas prestam menos atenção. Mas o regime de fogo que se vê atualmente não é o natural.

Mercedes Bustamante defende que, além das queimadas, o inventário passe a incluir de alguma forma como fonte de emissão a degradação vegetal, que é a perda parcial da flora, quando ela fica mais rala. Isso ocorre por corte seletivo de madeira ou mesmo por deterioração do clima regional.

Carbono no solo

O papel do solo é outro componente que cientistas vêm usando como argumento em prol da preservação do Cerrado. Quando uma área de savana é desmatada, o carbono subterrâneo que o terreno guarda não se decompõe imediatamente, e sua emissão pode ser evitada. Isso requer, entretanto, formas de cultivo diferentes da monocultura, que incluam práticas mais sustentaáveis, como a integração entre lavoura e vegetação nativa.

— Há muito carbono estocado na matéria orgânica do solo do Cerrado. A liberação de gases estufa, então, não ocorre só no desmatamento. A depender da forma de cultivo do solo, depois você começa a perder carbono associado à matéria orgânica do solo — explica Bustamante.

Mecanismos de proteção

Segundo Zimbres, o investimento em iniciativas que ajudam a proteger o bioma ocorre hoje em uma escala menor do que seu potencial porque captar verbas para proteção do Cerrado é difícil. Não existe hoje para biomas savânicos um mecanismo similar ao do Fundo Amazônia, que hoje está bancando grande parte do programa de conservação da floresta.

O Cerrado, além disso, precisa de porlíticas públicas diferentes para proteção, porque grande parte da vegetação nativa que se deseja proteger ali está em propriedades privadas.

— Internamente, eu acho que a gente vai ter que partir para o pagamento por serviços ecossistêmicos, porque o cerrado em pé tem que valer mais que desmatado — diz Zimbres. — Existem mecanismos de estímulo para que Um produtor com ativo de vegetação nativa na propriedade dele escolha não desmatar para ter mais acesso crédito ou mesmo para receber um pagamento.

Sem uma política robusta para frear a destruição do Cerrado, afirma a pesquisadora, se a perda de vegetação nativa continuar alta, não é impossível que o foco nacional de emissões mude. Com o cenário seguindo o mesmo curso, daqui a alguns anos o Cerrado pode até se tornar um problema de emissões maior do que o desmate da Amazônia.

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