Day Off
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Por — Nova York


Organizo visitas guiadas de arte em Nova York há mais de dez anos e estou acostumada a falar com grupos. Identifico, com certa facilidade, quem está me escutando de forma ativa e quem está distraído. Recentemente, fui à Índia e, aí, mudei de papel — fui guiada ao longo de duas semanas pelo professor de yoga e cultura indiana Pedro Kupfer.

Uma das aulas foi exatamente sobre aprender. Ou melhor: sobre prestar atenção. Num mundo que estimula nosso tempo de atenção a ser cada vez mais breve — com tuítes no lugar de livros, e com nossa “impaciência cognitiva” crescendo — quem nunca colocou um áudio do WhatsApp acelerado em 2 vezes? —, se concentrar por períodos longos em um só assunto está se tornando coisa rara.

Com notícias fragmentadas e informações sendo compartilhadas de forma cada vez mais rápida e impulsiva, prestar atenção fica cada vez mais difícil. Além, é claro, do nosso foco se dividir entre o que acontece na “vida real” e o que está na telinha do telefone, no mundo virtual.

Madonna, de Salvador Dalí (1958): orelha ou útero? — Foto: Site do MET
Madonna, de Salvador Dalí (1958): orelha ou útero? — Foto: Site do MET

Como sugeriu Kupfer, “prestar atenção não é pensar”. Pensar seria ruminar aquilo que você já sabe. Prestar atenção consistiria em estar presente e sem se preocupar em tirar conclusões. Arrisco dizer que, para isso, precisamos estar vulneráveis ao que está sendo dito. Gosto da ideia de que prestar atenção seria mais como “pensar o pensamento do outro”, em vez de ouvir já pensando na sua resposta ou na parte de que você discorda.

Para Clarice Lispector, “escutar desorganiza”. Se você estiver de fato aberto ao que o outro traz — e esse “outro” pode ser também uma música, uma cena de filme, uma pintura, um livro, um poema… — , algo, de repente, pode se transformar.

Obra em alumínio de Tomio Miki, de 1964: orelhas se transformaram em objeto dominante nas esculturas do artista — Foto: Site do MoMA
Obra em alumínio de Tomio Miki, de 1964: orelhas se transformaram em objeto dominante nas esculturas do artista — Foto: Site do MoMA

Hoje em dia, nossa atenção é disputada por marcas, empresas e aplicativos. É ela que pauta os algoritmos e nos leva cada vez mais para aquilo que já sabíamos que queríamos. Como se a oferta infinita de possibilidades dos primórdios da internet fosse se afunilando cada vez mais e desembocasse sempre em alguma propaganda de produto ou série da Netflix que não te permite ir além do que você já conhece e gosta.

Tenho percebido que muitos dos anúncios online que aparecem nos meus feeds tendem a ser de produtos, ingressos e informações que já consumi. Ao contrário do leque de opções, a sensação é de vestir um cabresto. Não somos expostos ao diferente, ao que não sabemos ainda que gostamos, ao que poderia causar estranhamento e descobertas.

Já nos anos 1940, a filósofa francesa Simone Weil escreveu em uma carta ao poeta Joë Bousquet que “atenção é a forma mais rara e pura de generosidade”. Ter sido guiada em vez de guiar, ser exposta a conhecimentos de uma cultura diferente e milenar, explorar um novo país, suas cores, aromas, sons e sabores, deixou minha escuta mais aberta.

Voltei desorganizada.

*Gisela Gueiros é historiadora de arte e consultora; mestre em História da Arte Contemporânea pelo Sotheby’s Institute of Art, foi responsável por Projetos Internacionais na Galeria Millan e curadora de mais de 20 exposições em Nova York

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